São Paulo, domingo, 17 de maio de 1998

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Energia sob a água


Desafio é conciliar a exploração do mar com a manutenção do equilíbrio ambiental; França já utiliza o movimento das marés para produzir energia elétrica, e uma usina do Havaí usa a diferença de temperatura entre a água da superfície e a do fundo; minérios do leito permanecem inexplorados


RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Quem já esteve em São Luís do Maranhão sabe do que o mar é capaz, e consegue entender o que os oceanos poderão significar para a humanidade em termos econômicos -hoje, algo ainda bem distante do potencial. São Luís tem uma maré impressionante. Vários metros separam a maré alta da baixa. Em um momento tudo é seco, os barcos ficam atolados na lama; horas depois, o mesmo trecho é coberto por água azul.
Essa diferença entre as marés faz vários anos é utilizada em uma região da França para gerar energia elétrica. Uma usina desse tipo poderia ser instalada no Maranhão, e em outros raros pontos do planeta Terra nos quais existe uma diferença tão radical entre as marés.
Esse é apenas um modo de usar a energia dos oceanos, que só recentemente começou a ser aproveitado. Apesar de ocuparem três quartos da superfície do planeta, os oceanos são pouco utilizados para produzir algo essencial ao desenvolvimento humano: a energia.
O simples movimento dessa enorme massa de água é uma fonte de energia. A maneira mais comum de usar a força da água é a utilizada pelas usinas hidrelétricas, nas quais a água em movimento de rios e represas move turbinas geradoras de eletricidade.
O mesmo pode ser feito com o movimento de água das marés, e também com as ondas que incessantemente quebram nas praias.
A tecnologia hoje existente permite criar usinas como a francesa, ou outras, ainda pequenas, que utilizam o poder das ondas. Mesmo a diferença de temperatura entre as várias camadas de água dos mares pode servir para produzir energia -de certo modo, o mesmo acontece nas geladeiras.
Existe uma usina no Havaí (EUA) que usa a água quente da superfície do mar, vaporizando-a no vácuo e utilizando o vapor resultante para mover turbinas de geração de eletricidade. O vapor é condensado (volta ao estado líquido) graças a água mais fria do mar.
Esse processo permite acoplar duas outras utilizações economicamente viáveis do mar. A água mais fria é rica em nutrientes, e portanto pode servir para a produção de peixes e frutos do mar; já o vapor, ao ser condensado, torna-se água sem sal (destilada), para irrigação ou consumo humano.
Esse último exemplo mostra o tamanho do desafio das futuras tecnologias. Ao aproveitar a água do mar sem criar problemas de poluição, uma usina como a havaiana torna-se um modelo "ecologicamente correto".

Sal e água

Já outras maneiras de usar o potencial econômico dos mares poderão criar subprodutos indesejáveis. Isso é exemplificado pelos dois empregos comerciais mais comuns dos mares -a produção de sal e a dessalinização da água.
Quando se retira água do mar ou sal da água, cria-se um desequilíbrio local que pode afetar a fauna. E as faunas marinhas dos estuários, das praias e da plataforma continental são as mais produtivas biologicamente. Qualquer problema, e a produção de pescado sofre.
Evitar esses danos ecológicos é o principal desafio das futuras tecnologias que pretendem aproveitar o potencial econômico dos mares e das terras por eles cobertas.
Existe uma continuidade geológica óbvia entre as terras litorâneas e a plataforma continental. Se existe uma jazida mineral próxima ao mar, é provável que ela continue debaixo d'água. Esse é o caso do petróleo, hoje o principal produto mineral extraído do mar.
Como o petróleo é uma mercadoria relativamente cara, tornou-se viável explorá-lo no mar, o que exige investimentos maiores do que em terra. Mesmo explorar petróleo em águas profundas tornou-se economicamente viável -uma tecnologia na qual o Brasil deu passos importantes.
Essa continuidade geológica com a plataforma continental pode significar que jazidas comparáveis às terrestres estejam relativamente próximas da costa. Há pelo menos um caso conhecido de depósitos minerais que, segundo a mineradora interessada, já poderiam hoje constituir-se em uma operação economicamente viável.
Trata-se de uma área de mar próxima da Papua-Nova Guiné, no oceano Pacífico, que despertou a atenção da empresa australiana Nautilus Minerals Corporation.
Os australianos já fizeram um acordo para a exploração comercial com Papua-Nova Guiné, em cujas águas territoriais estão os depósitos, próximos de vulcões submarinos. Há planos de iniciar a mineração nos próximos anos.
A presença dos vulcões deve ter ajudado na concentração mineral, pois os minérios apresentam proporções altas (acima dos padrões terrestres) de zinco, cobre e prata.
O fundo dos mares oferece outras opções. Existem depósitos de nódulos metálicos espalhados pelo fundo dos oceanos, que prometem ser a grande fonte de vários metais no futuro, quando os depósitos em terra tiverem se esgotado.
Os nódulos contêm principalmente manganês, mas seu valor potencial está também no fato de apresentarem concentrações de outros elementos, como cobalto.
Para minerar esse recurso será necessário utilizar navios capazes de fazer a dragagem do mar a vários quilômetros de profundidade. A tecnologia eventualmente poderá ser desenvolvida -é tudo uma questão de custos e benefícios.
Sobram dois problemas complicados -um político e outro ambiental. A dragagem do fundo do mar poderá afetar a fauna abissal, com reflexos possivelmente até mesmo na fauna mais à superfície (e mais valiosa economicamente).
E boa parte desses nódulos metálicos se encontra debaixo de águas internacionais. Quem teria o direito de minerá-los? E para quem seriam pagos os impostos?
Existe um precedente que é a exploração da Antártida. O continente austral foi considerado por acordo internacional uma área livre de exploração mineral. Na base dessa decisão estiveram os riscos de poluição desse continente praticamente virgem, e a impossibilidade de haver um consenso sobre reivindicações territoriais.
Os oceanos talvez não tenham a mesma sorte. Assim como ainda existe pesca ilegal, poderá haver no futuro a mineração ilegal, se a humanidade não conseguir chegar a acordos sensatos e monitoráveis.
Para explorar economicamente o oceano sem criar os problemas que novas tecnologias costumam trazer, é imprescindível conhecê-lo melhor. Curiosamente, o ser humano começou a corrida espacial antes mesmo de conhecer completamente o seu planeta.
Para se ter uma idéia do que falta saber sobre o mar, basta lembrar que só dois homens estiveram na parte mais funda do oceano, a quase 11.000 metros de profundidade: o suíço Jacques Piccard e o americano Don Walsh, em 1960, a bordo do batiscafo Trieste. Em contraste, de 1969 a 1972, 12 astronautas puseram os pés na Lua.



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