São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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Computadores provocam a demissão de 349 mil bancários em apenas sete anos; bancos consideram que a diminuição do número de funcionários não terminou

da Reportagem Local

Edvaldo Alves dos Santos, 50, funcionário do Bradesco por 23 anos, já foi a personificação do sonho de ascensão: o faxineiro que virou subgerente.
Já foi, porque o subgerente acabou demitido, virou caminhoneiro e o caminhoneiro está sendo executado judicialmente porque não consegue saldar uma dívida com o próprio Bradesco.
"Quando comecei em 1974, tinha só um computador grandão que a gente nem via. Depois de 1984, 1985, eles foram avançando e as pessoas diminuindo. Há um ano chegou a minha vez", conta.
Santos é um deserdado do choque tecnológico. Integrava a categoria mais afetada pela disseminação de computadores -a dos bancários. Aí, de nada vale a teoria econômica que diz que tecnologia não desemprega.
Os números são claros. Em janeiro de 1990, havia 812.667 bancários no país. Ano passado, eram 463.330 -uma queda de 43%. Só o Bradesco demitiu 32% dos funcionários nos últimos cinco anos -um corte de 20 mil empregos.
O coordenador de negociações trabalhistas da Federação Nacional dos Bancos, Magnus Apostólico, afirma que os cortes vão continuar, mas num ritmo menor: "Se você comparar com o resto do mundo, temos gente demais. A automação não é só um fator de redução de custos. É o mercado que exige velocidade nas transações e informações instantâneas".
A teoria de que tecnologia não afeta o nível de emprego não vale para os bancários por causa das peculiaridades da economia brasileira após o Plano Real, segundo José Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Em outros setores, a categoria é aplicável porque a disseminação de novas tecnologias no Brasil é incipiente.
"Tecnologia desemprega bancários por causa de um coquetel perverso que junta baixo crescimento econômico e legislação rígida", diz Pastore.
Esses dois ingredientes, somados ao baixo nível educacional da mão-de-obra brasileira, são as principais causas do desemprego, na visão de Pastore.
O mesmo raciocínio do coquetel perverso vale para os trabalhadores agrícolas. Uma máquina de colher cana faz o trabalho de 150 homens, em média. Só na região de Ribeirão Preto (SP), as colhedeiras poderiam cortar 2 milhões de empregos, segundo estimativas de sindicalistas.
Se a economia estivesse em velocidade de cruzeiro, a colhedeira desempregaria no campo, mas surgiriam novas ocupações na cidade. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos neste século. Aqui, a mecanização do campo engrossa as filas de desempregados.
O choque organizacional
Junte essas causas à reestruturação organizacional das empresas (menos níveis hierárquicos, profissionais polivalentes, terceirização, trabalho em tempo parcial) e chega-se a 1,5 milhão de desempregados na Grande São Paulo.
Se fosse possível isolar quem desemprega mais, se as novas tecnologias ou as mudanças estruturais das empresas, Ruy Quadros, professor do departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), apostaria nas mudanças estruturais.
O dilema dos governos hoje é o que fazer com que está perdendo o emprego. Há um abismo entre o trabalhador exigido pelas novas tecnologias de informação (computador, máquinas computadorizadas e novos recursos de telecomunicações) e o funcionário que está sendo desempregado.
"Um soldador que trabalhou 20 anos numa metalúrgica não tem capacidade para operar uma máquina controlada por computador", diz Quadros, professor do departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp (Universidade de Campinas).
O dilema é a transição de um perfil para o outro. Cursinho de requalificação -a principal política do governo para recolocar os desempregados no mercado- não resolve isso, diz Quadros.
O faxineiro que virou subgerente do Bradesco e hoje é caminhoneiro é a prova do desajuste entre o trabalhador existente e o que a tecnologia requer. Santos sabe operar computadores, mas só estudou até o 1º ano do 2º grau.
"Tive que me meter em dívidas para comprar o caminhão porque sabia que não ia conseguir emprego. Bancário de 50 anos, como eu, consegue no máximo emprego de porteiro. Tô fora", diz. Está fora do mercado, endividado, mas tem uma esperança -ganhou uma ação trabalhista de seu ex-empregador e atual executor. (MCC)



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