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SEXO
Da reprodução à banalização
MARY DEL PRIORE
ESPECIAL PARA A FOLHA
EXISTIRIA UM mistério
na sexualidade feminina, assim como existem
os mistérios da fé? Sim, e alguns deles foram desvendados.
Tomemos um exemplo. Em
1559, Renaldus Colombo descobria o "amor Veneris dulcedo
appeletur", o clitóris feminino.
A descoberta não mudou a percepção que, há milênios, havia
sobre a menoridade física da
mulher. O clitóris não passava
de um pênis miniaturizado. Reproduzia-se, assim, uma longa
tradição de negação da sexualidade feminina.
No Ocidente cristão, acreditava-se que a única razão para o
encontro de corpos era a reprodução. Sexo era sinônimo de filhos, e as relações conjugais repousavam sobre idéias de fidelidade, duração e maternidade.
No tempo de nossas avós, a
noite de núpcias era uma prova.
Era o rude momento da iniciação feminina por um marido
que só conhecia prostitutas.
Até os anos 50, a afinidade
sexual era o menos importante
no ideal de felicidade conjugal.
A partir dos anos 60, o diálogo passou a modelar as relações. Extinguiam-se as relações
verticais entre homem e mulher. A tolerância com as infidelidades masculinas sumiu e,
preservativos eram usados para manter a família pequena.
Amor-paixão e prazer sexual
passaram a ser valorizados.
A mais importante transformação veio com a pílula anticoncepcional. Pela primeira
vez, as mulheres tomavam a palavra, falando sobre clitóris,
masturbação e orgasmo. Queriam relações nas quais sexo estivesse atrelado a sentimentos.
Nas últimas décadas, as mulheres participaram de outro
movimento: o que procurou separar sexualidade, casamento e
amor. Foi a transição da tradição dos avós para a sexualidade
obrigatória dos netos.
Separada da procriação, multiplicada pela ciência, desculpabilizada pela psicanálise e
mesmo exaltada pela mídia, a
sexualidade tornou-se assunto
obrigatório. Tão obrigatório
que chega a entediar!
Numa sociedade de consumo, o sexo está supervalorizado. Ele se tornou uma nova teologia. O resultado? Escreve-se
cada vez mais sobre a banalização da sexualidade e o desencantamento dos corações, enquanto o sentimento segue
uma coisa sutil e importante
que continua a fazer sonhar
muitas mulheres. Mas tudo isso são conquistas ou armadilhas? Os historiadores de amanhã o dirão.
MARY DEL PRIORE é historiadora, sócia do
IHGB e autora, entre outros, de "História do
Amor no Brasil" (Contexto)
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