São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2001

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"Há uma profunda crise de valores"

RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

"O presidente Carter me disse uma coisa, certa vez, que agora está acontecendo. Um dia, ele falou, os maiores bandidos terão as armas mais perigosas e ameaçarão toda a humanidade."
Abatido, perplexo, d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, lembrava-se da sua conversa com o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, no início dos anos 80, para responder à pergunta que todos se faziam terça-feira na ante-sala do gabinete do prefeito assassinado em Campinas: o que, afinal, está acontecendo no mundo?
"Estamos passando por uma provação como nunca tivemos em nenhum outro momento da nossa história. Tanto a morte do prefeito de Campinas, um homem exemplar e dedicado, como os atentados em massa nos Estados Unidos mostram que o presidente Carter tinha razão."
D. Paulo chegou com o atual arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes, que atribuiu as duas tragédias, o assassinato do prefeito Antonio da Costa Santos, 49, o Toninho do PT, e a onda de terror que se abateu sobre os Estados Unidos "a uma profunda crise de valores".
A televisão da sala foi rapidamente desligada, e as portas, fechadas à imprensa. O assassinato de Toninho, na noite de segunda-feira, fez com que se encontrassem na mesma sala do Palácio dos Jequitibás, no Paço Municipal, os dois cardeais, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o presidente do PT, José Genoino, e Izalene Tiene, a vice que tinha acabado de tomar posse no cargo.

Comoção
A tragédia local sempre provoca mais comoção do que o terror globalizado. Mas, naquele momento, pouco depois do meio-dia, ambas se misturavam dentro e fora do Palácio dos Jequitibás. A mesma multidão que vinha prestar sua última homenagem a Toninho revezava-se diante dos televisores dos bares próximos para tentar entender o que estava acontecendo.
"A violência que faz vítimas na periferia de São Paulo, atingindo principalmente a população mais pobre, que mata friamente lideranças como o prefeito de Campinas, o terrorismo que abala os Estados Unidos... No fundo, tudo isso dá conta de que a economia de mercado não pode ser mais importante do que os valores éticos, os valores humanos", diz o cardeal arcebispo de São Paulo.
Para d. Cláudio, "em vez de ficarem discutindo o mercado, as principais lideranças mundiais deveriam se preocupar em discutir mais esses valores fundamentais para evitar que a violência gere cada vez mais violência".
Depois de prestar sua solidariedade à prefeita Izalene Tiene, o governador Geraldo Alckmin disse à Folha que via tudo, "esse problema da violência, com muita perplexidade".
De acordo com ele, ao mesmo tempo em que se promove a reestruturação e a integração das polícias, é preciso atacar as causas da violência. "A minha maior preocupação, no momento, é com o esgarçamento do tecido social", afirmou o governador.

Crise civilizatória
Na mesma linha, o deputado federal José Genoino, presidente nacional do PT, que passou a noite de segunda-feira para terça-feira em Campinas acompanhando as investigações, disse à Folha que "não temos mais valores como referências. O Estado está perdendo a capacidade de ter autoridade, provocando esta banalização da vida".
Genoino fala em crise civilizatória. "O mundo está entrando em parafuso. Se a humanidade não repactuar um projeto civilizatório, onde vamos parar? Vivemos numa guerra que ninguém sabe de onde vem, não tem fronteira, não tem cara, pode atingir qualquer pessoa, tanto aqui como nos Estados Unidos."
Na campanha do segundo turno, lembrou Genoino, um comício de Toninho no Parque Oziel, na região sudeste de Campinas, teve que ser cancelado por imposição dos traficantes da região. "Depois que ele foi eleito, vendo-o andar sempre sozinho, perguntei por que ele não procurava se proteger melhor. E o Toninho me respondeu: se o cidadão vive sem segurança, por que só o prefeito deve ter esse privilégio?"
A nova prefeita da cidade, Izalene Tiene, fez um apelo ao governador Geraldo Alckmin para que a polícia investigue e esclareça o crime o mais rapidamente possível. "Por que isso aconteceu? Uma cidade matar o seu prefeito, meu Deus, é demais."
Encerrado o breve encontro, a televisão foi religada no canal de notícias que transmitia ao vivo dos Estados Unidos. Na sala ao lado, a viúva de Toninho, Roseana, e a filha, Marina, recebiam os pêsames. Lá fora, a multidão cantava o Hino Nacional e preparava faixas de protesto.


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