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Todos os santos
Nossa Senhora Aparecida é a preferida
QUASE 50% DA POPULAÇÃO TEM DEVOÇÃO POR SANTOS; INDÚSTRIA NACIONAL PERDE MERCADO
DIANTE DE PRODUTOS FABRICADOS NA CHINA
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Embaixo da imagem de são
Francisco, em letras miudinhas, dá para ler: "Made in China". O santo comprado pela administradora Lucy Ferraz em
Aparecida (SP) não foi feito por
nenhuma das 52 fábricas de
imagens religiosas que movem
parte da economia da cidade
nem em outro ateliê brasileiro.
Fabricada pelos chineses,
que costumam viver sem religião (apenas 30% da população
lá tem alguma crença), a maioria dos santos vendidos no Brasil vem do outro lado do mundo, o que está levando fabricantes a enfrentarem dificuldades.
Compradores não faltam.
Praticamente metade dos brasileiros (49% do total de entrevistados pelo Datafolha) diz ter
um santo de devoção. Entre os
católicos, 68% se apegam a algum deles na hora de pedir uma
graça.
"O pessoal continua comprando imagens, mas não dá
para concorrer com a China.
Eles têm preços muito baixos",
diz Aldo Bove, dono de uma fábrica de imagens religiosas no
Cambuci, em São Paulo. Ele
deixou de fazer santinhos há alguns anos e agora só trabalha
sob encomenda para igrejas.
Zely Jeha, dona da fábrica São
Judas Tadeu, em Guaratinguetá, ainda produz cerca de 4.000
imagens por mês, mas já demitiu 40% dos funcionários por
causa da concorrência chinesa.
Não se sabe quantos santos
são vendidos no país. Nem em
cidades religiosas, como Aparecida. Lá, há cerca de mil lojas de
artigos sacros -330 no Centro
de Apoio ao Romeiro, espécie
de shopping da igreja. O Santuário dos Apóstolos é uma delas. Renato Chad, o dono, diz
que as imagens chinesas predominam. "São mais baratas. Tem
quem leve uma de cada santo."
Fiéis como Elisabeth Pires,
59, não se contentam em ter só
um santo: ela tem 45. "Quando
surge um problema, peço para
o santo daquela causa. Aprendi
que não se deve pedir a todos."
Ela é exceção. Grande parte dos
brasileiros, conta irmã Célia
Cadorin, responsável pelo processo de canonização de Frei
Galvão, pede a mesma graça a
vários santos de uma vez. "Fica
difícil saber quem atendeu, e o
milagre não pode ser contabilizado para um santo ou beato."
Essa "promiscuidade" com
os santos é uma das explicações
para o fato de o Brasil ter demorado para conseguir um santo
nascido aqui. "Também não conhecíamos o caminho para a
canonização, temia-se os custos do processo e muita gente
achava que só santo importado
fazia milagre." O Brasil tem hoje 33 beatos e dois santos (Frei
Galvão e Madre Paulina, que
nasceu na Itália, mas viveu
aqui). No segundo semestre,
haverá mais quatro beatos. Porém Nossa Senhora Aparecida,
a mais citada na pesquisa do
Datafolha, com 18% da preferência, não é uma santa comum, mas a Santíssima Virgem
Maria, mãe de Jesus Cristo.
Logo em seguida a ela são citados como santos de devoção
santo Antonio e santo Expedito
(com 5% de menções cada).
O apego aos santos tem explicação. Considerados modelos
pela Igreja, eles funcionam como intercessores junto a Deus.
"E suas imagens são símbolos
que nos lembram de suas virtudes", explica o padre Juarez de
Castro, do Vicariato da Comunicação de São Paulo.
Por terem sido humanos, os
santos são mais próximos dos
devotos. "É mais fácil se espelhar neles do que em Deus, que
é perfeito", diz Geraldo José de
Paiva, da USP, especialista em
psicologia da religião. "Além
disso, há um santo para cada
causa e assim fica mais fácil saber para quem apelar."
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