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ANÁLISE
Personagens eram livres de repressões
Pai de tipos como Geraldão e Casal Neuras, cartunista mostrou que não se pode fazer bom jornalismo sem humor
MATINAS SUZUKI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Geraldão, o Casal Neuras, a
Rê Bordosa, entre outros, formavam uma turma estranha
que passou a bater na porta dos
leitores da Ilustrada todas as
manhãs, a partir de 1983.
Até aquele momento, o leitor
dos grandes jornais brasileiros
estava acostumado com a tradição (genial) dos comics americanos do tipo Mutt e Jeff, Hagar, Garfield e Charlie Brown, e
tinha no bom-mocismo dos
quadrinhos de Mauricio de
Sousa a referência do "traço"
nacional.
Como, então, explicar o sucesso instantâneo obtido por
uma garota em estado de ressaca permanente, por um cara
que só pensava em transar com
a mãe e por um casal em frequente exposição ao adultério
recíproco?
De certa forma, eles eram os
filhos de anti-heróis (a expressão era muito comum na época) de grande sucesso na década anterior, como o Fradinho,
do Henfil, e o Sig, do Jaguar,
publicados no "Pasquim". E sofriam, provavelmente, alguma
influência do "udigrudi" internacional, cuja expressão mais
conhecida no país eram os quadrinhos de Robert Crumb.
Mas o desenho detalhista de
Angeli (que atingiria a sua extraordinária maturidade nas
charges da página 2 da Folha) e
o traço simples -próximo dos
rabiscos infantis- de Glauco
representavam um novo momento na longa história de relações entre grandes desenhistas e o jornalismo brasileiro. Ao
mesmo tempo, os dois punham
no papel, no formato seriado de
histórias contadas em três partes (o primeiro de preparação,
o segundo de tensão e o terceiro de resolução pelo nonsense)
uma coleção das nossas pequenas impossibilidades, perversões e fraquezas cotidianas que
estavam na contramão do resto
do jornal, onde a sensação vigorosa de fazer a história -a
construção da abertura política- era predominante.
Angeli e Glauco renovaram
para a nova geração de jornalistas que chegava à Folha a lição
de que é impossível se fazer
bom jornalismo sem humor.
Naquele tempo, Glauco trabalhava (não se desenhava em
computadores) na Redação e
era o terror dos editores: em alguns dias, ele simplesmente
não dava as caras -ou chegava
em cima da hora do fechamento. Nos arquivos do departamento de recursos humanos da
Folha, existe uma série de advertências feitas a ele por atrasos e faltas, mas todo mundo
sabia que o jornal não poderia
ficar sem o Geraldão.
Glauco gostava de dar apelidos para as pessoas. Ele me
chamava de "eu". Cometo essa
indiscrição só para mostrar o
quanto o Glauco do dia a dia da
Redação tinha a ver com os
seus personagens mais insólitos. Ele se vai em uma época de
renascimento dos quadrinhos.
Seu papel nesta história será
o dos grandes, dos que realmente mudaram as coisas: ele
se liberou do convencionalismo naturalista do traço e libertou seus personagens das repressões cotidianas. Nas páginas da Ilustrada, ele conseguiu enquadrar uma espantosa
liberdade na sequência de três
quadrinhos.
MATINAS SUZUKI JR. é ex-editor-executivo da
Folha, editor da revista "Serrote" e coordenador
da coleção Jornalismo Literário (Cia das Letras)
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