São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2001

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Era pós-Guerra Fria refaz as alianças no sul da Ásia

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando os Estados Unidos indicam o Afeganistão como o mais provável palco de uma retaliação aos ataques de terça-feira, os holofotes da atenção internacional iluminam também o vizinho Paquistão, principal fonte de apoio externo ao Taleban. Washington, ao exigir apoio do governo paquistanês na ação antiterror, fala com um país que, devido aos desenhos da geopolítica do século 21, deixou de ser um aliado incondicional da Casa Branca. Transformou-se numa fonte significativa de tensões e fricções com os interesses norte-americanos no estratégico sul da Ásia.
A equação nos tempos da Guerra Fria era simples. De um lado, União Soviética e Índia se alinhavam por conta do inimigo comum, a China. Disputas territoriais levaram tropas chinesas a enfrentarem os indianos, em 1962, e os soviéticos, em 1969. Esses conflitos lançaram ondas de apreensão em todo o planeta, por envolver países titânicos.
Nos anos 70, Washington seguiu a trilha arquitetada por Henry Kissinger, colocou diferenças ideológicas de lado e se aproximou da China de Mao Tse-tung, para formar uma poderosa aliança anti-Moscou. Restou ao Paquistão reforçar a dupla Washington-Pequim, já que o seu maior rival, a Índia, mantinha laços férreos com a União Soviética.
Em 1979, Moscou invadiu o Afeganistão, para impor um regime pró-soviético. A lógica da Guerra Fria teve seus desdobramentos naturais para a época: os EUA e o Paquistão armaram e apoiaram a guerrilha muçulmana que derrubou, no começo dos anos 90, o regime marionete apoiado pelo Kremlin.
Hoje, no entanto, a lógica da Guerra Fria sofreu golpes profundos. A "ameaça soviética" se dissolveu. A China passou de importante aliado dos EUA a uma grande ameaça, por conta de seu meteórico crescimento econômico e do fortalecimento militar lento, mas suficiente para tirar o sono de estrategistas da Casa Branca.
O medo do "ameaça chinesa" leva a Índia a buscar o diálogo com os EUA e com países ocidentais. O governo indiano também acelera contatos com Israel e com países do Sudeste Asiático, que compartilham de receios em relação ao gigante chamado Pequim.
Nesse jogo sobre um tabuleiro de poucas casas, o Paquistão passa a se sentir isolado, devido às atitudes de seu arqui-rival, a Índia. Busca então estreitar os laços com a China, aliado de anos, e com o Taleban, que enxerga como uma ferramenta capaz de aumentar seu peso regional. Esse caminho começa a afastar o governo paquistanês do antigo compadrio com os EUA, que prefere agora a amizade com os indianos, para fazer frente a Pequim.
Para aumentar a lista de atritos entre os amigos separados, o Paquistão realiza testes nucleares em 98, com a China acusada de ajudar as ambições atômicas do aliado. No ano seguinte, o general Pervez Musharraf promove um golpe de Estado e ocupa a Presidência do país. Washington passa a pressionar pelo fim da corrida nuclear no sul da Ásia e pela volta da democracia paquistanesa.
Em maio, o general Musharraf pede a visitantes chineses que Pequim desempenhe "um papel ativo" na manutenção do equilíbrio estratégico no sul da Ásia. O pronunciamento ocorre logo após conversas entre Estados Unidos e Índia para atuar em conjunto na construção de um sofisticado "escudo" antimísseis.
A Rússia, com uma pálida influência se comparada aos dias do império soviético, mantém laços preferenciais com a Índia. Nesse caso, Moscou deixa de lado sua recente aproximação com Pequim e avalia como mais significativa a situação no Afeganistão, onde o Taleban impera em 95% do território.
Moscou teme a expansão do fundamentalismo islâmico do Taleban para as ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com o Afeganistão (Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão). Trata-se de uma região ainda na esfera de influência do Kremlin, que não quer perder uma das poucas sobras do império.
A expansão do fundamentalismo "talebânico" surge como o ponto espinhoso nas relações entre Paquistão e China. Pequim teme o separatismo muçulmano na região de Xinjiang (noroeste do país), onde vivem etnias islâmicas, e já alertou o governo paquistanês sobre ligações entre os rebeldes e o Taleban.
A crise atual joga luzes sobre uma região que se notabilizou, nas primeiras décadas do século passado, por ser o ponto de encontro - e de embates - entre o expansionismo de Moscou e o colonialismo britânico, que imperou na Índia e no Paquistão. Depois, galvanizou as rivalidades da Guerra Fria. E mantendo sua tradição de palco de combates, essa parte da Ásia, como um ímã, atrai os conflitos do século 21.


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