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JOÃO PAULO 2º
BIOGRAFIA
Jovem Karol Wojtyla queria ser poeta
Atleta e ator na juventude, católico clandestino no comunismo e doutor em filosofia, Karol Wojtyla foi o primeiro papa eslavo na história da igreja
GERARDO MELLO MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em cerca de 2.000
anos e depois de 263
ocupantes da cadeira de São Pedro, Karol Wojtyla, um polonês, foi o primeiro
papa eslavo na história da igreja.
Sua eleição quebrou também
uma tradição de quase meio milênio: foi o primeiro papa não-italiano desde Adriano 6º, um holandês, que reinou de 1522 a 1523.
Oriundo de família da pequena
classe média -seu pai era oficial
reformado do exército- perdeu
cedo a mãe. Cursou o primário
em Wadowice, onde nascera, a 18
de maio de 1920, e lá fez o curso ginasial, destacando-se nos estudos
e nos esportes.
Era um jovem e belo atleta, com
seus brilhantes olhos cinza-azul e
seu ar de galã, com um sorriso puro e permanente. Queria ser poeta
e dramaturgo. A guerra o surpreendeu no primeiro ano de universidade, quando mal começara
o curso de língua polonesa e literatura. As tropas de ocupação alemã fecharam a universidade.
Tinha 20 anos quando o pai
morreu em 1941. Decidiu tornar-se padre. Entrou para o seminário. Terminada a guerra, libertada
da ocupação alemã, a Polônia conheceu outro tipo de ditadura: o
regime comunista, que implantou
no país a perseguição religiosa.
Mesmo assim, o seminarista
Wojtyla continuou a estudar na
clandestinidade.
Graduado com distinção em
teologia, foi ordenado padre pelo
cardeal Adam Sapieha, em Cracóvia. Transferido para o famoso
Angelicum, a Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, em
Roma, doutorou-se em filosofia,
com uma tese sobre o conceito de
fé em São João da Cruz. Voltou à
Polônia e à sua Universidade de
Jagiellonian para cursar teologia.
Ocupou-se, então, do pensamento dos existencialistas alemães, voltando-se para a obra
também de Gabriel Marcel. Mergulhou nas obras de Kierkegaard,
de Martin Heidegger, dos russos
Chestov e Soloviev, detendo-se na
aventura filosófica de Max Scheler, sobre a qual escreveu sua famosa tese de doutorado.
Presença política
Em 1958, é nomeado por Pio 12
titular de Ombi e auxiliar da Arquidiocese de Cracóvia. Recebeu
a notícia de sua ascensão ao bispado quando se encontrava numa competição de remo, com um
grupo de estudantes, num fim de
semana. Em 1964, Paulo 6º o nomeia arcebispo de Cracóvia, no
auge da perseguição comunista
aos católicos na Polônia. Tornou-se, então, uma presença política
atuante no país.
Em junho de 1967, Paulo 6º o
nomeia cardeal. Já tinha, a esta altura, publicado um trabalho de
repercussão em toda a Europa,
"Amor e Responsabilidade"
-um tratado sobre sexualidade.
Chegou ao Concílio Vaticano 2º
(1962-1965) com alta reputação
teológica e cultural, respeitado como mestre de ética nos círculos
universitários. Foi eleito membro
da Comissão Preparatória do
concílio, exerceu uma influência
especial na contribuição ao debate sobre liberdade religiosa.
Oitava tentativa
Nunca se sabem exatamente as
manobras e as peripécias que resultam na eleição de um papa. No
conclave de outubro de 1978, que
elegeu Karol Wojtyla, por exemplo, falharam as tentativas de consenso em torno de um nome italiano. Nos diversos escrutínios,
nenhum deles teria alcançado o
quórum majoritário necessário.
Teria sido apenas na oitava tentativa que se chegou à escolha definitiva do relativamente jovem
cardeal polonês. A eleição teria sido por maioria avassaladora: 103
dos 109 cardeais votaram nele.
Em homenagem a seu antecessor, adotou o nome de João Paulo
2º. Como João Paulo 1º, dispensou a pomposa e milenar cerimônia de coroação, e tomou posse
no meio do povo, na praça São
Pedro, adotando apenas o título
de "pastor universal da igreja".
Era o dia 21 de outubro de 1978.
