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Direitos intelectuais como razões de Estado
Propriedade do conhecimento tornou-se um dos maiores focos de tensão no sistema econômico mundial
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Há pelo menos sete
anos a questão da
propriedade privada
do conhecimento, da
cultura e dos conteúdos opõe interesses no sistema econômico internacional.
A tensão é crescente e coincide
com a emergência da chamada
"nova economia", em que a liderança do desenvolvimento está
numa associação ainda mais estreita entre interesses empresariais e sistemas de pesquisa e inovação científica e tecnológica.
Coincide também com a Rodada
Uruguai de liberalização do comércio internacional que, a partir
de 1994, consagrou a pressão dos
países mais ricos por regras mais
rígidas no campo da transferência
de tecnologia.
No período anterior, antes da
criação da OMC (Organização
Mundial do Comércio), a prioridade era a redução progressiva
das tarifas sobre o comércio internacional. A partir de 1994, a prioridade recaiu sobre a implementação multilateral de direitos de
propriedade intelectual.
Na OMC, o tema ganhou uma
sigla: Trips ("trade-related aspects of intellectual property
rights"), ou seja, aspectos de propriedade intelectual relacionados
com o comércio. Patentes, marcas, copyright e indicações de origem entraram na agenda. A prioridade: garantir o respeito à propriedade de produtos, serviços,
tecnologias e modelos de gestão
(inclusive softwares), fonte maior
de royalties e lucros.
Como o poder tecnológico e a
capacidade de gerar direitos de
propriedade intelectual é maior
nos países ricos, sobretudo nos
EUA, a exigência de rigor na defesa desses direitos tornou-se uma
bandeira ameaçadora para muitos países menos desenvolvidos.
Na prática, a agenda foi estabelecida, mas os custos para sua implantação continuam elevados e
mesmo nos EUA surgiram dissidências entre economistas e autoridades. Afinal, o caso Microsoft e
o conflito judicial em torno do
Napster nada mais são do que instâncias em que os direitos de propriedade intelectual sofrem abalos estruturais, provocados pela
própria tecnologia (da internet ao
compartilhamento de servidores,
passando por novos modelos de
desenvolvimento de softwares de
código aberto).
Além da OMC, atua a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo é a sigla em inglês).
Na pauta dessa instituição está a
promoção de seminários e projetos voltados à difusão dos princípios de proteção à propriedade
intelectual na África, nos Estados
árabes, na Ásia e na América Latina. Na página da internet da Wipo (www.wipo.int) há textos em
espanhol, francês, inglês e árabe.
De modo ainda mais amplo,
surgiu uma forte reação contra o
acordo em torno do Trips por se
tratar de um mecanismo que
obrigaria os governos nacionais a
protegerem de modo prioritário
os interesses privados de empresas e investidores estrangeiros.
Os EUA não conseguiram, por
exemplo, criar consenso em torno
de um acordo global sobre a proteção aos investimentos de empresas multinacionais. A propriedade do conhecimento humano
tornou-se portanto um dos mais
importantes focos de tensão no
sistema econômico mundial.
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