São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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2002

Bola mais global

Torneio com gastos recordes e zebras subverte a ordem econômica mundial

ESPECIAL PARA A FOLHA

A Copa de 2002 anunciou tendências do novo século.
Organizada pela primeira vez fora do eixo Europa-América, com sede compartilhada entre Coreia do Sul e Japão, o Mundial manifestou claramente os exageros da economia globalizada e teve os maiores custos de organização da história.
A crescente midiatização ultrapassou 1 bilhão de espectadores assistindo pela televisão, ao vivo, à partida final. A audiência cumulativa dos outros 63 jogos atingiu quase 28 bilhões de pessoas, espalhadas por 196 países -ou 4,5 vezes a população do planeta na época.
As novidades e a exuberância não escondiam, porém, uma situação mundial bem contrastada. Tendo apenas 19% da população, os países mais desenvolvidos eram responsáveis pela produção e consumo de 85% dos bens totais. Mesmo no interior de zonas prósperas ocorriam claras desigualdades.
O fato de, no começo de 2002, ter passado a circular o euro em 12 países europeus não anulou diferenças significativas entre eles. Pelo contrário: a uniformização monetária revelou disparidades insuspeitas, como o fato de regiões mais pobres da Espanha ultrapassarem a riqueza média de Portugal.
Mas a solidez institucional permitia à Europa controlar suas dificuldades mais eficientemente que os africanos.
O fim do apartheid criou uma classe média negra na África do Sul, o país mais rico do continente, mas também alargou o fosso social. Metade da população do país vivia com pouco mais de um dólar por dia.
Na maioria dos países africanos, a situação era ainda pior. Em junho, paralelamente à Copa, ocorreram na África mais de 30 guerras civis e grassaram diversas epidemias -a de Aids matou cerca de 3 milhões de pessoas. Manifestou-se o recorrente flagelo da fome, que atingiu 15 milhões de africanos. Cerca de 60% da população africana vivia na miséria.
Se o mundo nunca é igualitário, o futebol às vezes consegue ser. A estreante seleção do Senegal alcançou as quartas de final por uma ironia da globalização: o time inteiro que derrotou a França atuava justamente no Campeonato Francês, e o técnico também era francês.
A Turquia, que não havia passado da primeira fase em sua participação anterior, em 1954, ficou em 2002 com o honroso terceiro lugar da competição.
A Coreia do Sul, que na soma de seus cinco Mundiais anteriores havia conquistado só quatro pontos, em 2002 obteve oito e ficou em quarto lugar.
O reverso da medalha também se fez presente, e países de tradição no futebol ficaram pelo caminho. A Argentina, com apenas uma vitória e um empate, nem chegou aos mata-matas. A França, campeã do Mundial-1998 e da Eurocopa-2000, não marcou um único gol.
A Itália também foi eliminada nas oitavas de final pela zebra Coreia do Sul, que ainda derrubaria outra favorita, a Espanha, na fase seguinte. Ao menos em parte, o futebol corrigia certas hierarquias da história.
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)

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