São Paulo, segunda-feira, 08 de julho de 2002

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ALCKMIN

Conhecido pelo estilo discreto e pouco afeito a atritos, governador, que passará por seu maior teste, minimiza papel da ideologia na política e compara administrador público ao médico que deve 'cuidar de pessoas'

Tucano investe na imagem de "gerente" para se reeleger

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Geraldo Alckmin ao lado do empresário Silvio Santos após sequestro


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Na noite anterior à convenção do PSDB que, em 1994, definiria o candidato a vice-governador na chapa encabeçada por Mário Covas, houve uma reunião na casa de Covas entre os caciques do PSDB para discutir a indicação.
Concorriam Geraldo Alckmin, deputado federal, e Walter Barelli, que havia sido ministro do Trabalho no governo Itamar Franco. Por achar que seria constrangedor para os dois presenciarem o debate, Alckmin sugeriu que fossem comer uma pizza e só voltassem com o caso decidido.
Assim foi. O escolhido, como se sabe, foi Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, no que acabaria sendo o ponto de partida para se tornar depois governador, com a morte de Covas, e agora candidato natural do PSDB a um novo mandato. Essa história é contada por um dos raros íntimos de Alckmin, seu secretário de Comunicação, Luiz Salgado Ribeiro, que convive com a família desde o tempo em que foi colega de exame de admissão (ao ginásio) da irmã do hoje governador.
Serve, acha Salgado, para definir um estilo de fazer política, "que é o de não usar o cotovelo" para abrir espaço.
Aliás, na segunda vez em que disputou a vice-governança, sempre em companhia de Covas, Alckmin demonstrou de novo que cotovelo não é o seu forte.
Procurou o governador para dizer que ficasse à vontade para escolher o vice, se fosse necessário para qualquer composição política. Covas nem discutiu. "Está com medo de perder a eleição? Não tem discussão, é você mesmo." E selou o destino político de seu jovem vice-governador, médico anestesista hoje com 49 anos.
Há, no entanto, no próprio partido de Alckmin quem veja a pouca disposição para usar o cotovelo como defeito. Significaria falta de capacidade de liderança, mais ainda se se comparar com a predisposição contrária dos três grandes nomes do tucanato paulista (Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Covas).
Em voz baixa, é verdade, resmunga-se no partido pelo fato de que o governador não usa o cotovelo nem para pôr distância em relação a Orestes Quércia.
Foi pelo predomínio de Quércia no PMDB paulista que os três líderes citados estiveram na linha de frente da criação do PSDB, em 1988. A indisposição com Quércia só aumentou quando ele chamou Covas de "bundão", em campanha eleitoral. Alckmin, no entanto, não deixou de comparecer à inauguração da impressora do jornal "Diário Popular", que Quércia posteriormente venderia para as Organizações Globo.
Levando-se em conta a imagem que o tucanato sempre divulgou de Quércia, supostamente pouco zeloso com o dinheiro público, o fato de Alckmin evitar cotoveladas até contra ele não deixa de ser contraditório. Afinal, o governador só entrou na política depois de ouvir o seguinte conselho do pai, também chamado de dr. Geraldo (era médico veterinário): "Se você tiver vocação para a política, como entrega pessoal, aceite. Agora, se tem vontade de ficar rico, política não é o caminho".
O "aceite" referia-se ao convite que o então MDB (antecessor do PMDB) fizera ao jovem (19 anos) estudante de medicina Geraldinho Alckmin para disputar, em 1972, a vereança em Pindamonhangaba, a cidade do Vale do Paraíba em que nascera, no dia 7 de novembro de 1952.
Alckmin era diretor do Centro Acadêmico e, além disso, ajudara a montar o Prefac (o cursinho pré-faculdade), para poder custear a sua manutenção, já que estudava em Taubaté.
Elegeu-se com 1.447 votos, mais de 10% dos votos válidos, porcentagem ainda não superada por nenhum outro candidato a vereador da cidade. Quatro anos depois, elegeu-se prefeito da cidade.
Acumulou então a prefeitura e a faculdade, o que o levou a cometer um dos pecados de que foi acusado na eleição para prefeito de São Paulo, há dois anos: empregou o pai como chefe de gabinete, exatamente para "segurar a peteca" enquanto ele estudava, como justifica o amigo e assessor Luiz Salgado Ribeiro.
