São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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E assim começa o século 21

John LabriolaAssociated Press
Executivo caminha por rua de Nova York, próxima ao World Trade Center, coberta de pó após o ataque às torres no dia 11


PAUL AUSTER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Notas esparsas
11 de setembro de 2001, 16h
 
Nossa filha de 14 anos começou hoje a cursar o ensino médio. Pela primeira vez na sua vida, ela tomou o metrô do Brooklyn para Manhattan -sozinha.
Ela não vai voltar para casa esta noite. Os trens do metrô não estão funcionando em Nova York, e minha mulher e eu demos um jeito de ela passar a noite com uns amigos no Upper West Side.
Menos de uma hora depois de ela passar sob o World Trade Center, as torres gêmeas caíram por terra.
 
Do piso superior de nossa casa, podemos ver a fumaça enchendo o céu da cidade. O vento sopra na direção do Brooklyn hoje, e o cheiro do fogo se entranhou em cada cômodo da casa. Um odor terrível, acre: plástico incinerado, fios elétricos, materiais de construção.
A irmã de minha mulher, que mora em TriBeCa, só dez ou 12 quarteirões ao norte do que um dia foi o World Trade Center, nos telefonou para contar sobre os gritos que ela ouviu após a primeira torre desabar . Amigos dela, que vivem em John Street, ainda mais perto do local da catástrofe, foram evacuados pela polícia depois que a porta do edifício deles foi posta abaixo pelo impacto. Eles andaram em direção ao norte em meio a entulho e escombros -os quais, contaram a ela, continham restos humanos.
 
Depois de ver as notícias pela televisão a manhã inteira, minha mulher e eu fomos dar uma volta pelo bairro. Muitas pessoas cobriam seus rostos com lenços. Alguns usavam máscaras de pintor. Eu parei e falei com o homem que corta meu cabelo, que estava parado em frente à sua barbearia vazia, com uma cara angustiada. Algumas horas antes, ele disse, a dona do antiquário ao lado tinha falado ao telefone com seu genro -que tinha ficado preso em seu escritório, no 107º andar do World Trade Center. Menos de uma hora depois de ela falar com ele, a torre desabou.
O dia inteiro, enquanto eu via as imagens horríveis na tela da televisão e observava a fumaça pela janela, eu fiquei pensando sobre meu amigo, o equilibrista Philippe Petit, que caminhou na corda-bamba entre as torres do World Trade Center em agosto de 1974, logo depois de concluída a construção dos edifícios.
Um homenzinho dançando em um arame a mais de uma milha de altura do solo -um ato de beleza indelével.
Hoje, o mesmo ponto se tornou um lugar da morte. Fico assustado ao ponderar quantas pessoas morreram.
Todos nós sabíamos que isso poderia acontecer. Nós falamos da possibilidade por anos, mas agora que a tragédia nos atinge, é muito pior do que qualquer um jamais imaginou.
O último ataque estrangeiro em solo americano aconteceu em 1812. O que aconteceu hoje não tem precedentes, e a consequência desse assalto será, sem dúvida, terrível. Mais violência, mais morte, mais dor para todos.
 
E, assim, finalmente começa o século 21.

Texto publicado originalmente no jornal italiano "La Repubblica"
Tradução de Francesca Angiolillo


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