São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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ONCOLOGIA

Quanto mais difícil, melhor

Antonio Buzaid, 50, que brincava de fazer pesquisa na infância, elegeu a luta contra o câncer por considerá-la desafiadora

DA REPORTAGEM LOCAL

O oncologista Antonio Carlos Buzaid, 50, teve seu primeiro contato com a pesquisa científica bem cedo. Quando tinha 12 anos, ganhou um pequeno laboratório, com cobaias e tudo, no qual fazia experimentos. "Tentei fazer criopreservação [preservação no gelo] de animais, mas não fui bem sucedido", brinca, e conta que seu pai, o jurista e ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid (1914-1991), nunca mediu esforços para que ele se dedicasse ao que gostava.
A escolha pela medicina foi consequência do interesse pelas ciências. Já a oncologia ele elegeu por considerá-la desafiadora. "Sempre gostei de situações complexas. Quando era residente, pedia para ficar com os casos mais complicados. E o paciente com câncer é mais difícil."
Com o tumor de pele no qual ele concentrou seus estudos também foi assim. "Quis pesquisar o melanoma porque era um câncer difícil. Ninguém queria estudá-lo."
Foi nos EUA, onde morou por 13 anos, que Buzaid se aprofundou na área. Na Universidade do Arizona, especializou-se em oncologia clínica e em hematologia. Primeiro brasileiro no programa, o médico diz ter sentido, inicialmente, um certo descrédito em relação a ele. Um ano depois, ganhou o prêmio de melhor aluno. "Havia um pouco de ceticismo. Mas, no final, eu já estava adaptado."
Depois de lecionar na Universidade Yale, em New Haven (Connecticut), Buzaid foi convidado para trabalhar no M. D. Anderson, um dos mais renomados hospitais de câncer do mundo, onde ganhou o prêmio de professor do ano. "A grande vantagem dos EUA é que eles estavam, em termos de tratamento do câncer, pelo menos dez ou 15 anos à nossa frente. Lá já se tinha o conceito do manejo multidisciplinar, do trabalho conjunto entre clínico e cirurgião", diz.
Quando voltou ao país, em 1998, esse foi um dos conceitos aplicados por ele no Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, que ajudou a construir. Buzaid diz que os médicos do centro trabalham, no mínimo, 12 horas diárias -há quem trabalhe até 15. Com ele não é diferente, e a correria é maior porque ele não gosta de se atrasar. "Sou muito pontual. Se o dia ficar curto, eu não almoço, como um sanduíche. É raro eu atrasar as consultas 15 minutos."
Casado pela segunda vez, com uma oncologista, Buzaid tem dois filhos: um menino de dois anos -"esse com cara de "global" aí; ele adora fazer pose", aponta no porta-retrato- e uma menina de nove meses.
Nos fins de semana, vai com a família para sua fazenda em Itatiba (SP), onde pratica windsurfe e artes marciais. Mas o trabalho continua: mesmo lá, ele estuda por seis horas, em média. "Meus livros são todos escritos na fazenda."
Buzaid costuma ser procurado por pessoas que já tentaram todas as opções de tratamento, e 75% de seus pacientes vêm de outros Estados. "Vou até o limite. Se alguém tem uma chance de 1%, vou atrás do 1%. Sou criticado por isso. Mas acho que essa é a obrigação do médico."
Como o esforço nem sempre é suficiente para salvar a pessoa, Buzaid diz que considera sua área estressante. "A oncologia é frustrante porque você faz 100% de esforço e não tem 100% de retorno. Você usa o melhor remédio, vê o doente várias vezes e ele não melhora."
No dia da entrevista, ele contou que perdera uma paciente de manhã e que é impossível não se envolver. "A carga emocional envolvida na oncologia é elevada. A paciente pergunta: "E então, doutor, qual é o próximo passo?" E acabaram as armas, tecnicamente falando. Ela pega o celular e mostra: "Esse é o meu filho de dois anos". O médico tem que manter o profissionalismo, mas isso não quer dizer que ele não sofra."
(FLÁVIA MANTOVANI)


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