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Sinatra encarna o mito do cantor
JOSÉ LINO GRÜNEWALD
especial para a Folha
O primeiro cantor solista moderno superstar. Se é "um cantor
de salão, como gosta tanto de dizer, então o mundo inteiro é seu
salão".
Assim se manifestou David Wild
no texto que acompanha o CD dos
duetos de Frank Sinatra - grande
parte deles com outros intérpretes
também internacionalmente famosos. Ali ainda se lê o registro do
insuspeito Tony Bennett: "Conseguir cantar com Frank Sinatra é a
maior sensação do mundo".
"The voice"-a voz englobou
ouvintes de quase todos os códigos linguísticos do universo. Aqui
no Brasil, por exemplo, num dia
ameaçador de chuva, entupiu o
Maracanã. Era 26 de janeiro de
1980.
Se vai tornar-se mito, resta esperar alguma decorrência de tempo
após sua morte. Mas isso é mais do
que provável. O mito do cantor em
si (volta "the voice"), distante
dos cânones da ópera (o simples
bel canto: Caruso, Malibran) ou
daqueles ícones que o levam até o
misticismo, como é o caso de Carlos Gardel.
O farol que conduz e prosseguirá
conduzindo as massas à memória
de Sinatra não haverá de ser principalmente a imagem, e, sim, o
som. Se começou com a histeria
das fãs, as "bobby-soxers", acaba
na singela magnitude do grande
artista, profissional do belo.
Dizia ele: "Gosto de pintar, e, de
certo modo, a performance de
uma canção -ao vivo ou gravada- é igual: a realização de uma
bela obra de arte".
Se falamos no cantor e seu profissionalismo, necessário remeter,
em primeiro lugar, à música, ao
show, no palco, na tela, ao ar livre.
Todos os grandes compositores
populares passaram pela sua interpretação: Cole Porter, Irving
Berlin, Jerome Kern, George
Gershwin, Richard Rogers, Vincent Youmans e por aí afora.
E os acompanhamentos? A orquestra? Os discos? "Sempre gravei em estúdios, cercado pela orquestra. Tem sido o meio pelo
qual me sinto mais confortável e
melhor poderia me relacionar
com as alegrias da música e o processo de gravação. A meu ver, isso
oferece ao vocalista a capacidade
de estar muito mais envolvido
musicalmente do que o isolamento e a distância da cabine vocal."
"Gravar com uma orquestra
torna-se mais identificado com
uma performance autêntica -e
esse é o formato no qual fico mais
confortável."
"Há uma imensa reciprocidade
pessoal entre músico e vocalista,
que, para mim, é necessária a fim
de concretizar a interpretação
adequada de uma canção."
Em segundo lugar, o cinema. Sinatra compareceu em vários papéis, entre líricos, dramáticos e
cômicos. Foi cantor, marinheiro,
soldado, espião, detetive, gângster
etc. Ganhou um Oscar de melhor
coadjuvante, no filme de Fred Zinnemann "A um Passo da Eternidade".
Também protagonizou realizações de outros respeitáveis cineastas, como Otto Preminger, em "O
Homem do Braço de Ouro"
("Man with the Golden Arm");
Frank Capra, em "A Hole in the
Head"; John Frankenheimer, em
"The Mandchurian Candidate".
Do marinheiro ingênuo e risonho,
cantante e dançante, dos primeiros musicais, até o detetive da pesada, Tony Rome.
Uma trajetória, assim no cinema
como, especialmente, na música,
biográfica e espiritualmente bipartida por um personagem essencial em sua vida: Ava Gardner.
Da euforia ao "savoir-faire", do
espanto ao cinismo. Delícias e desvios das musas. E que musa.
Seu casamento com Ava marcou
época e o marcou em definitivo.
Ruy Castro demonstra isso em
"Saudades do Século 20". E, depois da separação, Sinatra ficaria
outro. O profissional total.
Em matéria de alegria e catarse,
nada de amém a governantes, sacerdotes ou militares. Há o artista.
Há o cantor. Fazem muito mais
bem às massas do que aqueles que,
em muitos casos, supostamente
sacrificam-se por elas.
O enterro de Gardel imobilizou a
Argentina. Aqui, o enterro de Chico Alves, em matéria de espontaneidade -de um dia pro outro-
foi o maior da história.
E, falando em Brasil, grande tacada de Sinatra foi o encontro e
trabalho com Tom Jobim. Colocou seu nome inteiro no disco que
fizeram juntos: Francis Albert Sinatra. Tino e competência também forjam mitos. E assim, all the
way.
José Lino Grünewald é poeta, tradutor e jornalista,
autor de "Um e Dois"
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