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GENOINO
"O PT me mudou e eu mudei o PT", afirma Genoino, que foi coroinha no Ceará, guerrilheiro no Araguaia e precursor da versão "light" do partido, pelo qual disputa pela primeira vez um cargo majoritário
Deputado vai da guerrilha à vanguarda do PT moderado
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Ninguém deu mais trabalho para os que tentaram evitar a metamorfose petista, partido que nasceu, há 22 anos, ainda à sombra
das barbas de Karl Marx e da sua
luta de classes, do que o ex-guerrilheiro José Genoino Neto, o mais
famoso filho de Quixeramobim,
no Ceará -depois de Antônio
Conselheiro, claro, o beato sebastianista que fez a guerra contra a
República nos sertões de Canudos, Bahia.
No embalo da dialética, sua corrente de fé depois que largou as
vestes de coroinha na igreja de Senador Pompeu (CE), um Genoino
reformado arquivava as imagens
do "coração das trevas" -a guerrilha dos anos 70 na região do
Araguaia (sul do Pará) organizada pelo PC do B- para se transformar em um dos principais
agentes da virada de um partido
radical para a legenda "light" e
institucional que chega à disputa
das eleições deste ano.
"O PT me mudou e eu mudei o
PT", resume. Depois de cinco
mandatos como deputado federal, Genoino troca a certeza do
"hexa" da reeleição ao parlamento pela arriscada tarefa de enfrentar os favoritos Paulo Maluf (PPB)
e Geraldo Alckmin (PSDB) na
disputa pelo governo.
Dirigente do clandestino PRC
(Partido Revolucionário Comunista), então abrigado no generoso guarda-chuva esquerdista do
PT, José Genoino iniciou as atividades da Constituinte de 1988
com uma bandeira: não dar trégua aos companheiros petistas e
defender de forma intransigente a
não-assinatura da Constituição
que sairia do Congresso.
Sob a liderança do então deputado Luiz Inácio Lula da Silva, que
comandava a bancada petista, o
sectário Genoino começa a ser tomado pelos poderes da metamorfose, processo capaz de fazer o cidadão utópico amanhecer na pele
de homem pragmático.
Os representantes do partido
deixariam a sua rubrica na Constituição com o aplauso de Genoino à festa cívica dirigida pelo deputado Ulysses Guimarães
(PMDB). "Seria uma bobagem
não reconhecer todo o trabalho
da Constituinte", diz o candidato
petista, hoje a mais perfeita tradução do que se toma por "PT light".
Sertão, Carandiru
O cearense chegara à Câmara
em 82, com os votos de 58.650
eleitores de São Paulo. Havia deixado a prisão em 1977, onde passou cinco anos depois de ser capturado pelo Exército no Araguaia.
No inferno do Carandiru, relata,
fez das demoradas rodas de conversas com os colegas uma espécie de psicanálise para livrar-se
das assombrações da guerrilha.
As aulas de história em cursinhos de pré-vestibular da capital
paulistana, emprego que encontrou depois da temporada no cárcere, também ajudaram a aliviar o
ex-guerrilheiro da carga passada.
"Como havia deixado os cursos
de direito e de filosofia pela metade, ainda em Fortaleza, saí da prisão sem nenhuma profissão para
retomar a vida normal", conta.
"Ensinar foi um achado, graças à
extrema generosidade do povo de
São Paulo", faz o elogio bandeirante de olho no voto de outubro.
Para quem havia atuado nas
frentes de trabalho durante a seca
de 58, uma das mais bravas do
sertão do Ceará, narra Genoino,
dar aulas para a rapaziada de classe média era uma moleza.
O filho mais velho de um time
de 11 posto no mundo por "seu"
Sebastião e por "dona" Laís, carregara pedra, aos 13 anos, para a
construção de uma barragem em
Quixeramobim, onde ainda hoje
vivem os pais, agricultores do Encantado, um vilarejo daquele município sertanejo.
Na peleja de Deus e do Diabo na
terra do sol, Genoino foi salvo do
trabalho duro pelas mãos do padre Salmito, da vizinha cidade de
Senador Pompeu, que o levou ao
altar. Tinha então 14 anos. Tornou-se coroinha, atividade infinitamente mais leve. "Tanto para a
alma como para o corpo", relembra o candidato do PT.
O padre Salmito, mal-falado por
alguns fiéis da região pelo seu suposto "comunismo", perderia o
ajudante para a promessa do
"cosmopolitismo" de Fortaleza.
