|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Era pós-Guerra Fria refaz as alianças no sul da Ásia
JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando os Estados Unidos indicam o Afeganistão como o mais
provável palco de uma retaliação
aos ataques de terça-feira, os holofotes da atenção internacional
iluminam também o vizinho Paquistão, principal fonte de apoio
externo ao Taleban. Washington,
ao exigir apoio do governo paquistanês na ação antiterror, fala
com um país que, devido aos desenhos da geopolítica do século
21, deixou de ser um aliado incondicional da Casa Branca. Transformou-se numa fonte significativa de tensões e fricções com os interesses norte-americanos no estratégico sul da Ásia.
A equação nos tempos da Guerra Fria era simples. De um lado,
União Soviética e Índia se alinhavam por conta do inimigo comum, a China. Disputas territoriais levaram tropas chinesas a enfrentarem os indianos, em 1962, e
os soviéticos, em 1969. Esses conflitos lançaram ondas de apreensão em todo o planeta, por envolver países titânicos.
Nos anos 70, Washington seguiu a trilha arquitetada por
Henry Kissinger, colocou diferenças ideológicas de lado e se aproximou da China de Mao Tse-tung,
para formar uma poderosa aliança anti-Moscou. Restou ao Paquistão reforçar a dupla Washington-Pequim, já que o seu
maior rival, a Índia, mantinha laços férreos com a União Soviética.
Em 1979, Moscou invadiu o
Afeganistão, para impor um regime pró-soviético. A lógica da
Guerra Fria teve seus desdobramentos naturais para a época: os
EUA e o Paquistão armaram e
apoiaram a guerrilha muçulmana
que derrubou, no começo dos
anos 90, o regime marionete
apoiado pelo Kremlin.
Hoje, no entanto, a lógica da
Guerra Fria sofreu golpes profundos. A "ameaça soviética" se dissolveu. A China passou de importante aliado dos EUA a uma grande ameaça, por conta de seu meteórico crescimento econômico e
do fortalecimento militar lento,
mas suficiente para tirar o sono de
estrategistas da Casa Branca.
O medo do "ameaça chinesa"
leva a Índia a buscar o diálogo
com os EUA e com países ocidentais. O governo indiano também
acelera contatos com Israel e com
países do Sudeste Asiático, que
compartilham de receios em relação ao gigante chamado Pequim.
Nesse jogo sobre um tabuleiro
de poucas casas, o Paquistão passa a se sentir isolado, devido às
atitudes de seu arqui-rival, a Índia. Busca então estreitar os laços
com a China, aliado de anos, e
com o Taleban, que enxerga como uma ferramenta capaz de aumentar seu peso regional. Esse caminho começa a afastar o governo paquistanês do antigo compadrio com os EUA, que prefere
agora a amizade com os indianos,
para fazer frente a Pequim.
Para aumentar a lista de atritos
entre os amigos separados, o Paquistão realiza testes nucleares
em 98, com a China acusada de
ajudar as ambições atômicas do
aliado. No ano seguinte, o general
Pervez Musharraf promove um
golpe de Estado e ocupa a Presidência do país. Washington passa
a pressionar pelo fim da corrida
nuclear no sul da Ásia e pela volta
da democracia paquistanesa.
Em maio, o general Musharraf
pede a visitantes chineses que Pequim desempenhe "um papel ativo" na manutenção do equilíbrio
estratégico no sul da Ásia. O pronunciamento ocorre logo após
conversas entre Estados Unidos e
Índia para atuar em conjunto na
construção de um sofisticado "escudo" antimísseis.
A Rússia, com uma pálida influência se comparada aos dias do
império soviético, mantém laços
preferenciais com a Índia. Nesse
caso, Moscou deixa de lado sua
recente aproximação com Pequim e avalia como mais significativa a situação no Afeganistão,
onde o Taleban impera em 95%
do território.
Moscou teme a expansão do
fundamentalismo islâmico do Taleban para as ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com o
Afeganistão (Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão). Trata-se de uma região ainda na esfera
de influência do Kremlin, que não
quer perder uma das poucas sobras do império.
A expansão do fundamentalismo "talebânico" surge como o
ponto espinhoso nas relações entre Paquistão e China. Pequim teme o separatismo muçulmano na
região de Xinjiang (noroeste do
país), onde vivem etnias islâmicas, e já alertou o governo paquistanês sobre ligações entre os rebeldes e o Taleban.
A crise atual joga luzes sobre
uma região que se notabilizou,
nas primeiras décadas do século
passado, por ser o ponto de encontro - e de embates - entre o
expansionismo de Moscou e o colonialismo britânico, que imperou na Índia e no Paquistão. Depois, galvanizou as rivalidades da
Guerra Fria. E mantendo sua tradição de palco de combates, essa
parte da Ásia, como um ímã, atrai
os conflitos do século 21.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Temor: Afeganistão à espera do ataque Índice
|