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2002
Bola mais global
Torneio com gastos recordes e zebras subverte a ordem econômica mundial
ESPECIAL PARA A FOLHA
A Copa de 2002 anunciou
tendências do novo século.
Organizada pela primeira vez
fora do eixo Europa-América,
com sede compartilhada entre
Coreia do Sul e Japão, o Mundial manifestou claramente os
exageros da economia globalizada e teve os maiores custos
de organização da história.
A crescente midiatização ultrapassou 1 bilhão de espectadores assistindo pela televisão,
ao vivo, à partida final. A audiência cumulativa dos outros
63 jogos atingiu quase 28 bilhões de pessoas, espalhadas
por 196 países -ou 4,5 vezes a
população do planeta na época.
As novidades e a exuberância
não escondiam, porém, uma situação mundial bem contrastada. Tendo apenas 19% da população, os países mais desenvolvidos eram responsáveis pela
produção e consumo de 85%
dos bens totais. Mesmo no interior de zonas prósperas ocorriam claras desigualdades.
O fato de, no começo de
2002, ter passado a circular o
euro em 12 países europeus não
anulou diferenças significativas entre eles. Pelo contrário: a
uniformização monetária revelou disparidades insuspeitas,
como o fato de regiões mais pobres da Espanha ultrapassarem
a riqueza média de Portugal.
Mas a solidez institucional
permitia à Europa controlar
suas dificuldades mais eficientemente que os africanos.
O fim do apartheid criou uma
classe média negra na África do
Sul, o país mais rico do continente, mas também alargou o
fosso social. Metade da população do país vivia com pouco
mais de um dólar por dia.
Na maioria dos países africanos, a situação era ainda pior.
Em junho, paralelamente à Copa, ocorreram na África mais de
30 guerras civis e grassaram diversas epidemias -a de Aids
matou cerca de 3 milhões de
pessoas. Manifestou-se o recorrente flagelo da fome, que
atingiu 15 milhões de africanos.
Cerca de 60% da população
africana vivia na miséria.
Se o mundo nunca é igualitário, o futebol às vezes consegue
ser. A estreante seleção do Senegal alcançou as quartas de final por uma ironia da globalização: o time inteiro que derrotou
a França atuava justamente no
Campeonato Francês, e o técnico também era francês.
A Turquia, que não havia passado da primeira fase em sua
participação anterior, em 1954,
ficou em 2002 com o honroso
terceiro lugar da competição.
A Coreia do Sul, que na soma
de seus cinco Mundiais anteriores havia conquistado só
quatro pontos, em 2002 obteve
oito e ficou em quarto lugar.
O reverso da medalha também se fez presente, e países de
tradição no futebol ficaram pelo caminho. A Argentina, com
apenas uma vitória e um empate, nem chegou aos mata-matas. A França, campeã do Mundial-1998 e da Eurocopa-2000,
não marcou um único gol.
A Itália também foi eliminada nas oitavas de final pela zebra Coreia do Sul, que ainda
derrubaria outra favorita, a Espanha, na fase seguinte. Ao menos em parte, o futebol corrigia
certas hierarquias da história.
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)
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