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ENTREVISTA
Recessão é inevitável, diz economista
Para José Alexandre Scheinkman, de Princeton, país tem de importar muito capital
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista brasileiro José
Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton (EUA), 53,
há 31 vivendo nos EUA, acha que
a recessão, no Brasil, será praticamente inevitável.
"Se tivesse que apostar, eu diria
que a possibilidade de recessão
aumentou muito", afirmou. Segundo ele, o Brasil já convivia
com o problema na Argentina e
com a desaceleração da economia
no mundo. A crise gerada com os
atentados terroristas nos EUA só
agravou a situação.
Scheinkman afirma que o que
faz o Brasil ser mais vulnerável
que outros países como o México
e o Chile é o fato de ter uma taxa
muito baixa de poupança doméstica. "Mesmo com números pífios
de investimento, nós temos de
importar muito capital", diz.
Só quando encontrar uma solução para esse problema, o Brasil
poderá, a seu ver, iniciar um processo consistente de redução das
taxas de juros. A seguir, a entrevista com o economista feita por
telefone na sexta-feira:
Folha - Como o senhor acha que a
economia mundial irá reagir à crise
gerada pelo ataque terrorista nos
Estados Unidos?
José Alexandre Scheinkman - O
grande perigo será como o consumidor irá reagir a essa ameaça de
guerra. O melhor exemplo é a
Guerra do Golfo. Os Estados Unidos já estavam num processo de
desaceleração econômica antes
da invasão do Kuait. Muitos analistas acham que a guerra detonou
um processo de queda de confiança da sociedade e isso levou à
recessão. Muita gente atribui a
derrota do presidente George
Bush pai nas eleições à recessão
dessa época.
Outro problema que contribuiu
para a recessão daquele período
foi o fato de a guerra ter influenciado os preços do petróleo. Hoje,
de novo, os mercados convivem
com esses mesmos receios. O preço do petróleo está perto de US$
30 o barril. Na Guerra do Golfo,
chegou a US$ 40. Na Guerra do
Golfo, tanto o Kuait como o Iraque eram grandes produtores de
petróleo, o que é diferente de hoje.
Os efeitos sobre o preço do petróleo só ocorrerão no caso de
uma retaliação econômica e se os
países atacados reduzirem a produção de petróleo. São esses os
dois perigos do momento na economia. Uma coisa importante para lembrar é que, até agora, a desaceleração americana ocorreu
do lado dos investimentos das
empresas. O consumidor americano manteve o consumo, o que
atenuou a desaceleração até agora. Se essa perna se enfraquecer, a
recessão será inevitável.
Folha - E o reflexo no Brasil?
Scheinkman - O Brasil é um sério
importador de capital. Mesmo
com números pífios de investimento, nós temos de importar
muito capital. A nossa taxa de
poupança interna está na faixa de
15% do PIB, e os nossos investimentos, em 19% do PIB. Portanto, para financiarmos esse investimento, precisamos importar 4%
do PIB de capital. Isso é um limitador importante. Embora nossa
dependência de petróleo não seja
tão alta, já que hoje produzimos
por volta de 70% a 80% do que
consumimos, nossa economia é
muito pouco integrada ao resto
do mundo. Por isso, um aumento
no preço do petróleo sempre impõe pressão na balança comercial.
Não deveria ser assim. O aumento
no preço do petróleo deveria ser
uma coisa trivial para a gente.
Folha - Foi um erro de política
econômica do Brasil deixar a economia muito fragilizada externamente?
Scheinkman - O maior erro do
Brasil foi não ter se integrado
mais com o resto do mundo. É
um erro dizer que o Brasil é uma
das economias mais abertas do
mundo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do planeta.
Tínhamos que estar importando
duas vezes mais e exportando
mais de duas vezes. O Brasil ficou
muito tempo desligado do resto
do mundo e, para se religar, vai
demorar algum tempo.
Folha - O dólar vai continuar em
alta no Brasil?
Scheinkman - O dólar hoje reflete exatamente a questão do prêmio de risco. Os prêmios de risco
de todos os países, inclusive do
Brasil, subiram muito. Apesar
disso, o Brasil não deve mudar a
política econômica. Agora, qualquer mudança será besteira. Numa situação de crise, o que deve
ser feito é exatamente o que os
bancos centrais americano e europeu fizeram e o que, na verdade, o Banco Central do Brasil também fez. Ou seja, garantir o sistema de pagamentos, dar liquidez
ao mercado. A crise é essencialmente política e, para que não se
transforme numa crise do sistema
financeiro, os bancos centrais
precisam dar liquidez ao mercado. Afinal, uma firma que tem dinheiro para receber dos Estados
Unidos não deveria ir à falência.
Trata-se de uma questão temporária. O dinheiro virá dos Estados
Unidos daqui a poucos dias.
Folha - Há espaço para o Brasil
baixar as taxas de juros?
Scheinkman - O Fed tem baixado
os juros substancialmente, desde
janeiro. Nós estamos certos de
que o Fed irá até acelerar essa política. O Banco Central Europeu
também deve baixar mais as taxas
de juros. Isso vai dar até um certo
espaço para uma queda dos juros
no Brasil. Mas o melhor é tomar
essa atitude no momento em que
ficar mais claro o que vai acontecer com a economia mundial.
Folha - O sr. acha possível o Copom baixar os juros nesta semana?
Scheinkman - Eu não sei o que
vai acontecer na reunião do Copom. A situação pode estar melhor, pior ou muito pior. Eventualmente, os juros vão ter que
baixar no Brasil. É claro que a política das taxas de juros está muito
ligada à questão do curto prazo. A
verdade, porém, é que os juros
reais no Brasil só serão mais baixos quando houver uma poupança mais adequada. Essa deveria
ser uma preocupação central tanto desse governo, como do próximo. Trata-se de um problema de
longo prazo. Só que os economistas não têm uma receita de como
aumentar a poupança. O fato é
que o Brasil tem uma taxa de poupança incompatível com juros razoáveis e com uma taxa de crescimento elevado.
Folha - No curto prazo, o senhor
acha difícil então a redução dos juros no Brasil?
Scheinkman - O Brasil ainda tem
dois problemas sérios externos.
Um é a Argentina, que está nessa
morte anunciada há meses. E outro, evidentemente, já era a desaceleração no mundo, agravada
agora com a confusão criada pelo
atentado terrorista.
Se tivesse que apostar agora, eu
diria que a probabilidade de recessão aumentou muito. Essa
combinação é difícil para o Brasil
porque o país precisa atrair capital de fora. Essa dependência externa dá muito pouca liberdade
para uma política de redução da
taxa de juros, desde que, claro,
não queira causar inflação. Afinal,
você sempre pode baixar a taxa
nominal de juros e provocar inflação depois.
O que deveria preocupar a gente, no entanto, não é o fato de a taxa de juros estar alta nesses meses,
e sim o fato de convivermos há
anos com taxa de juros real muito
alta. É muito difícil você viabilizar
projetos de investimento com essas taxas de juros médias que tivemos nos dois últimos anos. E a
única maneira de resolvermos esse problema é aumentando a
oferta de poupança doméstica no
país. O Brasil é um dos países que
têm a menor proporção de seus
investimentos financiados com
sua própria poupança.
A Argentina financia 77% de
seus investimentos, e o Brasil,
78%. O Chile, quase 100%. Mesmo o México financia 88% de seus
investimentos com poupança doméstica. Sem falar na Coréia, que
financiou mais de 100%. Esses números explicam por que a pressão
econômica é muito maior sobre o
Brasil e a Argentina do que sobre
o Chile ou o México.
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