São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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Isto não é Hollywood

WALTER SALLES
COLUNISTA DA FOLHA, EM NOVA YORK

Segunda, dez da noite. Chove torrencialmente em Nova York. Terça, 11 de setembro, oito da manhã. Sol, céu claro, uma luminosidade incomum. No café onde estamos perto da Washington Square, tudo parece correr normalmente. Até que se ouve a primeira sirene. E mais uma, e outras mais. Pessoas começam a sair a rua. Olham para o alto, paralisadas. Uma das torres do WTC está em chamas. As primeiras informações são desencontradas. Um acidente de avião, ou uma bomba.
Não vi o segundo choque. Ou melhor, vi através dos olhos incrédulos das pessoas à minha frente. Também não ouvi o ruído da explosão. Apenas os gritos parados no ar. Nove e meia. Centenas de pessoas ganham as calçadas. A partir daí, perde-se a noção do tempo. Cada segundo parece durar uma eternidade. Ninguém se move. Toda uma cidade olha gravemente para a mesma direção.
A imobilidade dos habitantes contrasta com o fluxo incessante de ambulâncias e carros de bombeiros. Algumas pessoas avançam a pé em direção aos prédios em chamas. Ainda não há barricadas. Abaixo da Canal Street, aumenta o fluxo contrário. Começa a evacuação da área atingida. E então, o ruído ensurdecedor da primeira torre que se desintegra, o turbilhão de pó que se abate sobre as pessoas, os gritos agônicos. Pegue as imagens da TV, e multiplique por dez. O caos.
Começa o êxodo em direção a "uptown". Carros de polícia continuam a mergulhar em sentido contrário. Ouço mais gritos. Duas mulheres negras choram, abraçadas. A segunda torre acaba de ruir. Na loja de aparelhos eletrônicos, as imagens já são repetidas em "slow motion".
Onze da manhã. Ecos da tragédia ainda são ouvidos ao longe. Nas ruas, pessoas fazem fila para falar nos telefones públicos. Os celulares não funcionam. Ninguém parece querer acreditar no que viu. O estupor estampado em cada rosto.
Meio-dia. As lojas começam a fechar. As ruas se esvaziam. Oito da noite. Só os restaurantes dos hotéis funcionam. Entro em um deles. Está apinhado de gente com os olhos grudados na TV. Entre eles, o ator Bruce Willis, com a aparência ainda mais catatônica do que os cinco homens a sua volta. Sintomaticamente, aquele que havia salvo prédios gigantescos em "Duro de Matar" confrontava-se com uma nova evidência. A fragilidade dos EUA.
Um amigo inglês, diretor de cinema, me disse ter assistido ao ataque do WTC ao lado de outro ator americano, Harrison Ford. Mesma reação de incredulidade.
Hollywood se especializou em fazer da tragédia um espetáculo, mas também acostumou o público americano a acreditar que, em situações-limite, seria sempre salvo pelo gesto individual do herói. Dessa vez, não houve Indiana Jones que desse jeito. No Brasil, no ano passado, o sequestrador do ônibus 174 soltou aquele berro lancinante: "Isto não é Hollywood". A mesma coisa poderia ser dita das cenas vistas em 11 de setembro de 2001 . Naquele dia, os americanos confrontaram-se, horrorizados, com a realidade.


Walter Salles é diretor de cinema, autor de "Terra Estrangeira", de "Central do Brasil" e do inédito "Abril Despedaçado"


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