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ONCOLOGIA
Quanto mais difícil, melhor
Antonio Buzaid, 50, que brincava de fazer pesquisa na infância, elegeu a luta contra o câncer por considerá-la desafiadora
DA REPORTAGEM LOCAL
O oncologista Antonio Carlos Buzaid, 50, teve seu primeiro contato com a pesquisa
científica bem cedo. Quando
tinha 12 anos, ganhou um pequeno laboratório, com cobaias e tudo, no qual fazia experimentos. "Tentei fazer
criopreservação [preservação
no gelo] de animais, mas não
fui bem sucedido", brinca, e
conta que seu pai, o jurista e
ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid (1914-1991), nunca
mediu esforços para que ele
se dedicasse ao que gostava.
A escolha pela medicina foi
consequência do interesse
pelas ciências. Já a oncologia
ele elegeu por considerá-la
desafiadora. "Sempre gostei
de situações complexas.
Quando era residente, pedia
para ficar com os casos mais
complicados. E o paciente
com câncer é mais difícil."
Com o tumor de pele no
qual ele concentrou seus estudos também foi assim.
"Quis pesquisar o melanoma
porque era um câncer difícil.
Ninguém queria estudá-lo."
Foi nos EUA, onde morou
por 13 anos, que Buzaid se
aprofundou na área. Na Universidade do Arizona, especializou-se em oncologia clínica e em hematologia. Primeiro brasileiro no programa, o médico diz ter sentido,
inicialmente, um certo descrédito em relação a ele. Um
ano depois, ganhou o prêmio
de melhor aluno. "Havia um
pouco de ceticismo. Mas, no
final, eu já estava adaptado."
Depois de lecionar na Universidade Yale, em New Haven (Connecticut), Buzaid foi
convidado para trabalhar no
M. D. Anderson, um dos mais
renomados hospitais de câncer do mundo, onde ganhou o
prêmio de professor do ano.
"A grande vantagem dos EUA
é que eles estavam, em termos
de tratamento do câncer, pelo
menos dez ou 15 anos à nossa
frente. Lá já se tinha o conceito do manejo multidisciplinar,
do trabalho conjunto entre
clínico e cirurgião", diz.
Quando voltou ao país, em
1998, esse foi um dos conceitos aplicados por ele no Centro de Oncologia do Hospital
Sírio-Libanês, que ajudou a
construir. Buzaid diz que os
médicos do centro trabalham,
no mínimo, 12 horas diárias
-há quem trabalhe até 15.
Com ele não é diferente, e a
correria é maior porque ele
não gosta de se atrasar. "Sou
muito pontual. Se o dia ficar
curto, eu não almoço, como
um sanduíche. É raro eu atrasar
as consultas 15 minutos."
Casado pela segunda vez,
com uma oncologista, Buzaid
tem dois filhos: um menino de
dois anos -"esse com cara de
"global" aí; ele adora fazer pose",
aponta no porta-retrato- e
uma menina de nove meses.
Nos fins de semana, vai com a
família para sua fazenda em
Itatiba (SP), onde pratica windsurfe e artes marciais. Mas o
trabalho continua: mesmo lá,
ele estuda por seis horas, em
média. "Meus livros são todos
escritos na fazenda."
Buzaid costuma ser procurado por pessoas que já tentaram
todas as opções de tratamento,
e 75% de seus pacientes vêm de
outros Estados. "Vou até o limite. Se alguém tem uma chance
de 1%, vou atrás do 1%. Sou criticado por isso. Mas acho que
essa é a obrigação do médico."
Como o esforço nem sempre
é suficiente para salvar a pessoa, Buzaid diz que considera
sua área estressante. "A oncologia é frustrante porque você faz
100% de esforço e não tem
100% de retorno. Você usa o
melhor remédio, vê o doente
várias vezes e ele não melhora."
No dia da entrevista, ele contou que perdera uma paciente
de manhã e que é impossível
não se envolver. "A carga emocional envolvida na oncologia é
elevada. A paciente pergunta:
"E então, doutor, qual é o próximo passo?" E acabaram as armas, tecnicamente falando. Ela
pega o celular e mostra: "Esse é
o meu filho de dois anos". O médico tem que manter o profissionalismo, mas isso não quer
dizer que ele não sofra."
(FLÁVIA MANTOVANI)
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