São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Todos os santos

Nossa Senhora Aparecida é a preferida

QUASE 50% DA POPULAÇÃO TEM DEVOÇÃO POR SANTOS; INDÚSTRIA NACIONAL PERDE MERCADO DIANTE DE PRODUTOS FABRICADOS NA CHINA

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Embaixo da imagem de são Francisco, em letras miudinhas, dá para ler: "Made in China". O santo comprado pela administradora Lucy Ferraz em Aparecida (SP) não foi feito por nenhuma das 52 fábricas de imagens religiosas que movem parte da economia da cidade nem em outro ateliê brasileiro.
Fabricada pelos chineses, que costumam viver sem religião (apenas 30% da população lá tem alguma crença), a maioria dos santos vendidos no Brasil vem do outro lado do mundo, o que está levando fabricantes a enfrentarem dificuldades.
Compradores não faltam. Praticamente metade dos brasileiros (49% do total de entrevistados pelo Datafolha) diz ter um santo de devoção. Entre os católicos, 68% se apegam a algum deles na hora de pedir uma graça.
"O pessoal continua comprando imagens, mas não dá para concorrer com a China. Eles têm preços muito baixos", diz Aldo Bove, dono de uma fábrica de imagens religiosas no Cambuci, em São Paulo. Ele deixou de fazer santinhos há alguns anos e agora só trabalha sob encomenda para igrejas. Zely Jeha, dona da fábrica São Judas Tadeu, em Guaratinguetá, ainda produz cerca de 4.000 imagens por mês, mas já demitiu 40% dos funcionários por causa da concorrência chinesa.
Não se sabe quantos santos são vendidos no país. Nem em cidades religiosas, como Aparecida. Lá, há cerca de mil lojas de artigos sacros -330 no Centro de Apoio ao Romeiro, espécie de shopping da igreja. O Santuário dos Apóstolos é uma delas. Renato Chad, o dono, diz que as imagens chinesas predominam. "São mais baratas. Tem quem leve uma de cada santo."
Fiéis como Elisabeth Pires, 59, não se contentam em ter só um santo: ela tem 45. "Quando surge um problema, peço para o santo daquela causa. Aprendi que não se deve pedir a todos." Ela é exceção. Grande parte dos brasileiros, conta irmã Célia Cadorin, responsável pelo processo de canonização de Frei Galvão, pede a mesma graça a vários santos de uma vez. "Fica difícil saber quem atendeu, e o milagre não pode ser contabilizado para um santo ou beato."
Essa "promiscuidade" com os santos é uma das explicações para o fato de o Brasil ter demorado para conseguir um santo nascido aqui. "Também não conhecíamos o caminho para a canonização, temia-se os custos do processo e muita gente achava que só santo importado fazia milagre." O Brasil tem hoje 33 beatos e dois santos (Frei Galvão e Madre Paulina, que nasceu na Itália, mas viveu aqui). No segundo semestre, haverá mais quatro beatos. Porém Nossa Senhora Aparecida, a mais citada na pesquisa do Datafolha, com 18% da preferência, não é uma santa comum, mas a Santíssima Virgem Maria, mãe de Jesus Cristo.
Logo em seguida a ela são citados como santos de devoção santo Antonio e santo Expedito (com 5% de menções cada).
O apego aos santos tem explicação. Considerados modelos pela Igreja, eles funcionam como intercessores junto a Deus. "E suas imagens são símbolos que nos lembram de suas virtudes", explica o padre Juarez de Castro, do Vicariato da Comunicação de São Paulo.
Por terem sido humanos, os santos são mais próximos dos devotos. "É mais fácil se espelhar neles do que em Deus, que é perfeito", diz Geraldo José de Paiva, da USP, especialista em psicologia da religião. "Além disso, há um santo para cada causa e assim fica mais fácil saber para quem apelar."


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