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REFUGIADOS
Guerras produzem deserdados
CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local
Em julho de 1994, cerca de 1 milhão de pessoas cruzou a fronteira
de Ruanda em direção ao Zaire para fugir da guerra civil entre as etnias hutu e tutsi que devastava o
país. Deixaram para trás casa,
bens, escola, trabalho, parentes e
amigos. Algumas levavam apenas
documentos. A maioria, nem isso.
Tragédias semelhantes a essa são
protagonizadas hoje por cerca de
18 milhões de pessoas em todo o
mundo. São fugitivos da perseguição ou da violência de natureza étnica, política ou religiosa.
Dos 18 milhões, quase 12 milhões
buscaram abrigo em outros países
e são classificados como "refugiados" pela ONU (Organização das
Nações Unidas). Os 6 milhões restantes deixaram suas casas, mas
fugiram para outras regiões de
seus próprios países. Para a ONU,
eles são "deslocados internos".
O drama dessas pessoas representa um dos maiores desafios para as entidades de defesa dos direitos humanos. O número de refugiados e de "deslocados internos"
mais que dobrou nos últimos 18
anos: eram 8,2 milhões em 1980 e
chegaram a 18 milhões em 1998. E
não entram nessa conta os que fogem da fome ou da pobreza.
Muitas vezes, os refugiados acabam encontrando nos locais em
que se abrigam condições tão humilhantes quanto as que enfrentavam em seus países. Não contam
com a proteção de um Estado, estão fora de sua comunidade e sujeitos à discriminação e a diferentes formas de abuso e violência.
O caráter maciço desses deslocamentos dificulta a solução do problema. Não é possível encontrar
asilo definitivo para milhões de
pessoas. O único caminho é resolver o conflito que os expulsou e
permitir que eles voltem para casa.
Só que isso pode demorar anos
-ou nunca vir a acontecer.
À espera de um desfecho positivo
para seu drama, a maioria dessas
pessoas vive de forma precária nos
países que as abrigam. Há centenas
de campos de refugiados, especialmente na África e na Ásia.
Muitos afegãos vivem como refugiados há mais de uma década.
Cerca de 4 milhões voltaram ao
Afeganistão nos últimos oito anos.
Ainda assim, os afegãos continuam a ser o maior grupo de refugiados do mundo. São 2,6 milhões
de pessoas que fugiram de seu país
em razão da guerra civil iniciada
em 1978 e se instalaram principalmente no Irã e no Paquistão.
CONFLITOS INTERNOS. O aumento do número de refugiados se
acentuou nos últimos dez anos em
razão do fim da Guerra Fria e da
desintegração da União Soviética,
que contribuíram para o surgimento de guerras civis motivadas
por disputas nacionalistas.
O conflito na Bósnia gerou milhares de mortes e o terceiro maior
número de refugiados do mundo:
620 mil pessoas.
Kris Janowski, porta-voz do Alto
Comissariado da ONU para Refugiados, diz que o caráter dos conflitos que estão na origem da fuga
de refugiados mudou nas últimas
duas décadas. "Nos anos 50, 60 e
70, eles fugiam de ditaduras." A
partir dos anos 80, a maioria dos
refugiados passou a fugir de conflitos internos em seus países, diz.
Cerca de 500 mil pessoas abandonaram países da América Latina
sob regimes militares nos anos 60 e
70, avalia Guilherme Cunha, representante nessa região do Alto
Comissariado para Refugiados.
Hoje o movimento inverteu- se, e
alguns países do Sul da América
Latina dão abrigo a refugiados. No
Brasil, por exemplo, há 2.200, vindos principalmente da África.
A vulnerabilidade dos refugiados
é ainda maior quando se considera
a sua composição. A ONU calcula
que 75% deles são crianças, mulheres e idosos. Cunha afirma que
são "cotidianos" os casos de violência física e sexual contra mulheres nos campos de refugiados.
Apesar de seus esforços, a ONU
não encontra soluções definitivas
para o drama dos refugiados. Sua
ação se concentra na ajuda humanitária e na fiscalização, com o objetivo de evitar abusos e violência.
Uma minoria dos refugiados é
beneficiada pelo "reassentamento" -espécie de asilo definitivo
negociado pela ONU com vários
países. É uma solução para casos
isolados, adotada geralmente em
relação a pessoas mais expostas ao
risco de vida. No ano passado, a
ONU conseguiu "reassentar" 25
mil pessoas, o equivalente a 0,21%
dos 12 milhões de refugiados.
Cunha afirma que a solução do
"reassentamento" está cada vez
mais difícil. "Há uma tendência de
fechamento das fronteiras, principalmente na Europa Ocidental e
em outros países desenvolvidos."
E não há sanção -a não ser moral- para o país que se recusa a receber refugiados, mesmo que ele
seja signatário da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados,
aprovada em 1951. Essa convenção
e um protocolo de 1967 são os
principais documentos internacionais sobre o tema. Seus textos
definem o que é um refugiado e estabelecem as obrigações dos Estados em relação a eles.
A solução definitiva só virá com
o fim dos conflitos que provocam a
fuga dos refugiados. E as perspectivas para o século 21 não são animadoras. Tanto Cunha quanto Janowski criticam a falta de empenho da comunidade internacional
na resolução das inúmeras guerras
internas existentes hoje.
Quando foi criado, em 1951, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados tinha a missão específica
de repatriar ou "reassentar" 1,2
milhão de refugiados da Segunda
Guerra Mundial. Hoje, a entidade
se vê às voltas com um número dez
vezes maior de refugiados, sem
que um novo conflito mundial tenha ocorrido nos últimos 47 anos.
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