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1966
Sexo, drogas e rock n´ roll
Título inglês traduz o espírito do período, de liberação sexual, mais direitos civis e relaxamento dos costumes
ESPECIAL PARA A FOLHA
O triunfo da seleção inglesa
na Copa do Mundo de 1966
simboliza outra vitória muito
mais importante: a da revolução que moldou o mundo tal
como hoje o conhecemos.
Não aludo à Revolução Cultural que Mao Tsé-tung lançou
naquele ano. Nem ao fato de,
pouco antes, Leonid Brejnev
ser guindado a líder soviético,
numa nova etapa do intervencionismo comunista. Tampouco me refiro às autoproclamadas "revoluções" dos militares
latino-americanos, que tomavam o poder na Argentina e se
consolidavam no Brasil.
A conquista inglesa pode ser
associada à grande revolução
cultural do século 20, iniciada
no mundo anglo-saxão -sobretudo nos EUA. Sua base foi a geração nascida durante ou logo
após a Segunda Guerra.
Foi ela a responsável pela liberação sexual, pela vitória dos
direitos civis, pelo relaxamento
dos costumes e por minar a autoridade do "pater familia".
Seus ícones são bem conhecidos. Elvis Presley (1935-1977),
que anunciava a grande virada,
é um deles. Outro precursor foi
J.D. Salinger (1919-2010), que,
em "O Apanhador no Campo de
Centeio" (1951), criticava o comodismo e o tédio que marcavam o americano comum.
A época da Copa-1966 teve
outros marcos, como o lançamento de "Satisfaction" (1965),
pelos Rolling Stones, e a publicação de "A Resposta Sexual
Humana", de William Masters
e Virginia Johnson, baseado
em estudo sobre comportamento sexual do americano.
Em 1966, Timothy Leary, ex-
-professor de Harvard, foi preso portando LSD, e Indira Gandhi se tornou premiê da Índia.
Como explicar tal revolução?
Sempre que busco a resposta,
vem à minha mente a seguinte
história, narrada em um livro
de Norbert Elias (1897-1990).
Em novembro de 1944, a título de represália, os nazistas deportaram para um campo de
concentração 452 camponeses
da aldeia holandesa de Putten.
Elias observou que, no novo
ambiente, aquelas pessoas
mantiveram as regras aldeãs,
trabalhando como antes, descansando quando consideravam justo, indignando-se com
as normas do confinamento.
"Estando juntas, não conseguiam comportar-se de um
modo que a opinião pública de
sua aldeia pudesse reprovar. O
controle mútuo automático
dos aldeões não permitiu que
eles adaptassem seus padrões
de conduta às condições de vida
de um campo de concentração", conclui o autor alemão.
Quase ninguém sobreviveu.
Constantemente identifico
nos pais da geração que promoveu a incrível revolução dos
anos 60 o mesmo comportamento dos camponeses de Putten -homens e mulheres presos a ideias que já não tinham
mais sentido. Vitoriosos no
campo de batalha, aqueles pais
acreditavam na eternidade de
seu tradicional modo de vida.
Seus filhos foram mais safos.
Pareciam-se com personagens
de "É Isto um Homem?", de
Primo Levi (1919-1987), sobrevivente de Auschwitz.
Em um trecho do livro, o autor conta que, na gíria dos campos de concentração, dizia-se
"morgen früh" -"amanhã de
manhã" em alemão- para expressar a ideia de "nunca".
Eis a grande metáfora da geração que nos ensinou a encarar cada dia como se fosse o último.°
(MANOLO FLORENTINO)
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