São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Desafios

A primeira comprovação convincente da relatividade geral veio com a observação de um eclipse solar, feita no Brasil e na África, em 1919; desde então, nenhum experimento ou observação foi capaz de refutar a teoria

As maiores evidências da teoria que desbanca Newton e o senso comum

Salvador Nogueira
Da reportagem local

Uma teoria que desafia o senso comum de todas as maneiras possíveis exige, claro, comprovações. Einstein só se deu por contente com a relatividade geral quando ela ofereceu uma explicação para algo que a gravitação de Isaac Newton não conseguia esclarecer. De fato, construir uma teoria que se conforme aos fatos já estabelecidos e inexplicados é bem mais fácil do que sair por aí prevendo novos fenômenos. Mas o gênio alemão fez as duas coisas.
A idéia de que uma teoria completa da relatividade teria de incluir a gravitação já estava em sua mente desde o princípio. Ela teria de explicar tudo o que Newton já explicava e ir além. Por isso, Einstein brincou com a matemática até que a teoria explicasse um fenômeno gravitacional estranho, que a física newtoniana não conseguia esclarecer -a precessão do periélio do planeta Mercúrio, ou seja, o ritmo com que o ponto em que ele faz sua aproximação máxima do Sol em sua órbita avança após múltiplas órbitas.
Houve até quem cogitasse a existência de um planeta desconhecido, que influísse gravitacionalmente na órbita de Mercúrio. Mas, em 1915, Einstein tinha uma versão da relatividade que explicava isso, dispensando o planeta-fantasma. Para o físico alemão, era prova suficiente de que sua teoria estava correta. Claro, como a missão era derrubar um gigante como Isaac Newton, seus colegas pediram mais. Queriam algo que fosse previsto pela relatividade, mas não tivesse sido observado antes -impedindo Einstein de "adaptar" a matemática da teoria com base na observação.
A oportunidade viria com um eclipse solar. Segundo Newton, raios de luz, que não têm massa, não teriam sua trajetória afetada pela gravidade. Para Einstein, um raio de luz passando de raspão por um corpo maciço seria levemente desviado no meio do caminho. Ao observar um eclipse solar, quando a Lua se interpõe entre o Sol e a Terra e o céu fica escuro, os cientistas poderiam ver as estrelas. Comparando a imagem à de uma noite estrelada, poderiam verificar se, ao passar de raspão pelo Sol, a luz das estrelas ao fundo teria sido desviada por ele, no ângulo previsto pela teoria.
Em 29 de maio de 1919, surgiu a oportunidade ideal. Duas equipes chefiadas pelo respeitado astrônomo britânico Arthur Eddington -desde aquela época um entusiasta da relatividade- foram à ilha de Príncipe, na África, e a Sobral, no Ceará, para fazer chapas fotográficas durante o eclipse.
Os resultados, apresentados pelo próprio Eddington, confirmaram a teoria de Einstein e elevaram o físico alemão, da noite para o dia, ao status de gênio e mito -o homem que derrubou Newton de seu pedestal intocável, após mais de três séculos.
Ao visitar o Brasil, em 1925, Einstein reconheceu o papel do país na confirmação de sua principal teoria. "O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil", disse a um jornalista.
Os detratores da relatividade apontam até hoje, com uma certa razão, que Eddington "escolheu", de forma parcial, atribuindo-lhes "melhor qualidade", apenas os dados que confirmavam a teoria de Einstein. Mas hoje, depois de inúmeras comprovações, já não há mais dúvida de que o físico alemão estava mesmo correto.
Experimentos com relógios atômicos de altíssima precisão a bordo de aviões, por exemplo, já demonstraram que o tempo passa mais devagar mais perto do centro da Terra. Graças à teoria de Einstein, hoje podemos desenvolver sistemas de GPS (Satélites de Posicionamento Global), cujos relógios em órbita se mantenham em sincronia com os em terra.
O fenômeno do desvio dos raios de luz, usado no eclipse, também foi confirmado com exatidão em outros fenômenos mais bizarros -as lentes gravitacionais. É como se um corpo muito maciço agisse como uma lente sobre a luz que vem de um outro objeto, ainda mais distante, atrás dele, amplificando-o. Esse fenômeno ajuda no estudo de galáxias muito distantes e até mesmo na detecção de planetas fora do Sistema Solar.
A teoria da relatividade geral também previu objetos bizarros, como os buracos negros -astros tão densos que nem a luz consegue escapar de sua atração gravitacional. Os cientistas até hoje estão atrás de imagens da borda de um buraco negro. Ninguém conseguiu, mas há razão de sobra para dizer que a teoria acertou, mais uma vez. Astrônomos já observaram, por exemplo, estrelas girando rapidamente em torno de pontos aparentemente vazios, denunciando a presença desses vorazes engolidores de matéria e energia.
Finalmente, Einstein também previu a existência de ondas gravitacionais -marolas no tecido do espaço e do tempo causadas pelo movimento acelerado de corpos maciços. Ninguém nunca as viu diretamente, mas os físicos têm esperança de, no futuro, detectar até mesmo o eco gravitacional do Big Bang, explosão que teria dado origem ao cosmo. Como se vê, a boa e velha relatividade ainda dá muito pano para manga.


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