A 13 de maio de 1981, foi gravemente ferido a bala por um jovem
pistoleiro turco, Mehmet Ali Agca. Hospitalizado, teve uma longa
convalescença que durou cerca de
cinco meses.
Mais tarde teria um encontro
dramático e sigiloso com o jovem
que pretendera assassiná-lo, dando-lhe seu perdão e sua bênção.
Até hoje não estão plenamente esclarecidos os nomes dos mandantes do atentado, parecendo certo
que houve uma conexão do Partido Comunista da Bulgária, cumprindo ordens da KGB soviética.
Outras fontes católicas levantam também a acusação de que a
CIA, interessada na eliminação
do papa, teria articulado a agressão do terrorista turco, acumpliciada com a própria KGB.
Ainda convalescente do atentado, dirigiu à cristandade a encíclica "Laborem Exercens". Nesse
documento, denuncia a falsidade
do projeto do marxismo para a
sociedade e para os trabalhadores
e profetiza o próximo fim dos regimes fundados na precária superstição científica da ideologia
de Marx. Ao mesmo tempo, condena a falsidade da chamada ordem capitalista, cujo fim também
preconiza, anunciando a necessidade de uma nova ordem, fundada sobre os direitos dos trabalhadores, sobre a dignidade do trabalho e o primado do ser humano.
Novo milênio
Em 1988, João Paulo 2º lançou a
encíclica "Sollcitudo Rei Socialis"
(Preocupação com a Realidade
Social), propondo uma nova ordem social, enfatizando problemas de distribuição de renda e
políticas financeiras.
João Paulo 2º foi o papa que preparou a igreja para levá-la una,
santa, católica, apostólica e romana ao vestíbulo de um novo milênio. O novo milênio era, parece,
uma de suas obsessões. Não tanto
como um marco, mas como um
emblema da igreja.
João Paulo 2º foi, em toda a história da Igreja, papa peregrino
por excelência. Nenhum outro
viajou mais do que ele. Apenas a
Rússia e a China lhe fecharam as
portas, apesar de todas as gestões
diplomáticas do Vaticano.
Nos últimos anos de seu pontificado, a imprensa leiga de todo o
mundo deu curso a frequentes rumores e especulações sobre uma
possível renúncia de João Paulo.
O motivo sempre alegado seria o
agravamento de sua frágil saúde,
gravemente comprometida desde
o atentado de 1981.
Coube a João Paulo 2º o sofrimento de administrar duas vicissitudes trágicas em seu reinado.
Uma foi a profanação do mais sagrado santuário das religiões cristãs, com o cerco da basílica da Natividade, memorial do lugar em
que nasceu Jesus, sitiada e profanada por ameaças de destruição
pelos soldados de Israel.
A outra, o escândalo da pedofilia que envolveu dezenas ou centenas de padres nos Estados Unidos, foi o mais rumoroso escândalo da história do clero católico.
João Paulo 2º herdara as liberalidades e as soluções permissivas
introduzidas nos pontificados de
João 23 e Paulo 6º. Embora rigorosamente ortodoxas, essas permissividades, como a laicização
dos padres que obtiveram licença
para casar, trouxeram mais inquietação do que paz à vida do
clero e dos fiéis. João Paulo negou
sistematicamente todas as licenças de padres para casar.
Mesmo quando estourou o escândalo da pedofilia nos EUA,
aberração que sexólogos leigos
atribuem aos rigores da castidade,
permaneceu intransigente. "Não
há nenhuma relação entre pedofilia e celibato" -declarou. Exigiu
dos bispos americanos a punição
dos culpados e sua exclusão do sacerdócio e da Igreja.
A tolerância zero com os declives da sociedade hedonista de
nossos dias, que vão dos direitos
do nascituro -desde a possibilidade da concepção ao respeito
dos sacramentos e dos mandamentos da Igreja-, pode parecer
às vezes adorno fora de moda à
sua doce imagem de pastor da
paz, do amor, da esperança e da liberdade de todas as religiões.
Mas, na verdade, ilumina para
sempre o perfil de santo e de profeta daquele ancião vestido de
branco, que milhões de homens,
mulheres e crianças aclamaram,
nas praças de todo o mundo, chamando-o de "João de Deus".
Gerardo Mello Mourão, poeta e escritor, foi correspondente da Folha em Pequim (China) de 1980 a 82
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