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"A velhice é uma
doença sem alta"
da Equipe de Trainees
Os pais aguardavam ansiosos a
opinião do médico. A pele pálida
do único filho tinha pequenos
sangramentos, o baço e o fígado
estavam dilatados. Aquela poderia ser mais uma das 92 mil
crianças que passaram pela clínica do pediatra Rinaldo Delamare, 88, na época com 73. Mas seria uma das últimas.
O diagnóstico era leucemia,
doença praticamente incurável.
Olhou para o garoto, que não
chegara ainda aos dez anos, e observou seus olhos azuis.
Ele sabia que o casal não poderia ter outros filhos. Pela primeira vez em seus mais de 50 anos de
carreira, o médico perdeu o controle e chorou. Não tinha mais
coragem de dar aos pais a notícia
de que perderiam a criança e indicou um hematologista. Nesse
momento, Delamare percebeu
que chegara a hora de se aposentar, decisão que havia adiado por
três anos.
"Quando você envelhece, começa a se acovardar. E um médico tem de passar segurança.
Quando notei que não conseguia, que me emocionava, parei", diz o pediatra, autor de
"A Vida do Bebê" (Bloch, 40ª
edição), livro que guiou três gerações de mães.
Delamare acha ruim o que chama de decadência física, a perda
do vigor e da libido. "A velhice é
uma doença que não tem alta.
Minha avó dizia que, quando
olhava para trás, via um grande
cemitério."
Pare ele, hoje, é difícil escrever.
"Sempre escrevi meus livros sozinho, agora contratei três assistentes", diz. A catarata o incomoda e ele se diz desatualizado.
Mas lembra que o médico Benjamin Spock, autor do livro "Os
Cuidados com o Bebê e com a
Criança", que morreu aos 94
anos, em março deste ano, tinha
45 assistentes.
Em 1995, Delamare sofreu um
infarto. Colocou quatro pontes
de safena aos 85 anos.
Casado há 52 anos com Germana, cuja idade ele não revela,
tem duas filhas e dois netos.
Para o pediatra, é muito difícil
hoje ter muitos filhos. "Com a
vida conturbada da cidade grande, a maioria das doenças infantis é de origem psicossomática
(psicológica)", diz.
Delamare diz que começou a se
cuidar aos 60. "Faço exercícios,
como alimentos saudáveis, não
fumo nem bebo. Além disso, tenho paz de espírito."
Apesar desses poréns, ele acha
que vale a pena viver tanto. Pelo
menos no Brasil. "Nosso país é
jovem, desde a abertura dos portos se vão apenas 180 anos. É um
país cheio de problemas, mas
tem futuro." Sobre o seu próprio futuro, o médico diz que
não faz mais planos.
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