São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007

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SEXO

Da reprodução à banalização

MARY DEL PRIORE
ESPECIAL PARA A FOLHA

EXISTIRIA UM mistério na sexualidade feminina, assim como existem os mistérios da fé? Sim, e alguns deles foram desvendados. Tomemos um exemplo. Em 1559, Renaldus Colombo descobria o "amor Veneris dulcedo appeletur", o clitóris feminino. A descoberta não mudou a percepção que, há milênios, havia sobre a menoridade física da mulher. O clitóris não passava de um pênis miniaturizado. Reproduzia-se, assim, uma longa tradição de negação da sexualidade feminina.
No Ocidente cristão, acreditava-se que a única razão para o encontro de corpos era a reprodução. Sexo era sinônimo de filhos, e as relações conjugais repousavam sobre idéias de fidelidade, duração e maternidade. No tempo de nossas avós, a noite de núpcias era uma prova.
Era o rude momento da iniciação feminina por um marido que só conhecia prostitutas. Até os anos 50, a afinidade sexual era o menos importante no ideal de felicidade conjugal.
A partir dos anos 60, o diálogo passou a modelar as relações. Extinguiam-se as relações verticais entre homem e mulher. A tolerância com as infidelidades masculinas sumiu e, preservativos eram usados para manter a família pequena. Amor-paixão e prazer sexual passaram a ser valorizados.
A mais importante transformação veio com a pílula anticoncepcional. Pela primeira vez, as mulheres tomavam a palavra, falando sobre clitóris, masturbação e orgasmo. Queriam relações nas quais sexo estivesse atrelado a sentimentos. Nas últimas décadas, as mulheres participaram de outro movimento: o que procurou separar sexualidade, casamento e amor. Foi a transição da tradição dos avós para a sexualidade obrigatória dos netos.
Separada da procriação, multiplicada pela ciência, desculpabilizada pela psicanálise e mesmo exaltada pela mídia, a sexualidade tornou-se assunto obrigatório. Tão obrigatório que chega a entediar!
Numa sociedade de consumo, o sexo está supervalorizado. Ele se tornou uma nova teologia. O resultado? Escreve-se cada vez mais sobre a banalização da sexualidade e o desencantamento dos corações, enquanto o sentimento segue uma coisa sutil e importante que continua a fazer sonhar muitas mulheres. Mas tudo isso são conquistas ou armadilhas? Os historiadores de amanhã o dirão.


MARY DEL PRIORE é historiadora, sócia do IHGB e autora, entre outros, de "História do Amor no Brasil" (Contexto)


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