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A última defesa do fóton antes da devastação de Heisenberg
Da reportagem local
A viagem de Einstein ao Brasil,
em meio a tantas peregrinações
do físico ao redor do mundo, acabou se tornando uma nota de rodapé nas biografias do cientista. E
poderia bem ser justo, não fosse a
comunicação que ele fez à Academia Brasileira de Ciências em
1925. Nela, Einstein falou de um
tema que cuidadosamente evitava
na Europa: os "quanta de luz".
Embora tenha devastado a física
newtoniana no que diz respeito à
gravitação, Einstein era partidário
de uma outra idéia de Isaac Newton, ora em desuso: a de que a luz
poderia ser imaginada como uma
partícula, em vez de uma onda.
Unindo isso ao conceito de quantum criado por Max Planck em
1900, o físico alemão conseguiu
explicar o efeito fotoelétrico, que
lhe garantiu o Prêmio Nobel.
Mas a idéia de que a luz era feita
de partículas, em vez de ondas,
contradizia outras teorias consagradas da física, como as equações do eletromagnetismo, concebidas pelo escocês James Clerk
Maxwell. Ademais, os corpúsculos de luz não conseguiam explicar os experimentos de interferência (que faziam com que raios
de luz "interferissem" uns com os
outros, criando padrões compatíveis com ondas, não partículas).
Na época, Einstein apostava nas
partículas, mas estava em minoria. Outros monstros sagrados da
ciência da época, entre eles o dinamarquês Niels Bohr, apostavam nas ondas. Bohr chegou até a
propor uma teoria alternativa à de
Einstein, a fim de conciliar todos
os resultados até então obtidos e
manter a radiação luminosa como uma onda. Mas os últimos experimentos pareciam dar vantagem à idéia einsteiniana de que a
luz era composta de fótons.
Foi o que ele contou à Academia
Brasileira de Ciências naquela
época. Na Europa, não teria tido a
coragem necessária. Ele escreveu
muito pouco sobre o assunto. No
Brasil, resolveu soltar a franga.
Por quê? "Tenho somente um
palpite", diz Ricardo Campos, físico brasileiro na Universidade da
Cidade de Nova York.
"O problema do fóton nunca estava longe de sua mente. Em suas
grandes viagens, Einstein se concentrou nas teorias relativísticas
-ponto natural, pois o célebre
eclipse de 1919 era a novidade do
dia. Mas talvez ele tenha esgotado
o fôlego por apresentar o mesmo
discurso 20 vezes seguidas."
Era um confronto de gigantes:
Einstein versus Bohr. "A corte de
Berlim estava assanhada com o
potencial choque dos titãs", diz
Campos. "Também acho que
Einstein pressentiu o fim de suas
grandes viagens. Se não surgisse
novamente a oportunidade de
promover o fóton, talvez aqui ele
tivesse a última ocasião. Hoje sabemos que seu instinto estava
correto", complementa.
Ao fazer sua comunicação à
ABC, o físico alemão ao que parece tinha conhecimento dos resultados de experimentos ainda não
publicados na época, feitos em
Berlim por Walter Bothe e Hans
Geiger. Eles refutavam a teoria de
Bohr e corroboravam sua própria
interpretação dos fótons.
Ironicamente, a comunicação
de Einstein no Brasil, que foi recentemente traduzida para o inglês por Campos, tem um valor
histórico por ser a última vez em
que o alemão pôde defender com
plena convicção suas próprias
idéias sobre o fóton.
Duas semanas depois de Einstein retornar da América, em 15
de julho, Werner Heisenberg descobriu os princípios da mecânica
quântica. Eles consagrariam o
conceito dos quanta de luz -os
fótons-, mas em compensação
entrariam em flagrante conflito
com a teoria da relatividade geral,
ao introduzir a probabilidade ao
mundo dos átomos com seu princípio da incerteza. Graças a Heisenberg, as duas maiores inovações de Einstein agora estavam
em lados opostos. O alemão preferiu ficar do lado da sua teoria da
gravitação ("Deus não joga dados") e terminou seus dias vendo
o fóton como um grande enigma.
Numa carta a Besso, datada de
1951, Einstein escreveu: "Os 50
anos de meditação consciente não
me deixaram mais próximo da
resposta à questão: o que são os
quanta de luz? Naturalmente, hoje qualquer espertalhão pensa que
sabe a resposta, mas está enganando a si mesmo".
(SN)
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