São Paulo, 5 de Fevereiro de 1999


MILONGA DE JACINTO CHICLANA


Lembro bem que, em Balvanera,
Certa noite do passado,
O nome de um tal Jacinto
Chiclana foi mencionado.
Mencionaram-se uma esquina,
Uma faca _e eu entrevejo
Através de tantos anos
Um duelo e o seu lampejo.
Persegue-me ainda o nome
Mas por quê, não sei direito;
Quisera ter uma idéia
De como era o tal sujeito.
Eis que o vejo alto e bem feito,
Homem de alma comedida
Que jamais erguia a voz,
Porém punha em jogo a vida.
Ninguém com passo mais firme
Deve ter pisado a terra
E ninguém deve ter sido
Melhor no amor e na guerra.
Sobre a horta e sobre o pátio
As torres de Balvanera
E a morte casual na esquina
Que nem recordo qual era.
Não vejo as feições, mas vejo
À luz amarela e fraca
O choque de homens ou sombras
E, feito víbora, a faca.
Talvez naquele momento
Em que lhe entrava a ferida
Pensou que a um homem condiz
Não retardar a partida.
Só Deus sabe a laia fiel
Daquele homem, mais ninguém;
Senhores, estou cantando
O quanto um nome contém.
Há certa coisa da qual
Ninguém neste mundo sente
Remorso algum. Essa coisa
É ter sido homem valente.
Sempre é melhor a coragem,
Nunca a esperança engana;
Vá, portanto, esta milonga

Para Jacinto Chiclana.



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