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Gênio profetizou guerra preventiva americana
John Stachel
Especial para a Folha
Na sua edição do verão de
1947, a revista "American
Scholar" publicou um artigo de
Albert Einstein intitulado "A
Mentalidade Militar", uma resposta a um artigo de Louis Redenour na edição anterior da mesma revista sob o título de "Apoio
Militar à Ciência Americana
-Um Perigo?" -essencialmente
negando que tal perigo existisse.
Em sua resposta, Einstein logo
vai além da questão levantada por
Ridenour até aquilo que ele vê como o tema-raiz de todas essas
questões: a mentalidade militar.
"É característico da mentalidade militar que fatores não-humanos (bombas atômicas, bases estratégicas, armas de todo tipo,
posse de matérias-primas etc.) sejam considerados essenciais, enquanto o ser humano, seus desejos e pensamentos -em resumo,
os fatores psicológicos- sejam
considerados desimportantes e
secundários... O indivíduo é degradado a um mero instrumento;
ele se torna "material humano". Os
fins normais da aspiração humana se esvaem sob esse ponto de
vista. Em vez disso, a mentalidade
militar eleva o "poder nu" como
um fim em si mesmo -uma das
mais estranhas ilusões às quais o
homem pode sucumbir."
Ele aponta que "os alemães, enganados pelos sucessos de Bismarck, passaram por uma dessas
transformações na sua mentalidade -em conseqüência, ficaram totalmente arruinados em
menos de cem anos".
Einstein sabia do que estava falando. Ele havia testemunhado o
apogeu do militarismo alemão
durante a 1ª Guerra Mundial
(1914-1918) de Berlim, o coração
do Reich alemão; no mesmo local,
vivenciou os primeiros estágios
da ruína alemã: a derrota militar e
a revolução abortada de 1918-1919
e a subseqüente ascensão, o declínio e a queda da República de
Weimar (1919-1932). Depois da
tomada do poder pelos nazistas,
em 1933, ele cortou todos os laços
com a Alemanha e, de Princeton,
nos Estados Unidos, assistiu à ascensão e à queda do Terceiro
Reich (1933-1945), culminando
primeiro na ruína espiritual do
povo alemão sob o fascismo, depois na sua ruína física durante os
últimos dias da 2ª Guerra Mundial. Ele agora temia que sua nova
pátria estivesse caminhando para
esse mesmo rumo:
"Eu francamente devo confessar que a política externa dos Estados Unidos desde o fim das hostilidades [em 1945] tem me lembrado, algumas vezes de forma irresistível, a política da Alemanha
sob o kaiser Guilherme 2º, e sei
que, independentemente de mim,
essa analogia ocorreu dolorosamente a outros também." Com
uma presciência notável, ele vislumbrou aonde essa tendência estava levando os Estados Unidos:
"Hoje, a existência da mentalidade militar é mais perigosa do
que nunca, porque as armas ofensivas se tornaram muito mais perigosas que as defensivas. Esse fato inevitavelmente produzirá o tipo de pensamento que leva a
guerras preventivas. A insegurança geral que resulta desses avanços resulta no sacrifício dos direitos civis do cidadão em nome do
suposto bem-estar nacional. A caça às bruxas política e os controles
governamentais de todos os tipos
(como o controle do ensino e da
pesquisa, da imprensa e assim por
diante) parecem inevitáveis, e
conseqüentemente não encontram aquela resistência popular
que, não fosse a mentalidade militar, poderia servir para proteger a
população. Uma reavaliação de
todos os valores tradicionais gradualmente acontece e qualquer
coisa que não sirva claramente ao
objetivo utópico do militarismo é
considerada inferior."
Ao extrapolar as tendências que
ele viu nos Estados Unidos na década de 1940 à luz de sua experiência com o militarismo alemão, Einstein conseguiu prever
com uma precisão incrível a situação que enfrentamos hoje. Quem,
ao ler suas palavras, consegue evitar pensar na etérea "guerra ao
terror", e nas guerras bem reais
no Afeganistão e no Iraque, com
sua crescente lista de crimes de
guerra americanos; dos nada patrióticos "Patriot Acts"; da administração cuidadosa da informação, a disseminação insistente da
desinformação por agências do
governo? Não quero dizer que essas tendências continuarão a prevalecer inevitavelmente. Mas enquanto a resistência popular a elas
nos Estados Unidos permanecer
fraca e desorganizada, essas tendências seguirão.
Na Alemanha, essas mesmas
tendências irrefreadas levaram à
guerra, à brutalidade e ao fascismo. Nos Estados Unidos, elas já
levaram a guerras apresentadas
como "preventivas", ao confinamento por tempo indefinido e à
tortura de homens e mulheres
proclamados prisioneiros de
guerra, quer tenham sido culpados por algum crime ou não. Levarão também ao fascismo?
Os norte-americanos são herdeiros de um legado ambíguo. Assim como uma história de guerras
e conquista e extermínio dos povos indígenas e da escravização de
inúmeras pessoas de cor, os Estados Unidos têm uma história preciosa de luta pelos seus direitos
democráticos.
Na batalha que vem aí, nós precisamos de toda a ajuda que pudermos ter dos nossos heróis do
passado. Pelos seus escritos e pela
força de seu exemplo moral, Einstein está do nosso lado nessa luta.
John Stachel é físico da Universidade
de Boston, EUA, e autor de "O Ano Miraculoso de Einstein" (UFRJ Editora)
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