São Paulo, sábado, 2 de maio de 1998

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"A velhice é uma doença sem alta"

da Equipe de Trainees

Os pais aguardavam ansiosos a opinião do médico. A pele pálida do único filho tinha pequenos sangramentos, o baço e o fígado estavam dilatados. Aquela poderia ser mais uma das 92 mil crianças que passaram pela clínica do pediatra Rinaldo Delamare, 88, na época com 73. Mas seria uma das últimas.
O diagnóstico era leucemia, doença praticamente incurável. Olhou para o garoto, que não chegara ainda aos dez anos, e observou seus olhos azuis.
Ele sabia que o casal não poderia ter outros filhos. Pela primeira vez em seus mais de 50 anos de carreira, o médico perdeu o controle e chorou. Não tinha mais coragem de dar aos pais a notícia de que perderiam a criança e indicou um hematologista. Nesse momento, Delamare percebeu que chegara a hora de se aposentar, decisão que havia adiado por três anos.
"Quando você envelhece, começa a se acovardar. E um médico tem de passar segurança. Quando notei que não conseguia, que me emocionava, parei", diz o pediatra, autor de "A Vida do Bebê" (Bloch, 40ª edição), livro que guiou três gerações de mães.
Delamare acha ruim o que chama de decadência física, a perda do vigor e da libido. "A velhice é uma doença que não tem alta. Minha avó dizia que, quando olhava para trás, via um grande cemitério."
Pare ele, hoje, é difícil escrever. "Sempre escrevi meus livros sozinho, agora contratei três assistentes", diz. A catarata o incomoda e ele se diz desatualizado. Mas lembra que o médico Benjamin Spock, autor do livro "Os Cuidados com o Bebê e com a Criança", que morreu aos 94 anos, em março deste ano, tinha 45 assistentes.
Em 1995, Delamare sofreu um infarto. Colocou quatro pontes de safena aos 85 anos.
Casado há 52 anos com Germana, cuja idade ele não revela, tem duas filhas e dois netos.
Para o pediatra, é muito difícil hoje ter muitos filhos. "Com a vida conturbada da cidade grande, a maioria das doenças infantis é de origem psicossomática (psicológica)", diz.
Delamare diz que começou a se cuidar aos 60. "Faço exercícios, como alimentos saudáveis, não fumo nem bebo. Além disso, tenho paz de espírito."
Apesar desses poréns, ele acha que vale a pena viver tanto. Pelo menos no Brasil. "Nosso país é jovem, desde a abertura dos portos se vão apenas 180 anos. É um país cheio de problemas, mas tem futuro." Sobre o seu próprio futuro, o médico diz que não faz mais planos.



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