Ficou seis anos na prefeitura e até hoje comemora a marca de ruas asfaltadas, que considera um recorde: Pinda tinha 30 ruas asfaltadas quando ele assumiu. Quando saiu, era "um tapete preto", como gostam de dizer seus admiradores, com 200 ruas asfaltadas.
A Prefeitura de Pinda serviu de catapulta eleitoral. Elegeu-se sucessivamente deputado estadual, em 1982, com 96.232 votos, e deputado federal, quatro anos depois, com 124.971 votos.
Foi exatamente a eleição para a Câmara, no processo constituinte, que pavimentou o seu caminho para disputar vice-governador e, pelas circunstâncias do destino, tornar-se governador.
No Congresso constituinte, aproximou-se de Mário Covas, o líder do PMDB, que era, disparado, o maior partido da Casa. Alckmin era, até então, próximo de André Franco Montoro, o governador paulista, também do PMDB à época (seria depois um dos fundadores do PSDB).
Na Constituinte, o pouco uso que Alckmin faz dos cotovelos era uma qualidade, não um defeito. Cada parágrafo de cada artigo tinha que ser penosamente negociado. Nada era aprovado sem uma costura ampla e cuidadosa. Alckmin se incumbiu dessa costura, exatamente porque não tinha, como não tem, um traço ideológico forte, que levantasse resistências igualmente fortes neste ou naquele setor.
O pai, sua maior referência até morrer, em 1998, com 85 anos, acaba sendo um pouco a demonstração de como é complicado aplicar rótulos em Alckmin.
O "doutor Geraldo" era católico fervoroso, ligado à Opus Dei, uma das mais conservadoras instituições do catolicismo, ao mesmo tempo em que militava na UDN (União Democrática Nacional), partido que se envolveu a fundo na conspiração para derrubar o governo João Goulart, em 1964.
Mas Alckmin não só entrou para o partido de oposição ao regime militar como obteve boa nota (7) por sua atuação como deputado, atribuída pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), ligado à esquerda.
O próprio Alckmin foge de qualquer rotulação: "Estou convencido de que os problemas maiores da política não são tão ideológicos, essa briga de esquerda e direita. São de seriedade, de austeridade, de compromisso popular e de bom gerenciamento".
De todo modo, Covas, algo mais definido ideologicamente, anotou o desempenho de Alckmin como um de seus vice-líderes, o que certamente pesou na sua escolha para candidato a vice-governador, na noite da pizza com Barelli.
Mas pesou também o amassar barro nas estradas do interior, para ajudar a estruturar o PSDB. Na campanha de 1990, em que Covas perdeu a disputa para governador, Alckmin percebeu que uma das deficiências era o fato de que, depois de cada comício, não ficava ninguém do partido para dar sequência ao trabalho. Quando assumiu em 1991 a presidência do PSDB paulista, atirou-se ao trabalho de organização partidária, viajando ora no seu Gol, ora de ônibus-leito quando a cidade era mais distante da capital paulista.
Eleito vice-governador, aposentou de vez o cotovelo. Não indicou ninguém para cargo algum, mas aceitou presidir o Conselho de Privatização, que o forçava a entrar em diferentes áreas da administração, dando ao vice papel mais saliente do que é habitual.
Talvez por isso, Covas tornou-se um admirador de Alckmin, sentimento recíproco, mas manifestado com a enorme discrição que é característica inseparável do governador. Tão discreto que jamais chamava Covas de "você", sempre de "senhor".
Ainda em vida de Covas sofreu sua primeira derrota eleitoral. Ficou com 952.890 votos (17,21%) na disputa pela Prefeitura de São Paulo, 7.691 votos a menos do que Paulo Maluf, que foi para o segundo turno com Marta Suplicy.
Ao assumir o governo de uma vez, manteve, como havia dito, a equipe Covas, que só foi modificando aos poucos. Mas sem colocar sob a luz dos holofotes o seu grupo mais próximo, vindo do Vale do Paraíba, composto por, entre outros, Salgado Ribeiro, Orlando de Assis Batista, que foi seu chefe de gabinete na Câmara e hoje trabalha com ele no Palácio, e Henrique Lobo, que foi tesoureiro do PSDB e hoje é seu assessor.
Certamente por essa discrição, é impossível, até para os íntimos, arrancar de Alckmin qualquer palavra sobre candidatura presidencial, por mais que governador de São Paulo seja sempre, por definição, um presidenciável.


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