São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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NA TRILHA DE D. QUIXOTE 8

As altas cavalarias já correm em estampas

Esse estranhamento não envolve apenas as citações do apócrifo, concentradas no terço final de "O Engenhoso Cavaleiro...", mas se faz sentir desde sua frase inicial, "Conta Cide Hamete Benengeli...", reveladora de que os manuscritos do "historiador arábico" não se esgotaram no primeiro livro, ao contrário do que nele se dá a entender. Pouco depois, o paradoxo ganha corpo com a notícia-bomba que Sancho dá a seu amigo e senhor às vésperas da terceira saída: a história deles "já anda em livros, com o nome de "O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de La Mancha'".O que leva à assombrosa dedução de que os escritos de Cide Hamete se projetam ao futuro e relatam sua própria publicação, com suas vicissitudes e conseqüências. Mesmo quem passar ao largo de tais labirintos não deixará de estranhar a rapidez da edição, sabendo que a narração é retomada menos de um mês após o retorno de D. Quixote no carro de bois.
Ele mesmo, ao tomar conhecimento da existência de tão sonhado livro, "não se podia persuadir de que tal história houvesse, pois ainda não estava seco no gume de sua espada o sangue dos inimigos que matara, e já queriam que suas altas cavalarias corressem em estampa". Diante do enigma, "imaginou que algum sábio" as publicara "por arte de encantamento". Explicação tão previsível quanto poderosa, pois só mesmo um "sábio encantador" digno da imaginação quixotesca seria capaz de operar tamanhos prodígios.


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