|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEPRESSÃO RACIONAL
Bolsa terá década perdida, diz Shiller
Para o professor de Yale autor de "Exuberância Irracional", EUA terão "trimestres de recessão"
ESTELA CAPARELLI
RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL
No início do estouro das Bolsas
norte-americanas, em abril do
ano passado, o professor de Yale
Robert Shiller mandava para as livrarias dos EUA "Exuberância Irracional", uma coletânea dos estudos em que mostrava como as
grandes altas das ações eram episódios de mania financeira, impulsionada por investidores que
se comportavam como manadas
irracionais. A julgar pelos prognósticos que o professor adiantou
para a Folha a respeito dos efeitos
da "guerra na América" sobre a
economia, Wall Street pode reabrir amanhã com um perigoso estouro de boiada, com bandos de
investidores ávidos por vender
suas ações para escapar da recessão que, segundo ele, virá.
Shiller viu parte do centro financeiro de Nova York ruir de fato na terça-feira. Estava na rua no
momento dos ataques, teve terríveis náuseas com as cenas que
presenciou e diz ter receio que outros atentados ocorram.
"Encontrei pessoas que escaparam do prédio, que viram outras
pessoas se jogarem. Isso me fez
sentir enjoado. O WTC era um
símbolo de nosso país. Nunca
imaginei que o prédio pudesse ser
destruído."
Para Shiller o desastre humano
e econômico é só o começo de um
pesadelo. O professor prevê que a
partir de agora a Bolsa terá, durante 10 anos, um comportamento sofrível. Pior: serão três anos
com altas taxas de desemprego
em todo o mundo. Shiller, no entanto, não se considera um pessimista. "Teremos uma recessão.
Mas já tivemos muitas recessões.
Algumas foram recessões globais.
Elas terminaram e voltamos ao
curso normal", diz.
Shiller procurava mostrar em
seu livro que o preço das ações
pode subir em razão de um círculo vicioso: a alta da ação incentiva
as pessoas a comprarem o papel.
Mídia, propaganda, analistas e a
irracionalidade intrínseca do
mercado ajudam a fazer com que
esse círculo leve o preço do papel
às alturas, sem sustentação técnica ou econômica. No pico, qualquer evento -ou nenhum- pode desencadear uma "fúria vendedora", que culmina em dolorosos "crashes". Mas a reestréia de
Wall Street, amanhã, pode ser o
exato oposto de um pânico de
Shiller: uma depressão racional,
movida pelo medo de recessão
em um mercado já em longa e
aguda baixa. Por telefone, Shiller
deu a seguinte entrevista à Folha:
Folha - Quais as consequências
econômicas dos ataques?
Robert Shiller - Os ataques podem afetar a confiança dos consumidores, particularmente nos Estados Unidos, e piorar o quadro
de recessão. Acredito que este é
um evento semelhante ao da
Guerra do Golfo, que levou a uma
recessão. Na história, normalmente as recessões não têm sido
criadas por crises como essa. Mas
acredito que vamos passar por algo semelhante ao que aconteceu
após a Guerra do Golfo. Naquela
época, o ataque fez as pessoas pararem de gastar dinheiro. Lembro
que a guerra havia terminado em
janeiro de 1991, com a vitória dos
Estados Unidos em termos de tirar o Iraque do Kuait.
Se houver uma vitória dos Estados Unidos no caso dos atentados
da última semana, a confiança do
consumidor poderá ser retomada. Mas receio que não seja tão fácil alcançar uma vitória sobre os
terroristas.
Folha - Por quê?
Shiller - Porque não sabemos
nem mesmo quem eles são. O
problema é que, mesmo que eles
peguem os responsáveis, outros
podem tentar cometer o mesmo
ato de novo. E talvez o alvo não seja apenas os Estados Unidos.
Folha - Então o sr. acredita que o
problema pode não ser resolvido
com a punição dos terroristas responsáveis pelos atentados?
Shiller - Não necessariamente.
Mas quando um crime é cometido, muitas vezes há imitadores.
Essa apenas é uma preocupação.
É certo que, depois do atentado de
Oklahoma, não houve outros durante muitos anos. Então, talvez
este seja um evento isolado. Talvez tenhamos um final feliz, com
a quebra desse círculo em torno
dos terroristas e com a volta da
confiança dos consumidores.
Folha - Como vai ficar a economia
mundial nos próximos meses?
Shiller - Há várias possibilidades. Uma delas é o aumento dos
preços do petróleo porque pode
haver uma crise do Oriente Médio. A elevação dos preços pode
provocar uma retração nas economias. Além disso, uma retração
maior na economia norte-americana pode levar com ela outras
economias.
Mas não estou tão pessimista.
Teremos uma recessão. Mas já tivemos muitas recessões. Algumas
foram recessões globais. Elas terminaram e voltamos ao curso
normal.
Folha - Por quanto tempo essa recessão vai durar?
Shiller - No período pós-guerra,
elas nunca duraram mais que um
ano em termos da chamada "recessão", que é o período em que
as coisas ficam piores. Mas elas
tendem a durar dois ou três anos
em termos do nível de desemprego. Então, acredito que ela termine depois de alguns anos de altas
taxas de desemprego aqui (EUA)
e no mundo.
Folha - Qual é a participação da
exuberância irracional no quadro
de recessão?
Shiller - As pessoas no mundo
inteiro adquiriram muitas ações
de tecnologia. Essas ações no final
dos anos 90 subiram. O ano de 99
foi um grande ano para a maior
parte dos mercados no mundo todo. Depois, a maior parte dos
mercados caiu, especialmente as
ações de tecnologia. Nós temos
uma cultura global, mais do que
tínhamos no passado. Em todo o
mundo, as pessoas tinham um
otimismo exagerado. Então, o
ataque ao World Trade Center só
jogou gasolina no fogo.
Folha - Os ataques podem ter piorado um quadro econômico já complicado?
Shiller - Não acredito que as coisas sejam tão ruins. Haverá alguns
poucos trimestres de queda da
atividade econômica nos Estados
Unidos. Provavelmente o mundo
vai continuar a crescer, mas devagar. Talvez tenhamos alguns anos
de incertezas em relação ao ambiente de negócios.
Esta não será a época em que as
pessoas do mundo dos negócios
farão planos para grandes investimentos porque estamos juntando
os pedaços. Antes mesmo dos
atentados ao World Trade Center,
as empresas estavam com investimentos acima do desejado. Mas
depois isso vai mudar, haverá
crescimento e esses problemas serão esquecidos.
Folha - Quanto tempo esse período vai durar?
Shiller - Teremos altas taxas de
desemprego durante cerca de
dois anos. Mas, em relação ao
mercado de ações, acho que teremos uma queda nos próximos
dez anos a partir de agora. Não de
queda contínua, mas de performance medíocre, desapontadora.
O mercado estava muito valorizado. O mercado de ações subiu de
1982 até março de 2000.
Folha - A exuberância irracional
acabou?
Shiller - Não completamente. A
exuberância não parece tão exuberante agora (risos). Acredito
que esteja diminuindo. As pessoas agora preferem estar seguras
em vez de gastar por aí.
Folha - Quais serão as consequências para os países emergentes como o Brasil?
Shiller - O Brasil é afetado por
mercados ao redor do mundo. Se
houver uma queda nas Bolsas de
Valores nos Estados Unidos, não
será uma grande notícia para o
Brasil. E a recessão também vai
afetar o país.
Texto Anterior: Análise: Amanhã será o Dia D Próximo Texto: Análise - Eliane Cantanhêde: Queira ou não, Brasil entrará na guerra Índice
|