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O nascimento de uma palavra: "quixotesco"
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
Uma das funções tradicionais
da literatura é descrever e esmiuçar a variedade de comportamentos humanos bem como as circunstâncias que os envolvem.
Certos autores desempenharam
esse papel com tamanho sucesso
que seus nomes ou o de alguns de
seus personagens se transformaram em substantivos comuns ou
em adjetivos cuja menção evoca
imediatamente, inclusive entre
aqueles que nunca leram suas
obras, um tipo humano qualquer,
um temperamento, uma situação
específica etc.
"Quixotesco" é um termo assim. Segundo o "Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa"
seu principal sentido é o de alguém "generosamente impulsivo,
sonhador, romântico, nobre, mas
um pouco desligado da realidade". Para Caldas Aulete trata-se
de algo ou alguém "ousado, irrealista, utópico".
"Quixotic", de acordo com o
"Merriam-Webster Online Dictionary", quer dizer "tolamente
despido de espírito prático, sobretudo quando se dedica aos
ideais (...)". "The American Heritage Dictionary of the English
Language" dá a seguinte definição: "Envolvido na aventura romântica de proezas e dedicado a
alcançar metas inatingíveis".
Já os espanhóis usam mais freqüentemente o substantivo, "quijote", que o "Diccionario de la
Real Academia Española" define
como "homem que antepõe seus
ideais a sua conveniência e trabalha (...) em defesa de causas que
julga justas, sem consegui-lo".
O nome do herói (ou anti-herói) de Cervantes, o fundador do
moderno romance ocidental, é o
de uma parte da armadura dos cavaleiros, uma peça de arnês destinada a cobrir a coxa e, vindo justamente de "coxa" em latim, chegou ao castelhano através da palavra catalã "cuixot".
Uma maneira simples e rápida
de se descobrir quão difundido
um termo se tornou é pesquisá-lo
no Google. Como esse mecanismo de busca recobre melhor o inglês, jogando ali "quixotic" obtive
nada menos que 604 mil resultados. Para se ter uma idéia do que
isso significa, basta verificar
quantos resultados rende a pesquisa de outra expressão célebre,
"kafkaesque" (kafkiano): 96.300.
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