O coroinha era arrastado dos
braços de Jesus Cristo para o colo
de Karl Marx. Embora os dois
barbudos, lembra o protagonista
dessa história, jamais travassem
uma peleja na cabeça do adolescente de Quixeramobim.
"Antes, é bom que se diga, dei
uma passadinha teórica pelo existencialismo de Jean-Paul Sartre",
relembra José Genoino, 56. "Como o regime militar não guardava
respeito pelo ser e por nada nesse
mundo", recorda o petista, veio o
Ato Institucional número 5, o AI-5, no final de 1968, para reduzir as
liberdades políticas.
Com medo da prisão, era presidente do DCE (Diretório Central
dos Estudantes) da Universidade
Federal do Ceará, componente da
direção da UNE (União Nacional
dos Estudantes), escapuliu para
São Paulo. Aqui virou, no Estado
onde disputa o cargo máximo na
eleição deste ano, José Geraldo,
migrante político para quem
"pau-de-arara" ainda não representava instrumento de tortura.
O país do penta cantava, à época, o hino dos "noventa milhões
em ação/ pra frente Brasil" quando Genoino, aos 26 anos, rumou
para a estação Araguaia.
"Era uma euforia danada em
São Paulo quando a minha cabeça
estava voltada para a guerrilha e
tomei o prumo da selva", recordou Genoino, dias antes do mesmo escrete canarinho levantar o
caneco pela quinta vez.
Dormindo na fila
"Sempre usei a metáfora do carro. Você não pode dirigir só com
o retrovisor, e ficar vendo só o
passado. Também não pode mirar só o pára-brisa, pois carece
olhar para a frente", diz Genoino.
Corta, então, para 1982. Fica no
retrovisor uma biografia romântica (ex-carregador de pedra na
seca de 58, ex-coroinha, ex-guerrilheiro, ex-professor de cursinho) e o pára-brisa aponta para
uma carreira parlamentar de cinco mandatos seguidos.
Ao chegar ao Congresso, Genoino teimou contra o passado para
reconstruir-se, lembra: "Não poderia ser apenas o ex-guerrilheiro
e fazer parte do folclore da Casa".
Debruçou-se, então, sobre o regimento parlamentar, que desconhecia até poucos dias antes da
posse, quando comprou o primeiro terno em uma loja do bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Até aquele momento, havia usado sapato de couro em raras ocasiões, uma vez que o sertão, a igreja, o movimento estudantil, a prisão e o ambiente dos cursinhos
pré-vestibular de São Paulo dispensavam tal etiqueta.
Dominar as regras da Casa, conhecimento restrito a poucos, era
o caminho mais fácil para sair do
"baixo clero", categoria a qual
pertencem os deputados ausentes
do debate, para alcançar a fama.
Para ter vez nos expedientes da
Câmara, o deputado calouro chegava a dormir nas proximidades
do plenário ou no próprio gabinete. "Durante a Constituinte, quem
não fosse líder de partido só tinha
uma chance de apresentar propostas de emendas: madrugando
na fila", recorda o parlamentar.
Nos quatro mandatos seguintes, por causa do domínio do regimento e da influência que alcançou, depois de ser líder da bancada petista, transformou-se no rosto mais visível do partido na mídia. Entre os petistas que ficaram
com o olho no retrovisor da esquerda, como avalia o candidato
ao governo, as aparições em edições do "Jornal Nacional" (Rede
Globo) sempre foram vistas como
um passo no mosaico da direita.
A primeira grande peleja de Genoino dentro do PT ocorreu na
campanha eleitoral de Lula em
1994, quando foi derrotado no
primeiro turno pelo FHC embalado no fetiche da moeda real.
O deputado defendia alianças
com representantes da chamada
centro-esquerda, que iria até mesmo aos terreiros dos tucanos descontentes com o PSDB. Em vão.
Nessa época ocorreu, acredita, a
primeira mancada do partido em
eleições presidenciais: "Recusamos, e eu ajudei nessa burrice, o
apoio de Ulysses Guimarães no
segundo turno de 89. Vetei o velho Ulysses no nosso palanque".
Entre 1996 e 97, outro round do
PT versus PT. Genoino largou o
verbo na defesa das privatizações.
Queria preservar sob o controle
do Estado apenas setores considerados estratégicos, como Vale do
Rio Doce, Petrobrás, Banco do
Brasil e Embratel.
Admitia a venda das companhias estaduais de telefonia. Outras empresas poderiam ter privatizações negociadas.
Casado com uma nissei paulista, pai de três filhos, o corintiano
Genoino abandonou o marxismo
em 91, mas continua fiel à máxima preferida de Marx: "Nada do
que é humano me é estranho".
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