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Isto não é Hollywood
WALTER SALLES
COLUNISTA DA FOLHA, EM NOVA YORK
Segunda, dez da noite. Chove
torrencialmente em Nova York.
Terça, 11 de setembro, oito da manhã. Sol, céu claro, uma luminosidade incomum. No café onde estamos perto da Washington
Square, tudo parece correr normalmente. Até que se ouve a primeira sirene. E mais uma, e outras
mais. Pessoas começam a sair a
rua. Olham para o alto, paralisadas. Uma das torres do WTC está
em chamas. As primeiras informações são desencontradas. Um
acidente de avião, ou uma bomba.
Não vi o segundo choque. Ou
melhor, vi através dos olhos incrédulos das pessoas à minha
frente. Também não ouvi o ruído
da explosão. Apenas os gritos parados no ar. Nove e meia. Centenas de pessoas ganham as calçadas. A partir daí, perde-se a noção
do tempo. Cada segundo parece
durar uma eternidade. Ninguém
se move. Toda uma cidade olha
gravemente para a mesma direção.
A imobilidade dos habitantes
contrasta com o fluxo incessante
de ambulâncias e carros de bombeiros. Algumas pessoas avançam
a pé em direção aos prédios em
chamas. Ainda não há barricadas.
Abaixo da Canal Street, aumenta
o fluxo contrário. Começa a evacuação da área atingida. E então, o
ruído ensurdecedor da primeira
torre que se desintegra, o turbilhão de pó que se abate sobre as
pessoas, os gritos agônicos. Pegue
as imagens da TV, e multiplique
por dez. O caos.
Começa o êxodo em direção a
"uptown". Carros de polícia continuam a mergulhar em sentido
contrário. Ouço mais gritos. Duas
mulheres negras choram, abraçadas. A segunda torre acaba de
ruir. Na loja de aparelhos eletrônicos, as imagens já são repetidas
em "slow motion".
Onze da manhã. Ecos da tragédia ainda são ouvidos ao longe.
Nas ruas, pessoas fazem fila para
falar nos telefones públicos. Os
celulares não funcionam. Ninguém parece querer acreditar no
que viu. O estupor estampado em
cada rosto.
Meio-dia. As lojas começam a
fechar. As ruas se esvaziam. Oito
da noite. Só os restaurantes dos
hotéis funcionam. Entro em um
deles. Está apinhado de gente com
os olhos grudados na TV. Entre
eles, o ator Bruce Willis, com a
aparência ainda mais catatônica
do que os cinco homens a sua volta. Sintomaticamente, aquele que
havia salvo prédios gigantescos
em "Duro de Matar" confrontava-se com uma nova evidência. A
fragilidade dos EUA.
Um amigo inglês, diretor de cinema, me disse ter assistido ao
ataque do WTC ao lado de outro
ator americano, Harrison Ford.
Mesma reação de incredulidade.
Hollywood se especializou em
fazer da tragédia um espetáculo,
mas também acostumou o público americano a acreditar que, em
situações-limite, seria sempre salvo pelo gesto individual do herói.
Dessa vez, não houve Indiana Jones que desse jeito. No Brasil, no
ano passado, o sequestrador do
ônibus 174 soltou aquele berro
lancinante: "Isto não é Hollywood". A mesma coisa poderia
ser dita das cenas vistas em 11 de
setembro de 2001 . Naquele dia, os
americanos confrontaram-se,
horrorizados, com a realidade.
Walter Salles é diretor de cinema, autor
de "Terra Estrangeira", de "Central do
Brasil" e do inédito "Abril Despedaçado"
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