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"Há uma profunda crise de valores"
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS
"O presidente Carter me disse
uma coisa, certa vez, que agora está acontecendo. Um dia, ele falou,
os maiores bandidos terão as armas mais perigosas e ameaçarão
toda a humanidade."
Abatido, perplexo, d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de
São Paulo, lembrava-se da sua
conversa com o ex-presidente
norte-americano Jimmy Carter,
no início dos anos 80, para responder à pergunta que todos se
faziam terça-feira na ante-sala do
gabinete do prefeito assassinado
em Campinas: o que, afinal, está
acontecendo no mundo?
"Estamos passando por uma
provação como nunca tivemos
em nenhum outro momento da
nossa história. Tanto a morte do
prefeito de Campinas, um homem exemplar e dedicado, como
os atentados em massa nos Estados Unidos mostram que o presidente Carter tinha razão."
D. Paulo chegou com o atual arcebispo de São Paulo, d. Cláudio
Hummes, que atribuiu as duas
tragédias, o assassinato do prefeito Antonio da Costa Santos, 49, o
Toninho do PT, e a onda de terror
que se abateu sobre os Estados
Unidos "a uma profunda crise de
valores".
A televisão da sala foi rapidamente desligada, e as portas, fechadas à imprensa. O assassinato
de Toninho, na noite de segunda-feira, fez com que se encontrassem na mesma sala do Palácio dos
Jequitibás, no Paço Municipal, os
dois cardeais, o governador de
São Paulo, Geraldo Alckmin, o
presidente do PT, José Genoino, e
Izalene Tiene, a vice que tinha
acabado de tomar posse no cargo.
Comoção
A tragédia local sempre provoca
mais comoção do que o terror
globalizado. Mas, naquele momento, pouco depois do meio-dia, ambas se misturavam dentro
e fora do Palácio dos Jequitibás. A
mesma multidão que vinha prestar sua última homenagem a Toninho revezava-se diante dos televisores dos bares próximos para
tentar entender o que estava
acontecendo.
"A violência que faz vítimas na
periferia de São Paulo, atingindo
principalmente a população mais
pobre, que mata friamente lideranças como o prefeito de Campinas, o terrorismo que abala os Estados Unidos... No fundo, tudo isso dá conta de que a economia de
mercado não pode ser mais importante do que os valores éticos,
os valores humanos", diz o cardeal arcebispo de São Paulo.
Para d. Cláudio, "em vez de ficarem discutindo o mercado, as
principais lideranças mundiais
deveriam se preocupar em discutir mais esses valores fundamentais para evitar que a violência gere cada vez mais violência".
Depois de prestar sua solidariedade à prefeita Izalene Tiene, o
governador Geraldo Alckmin disse à Folha que via tudo, "esse problema da violência, com muita
perplexidade".
De acordo com ele, ao mesmo
tempo em que se promove a reestruturação e a integração das polícias, é preciso atacar as causas da
violência. "A minha maior preocupação, no momento, é com o
esgarçamento do tecido social",
afirmou o governador.
Crise civilizatória
Na mesma linha, o deputado federal José Genoino, presidente
nacional do PT, que passou a noite de segunda-feira para terça-feira em Campinas acompanhando
as investigações, disse à Folha que
"não temos mais valores como referências. O Estado está perdendo
a capacidade de ter autoridade,
provocando esta banalização da
vida".
Genoino fala em crise civilizatória. "O mundo está entrando em
parafuso. Se a humanidade não
repactuar um projeto civilizatório, onde vamos parar? Vivemos
numa guerra que ninguém sabe
de onde vem, não tem fronteira,
não tem cara, pode atingir qualquer pessoa, tanto aqui como nos
Estados Unidos."
Na campanha do segundo turno, lembrou Genoino, um comício de Toninho no Parque Oziel,
na região sudeste de Campinas,
teve que ser cancelado por imposição dos traficantes da região.
"Depois que ele foi eleito, vendo-o
andar sempre sozinho, perguntei
por que ele não procurava se proteger melhor. E o Toninho me respondeu: se o cidadão vive sem segurança, por que só o prefeito deve ter esse privilégio?"
A nova prefeita da cidade, Izalene Tiene, fez um apelo ao governador Geraldo Alckmin para que
a polícia investigue e esclareça o
crime o mais rapidamente possível. "Por que isso aconteceu? Uma
cidade matar o seu prefeito, meu
Deus, é demais."
Encerrado o breve encontro, a
televisão foi religada no canal de
notícias que transmitia ao vivo
dos Estados Unidos. Na sala ao lado, a viúva de Toninho, Roseana,
e a filha, Marina, recebiam os pêsames. Lá fora, a multidão cantava o Hino Nacional e preparava
faixas de protesto.
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