São Paulo, quinta, 2 de outubro de 1997.



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Museu foi um dos investimentos do século


Com mais de 5.000 obras, acervo do Masp, adquirido por cerca de US$ 6 milhões à época, tem valor estimado em US$ 1,2 bilhão pela Sotheby's e é uma das maiores valorizações de ativo do século


JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

Se fizesse algum sentido pensar no acervo do Masp como investimento financeiro, o mínimo que se poderia afirmar é que foi uma das maiores valorizações de ativo deste século.
O grosso do acervo, comprado entre 1947 e 1952, custou em dinheiro da época o equivalente a US$ 6 milhões. Em dinheiro de hoje (correção pela inflação norte-americana, que determina o valor do dólar), teriam sido US$ 43 milhões.
Os herdeiros de Assis Chateaubriand, os Diários Associados ou o próprio Masp não dispõem de documentos com a especificação detalhada sobre quanto foi pago por cada tela, desenho ou escultura.
Não há cálculo preciso sobre o valor das 5.566 obras expostas ou na reserva técnica do prédio da avenida Paulista. Mas a casa de leilões Sotheby's estima hoje o valor do acervo do Masp em US$ 1,2 bilhão.
O museu possui cinco Van Gogh. Há sete anos, foi leiloado do mesmo artista o "Retrato do Doutor Gachet", que alcançou US$ 83 milhões.
Três anos antes, outro Van Gogh, "Os Girassóis", havia sido arrematado em leilão por US$ 58 milhões.
É fácil concluir que todo o Masp custou a metade -ou um pouco mais que isso- do preço atual de uma tela do impressionista holandês. Pode-se concluir também que, dificilmente, com o mercado de obras de arte tão aquecido, um museu semelhante seria hoje constituído pelo sistema de aquisição.
A Folha tentou apurar junto ao mercado de seguros se existiria uma apólice que cobrisse todo o acervo do Masp. Seria uma maneira de estimar, em dinheiro, o valor atual de suas obras.
As grandes seguradoras nacionais desconhecem esse cliente. Júlio Neves, presidente do museu, afirma que o seguro nunca foi feito, a exemplo de outros grandes museus internacionais que armazenam fortunas em suas galerias.
Luiz Hossaka, curador-chefe, diz que museus que emprestam obras do Masp são obrigados a fazer seguro. Afirma também haver instrução das seguradoras para não se revelarem valores publicamente por motivos de segurança.
Em suma, se ninguém sabe ao certo quanto o Masp custou, ninguém tampouco sabe o quanto ele vale hoje.
A cifra de US$ 6 milhões, que teria sido despendida na constituição do acervo inicial, foi mencionada por Ettore Camesasca, em prefácio a uma exposição feita na Suíça em 1988 com quadros do Masp.
Camesasca, um italiano já morto, historiador da arte, é o autor da ficha técnica com o histórico dos principais quadros do Masp. Gilberto Chateaubriand, filho de Chatô, diz acreditar que a cifra de Camesasca está próxima da realidade.
Essas lacunas de informação têm algo a ver com as relações sempre confusas entre Assis Chateaubriand e o dinheiro.
"Não havia nenhuma contabilidade ortodoxa da época em que se comprou o acervo", afirma o publicitário Mauro Sales, que foi nos anos 70 vice-presidente dos Diários Associados.
Não está tampouco documentado o vínculo entre o orçamento dos Diários como empresa e o dinheiro necessário para comprar quadros. Em seu livro "Chatô, o Rei do Brasil", Fernando Morais traz depoimento de Edmundo Monteiro -que comandava os Associados em São Paulo-, para quem a aquisição de obras de arte foi fator determinante para o desequilíbrio das finanças da empresa.
"Não foi bem assim", dizem Mauro Sales e Gilberto Chateaubriand. "Era uma operação sem anestesia", diz Gilberto, referindo-se à pressão que o pai fazia para que empresários custeassem aquisições, sem poder abater a despesa do Imposto de Renda. Inexistia, na época, lei de incentivo fiscal à cultura.
A biografia de Morais acrescenta outro caso: o de Alberto Alves Filho, então o principal acionista do Mappin, "convidado" a desembolsar em 1950 US$ 55 mil por 73 esculturas de bailarinas de Degas, das quais hoje o Masp possui a coleção mais completa do mundo.
O galerista Leary Knoedler, de Londres, cobrou US$ 45 mil pelas estatuetas. Ninguém sabe como sumiu a diferença de US$ 10 mil (US$ 72 mil hoje).
O mínimo que se pode dizer é que tudo corria entre o próprio Chatô e os doadores a quem pressionava com seu peso de grande magnata da mídia no pós-Guerra. "O museu só recebia os quadros. Não entrava em nenhum detalhe", diz Hossaka.
Nada consta nos registros de alfândega. Boa parte dos quadros chegava na bagagem pessoal de um portador, que desembarcava sem problemas com a fiscalização. Um despachante de Chateaubriand dava cobertura ao desembarque.
O curador-chefe fornece outra precisão sobre os hábitos então reinantes. Só em 1962 é que o Masp efetuou um inventário minucioso para efeitos de tombamento junto ao Patrimônio Histórico Nacional.
Mais uma vez, não há pistas oficiais ou oficiosas sobre a soma gasta para a compra do acervo. O que se sabe é que o mercado de obras de arte, no imediato pós-Guerra, era muito vantajoso para o comprador.
O colecionador Gilberto Chateaubriand afirma que seu pai não pretendia construir um museu por conta própria. Sua primeira idéia foi a de convencer o governo federal a fazê-lo.
Para Chatô, um fator preponderante empurraria a iniciativa até o fim: o Brasil possuía boas reservas cambiais. A moeda nacional, o cruzeiro, estava bem cotada, e as importações -no caso, a de bens culturais- seriam relativamente baratas.
"Mas o presidente (Dutra), decidiu gastar o dinheiro com geladeiras e automóveis", diz o filho do fundador do Masp.
A segunda vantagem para a formação do museu estava nos preços reduzidos de objetos de arte. Para fazer dinheiro -e salvar suas empresas ou financiar sua expansão- famílias tradicionais européias se desfaziam de suas pinacotecas.
Sem a retaguarda do governo, Chatô se lançou na aventura por conta própria. Foi em 1946 que conheceu Pietro Maria Bardi e o nomeou diretor do museu que se instalaria no ano seguinte.
A idéia de Chatô, diz Bardi, era a de estocar assinaturas desvalorizadas para, numa etapa seguinte, trocar alguns quadros por outros que fechassem períodos e escolas sobre os quais o museu apresentasse lacunas.
Bardi e Chateaubriand não chegaram a concretizar o projeto de permutar quadros de excelente preço por outros de autores em baixa.



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