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ANÁLISE
A globalização foi usada como arma
Terror explorou fragilidade, diz Hobsbawm
Associated Press - 15.set.01
![](../images/e1809072001.jpg) |
Homem vende chá usando placa de propaganda da Coca-Cola na cidade paquistanesa de Torkham, na fronteira com o Afeganistão |
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os terroristas que lançaram dois
aviões contra o World Trade Center e um sobre o Pentágono, há
uma semana, usaram a globalização como arma.
Esta é a interpretação para a série de atentados do historiador
Eric Hobsbawm, professor emérito de história econômica e social
da Universidade de Londres e autor de, entre outros livros, "A Era
dos Extremos".
Em entrevista à Folha, Hobsbawm, 84, um dos maiores historiadores vivos, sustenta que os extremistas não apenas se aproveitaram da liberdade de movimento e fácil acesso à informação para
viabilizar o atentado. Souberam
atacar no exato instante em que os
EUA demonstram vulnerabilidade econômica (espelhada na recessão) e política (a escalada de
hostilidade com que seus aliados
no Oriente Médio têm de lidar).
"O mundo moderno é extremamente vulnerável a qualquer tipo
de interrupção em seus fluxos
normais. Os terroristas foram
bem-sucedidos em explorar isso.
Em períodos de sensibilidade generalizada, atos terroristas podem fazer uma diferença", disse
de sua casa, em Londres.
Apesar do perigo que representam, os grupos terroristas não
têm, na visão de Hobsbawm, capacidade para destruir um Estado, quanto mais uma superpotência como os EUA. Por isso, acha
que não há motivo para histeria.
Autor da tese de que o século 20
foi "breve", por ter se estendido
da Primeira Guerra Mundial
(anos 10) à queda do chamado socialismo real (virada dos anos 80 e
90), ele acha que os atentados são
o início de uma "nova era". O
trauma para os EUA, na opinião
dele, é inigualável: maior até que o
do assassinato do presidente John
Fitzgerald Kennedy, em 1963.
O historiador vê riscos "episódicos" para as liberdades civis. Mas
se mostra confiante de que a democracia americana resistirá.
Folha - Por que um ataque tão
violento a símbolos do poder econômico e militar norte-americano?
Eric Hobsbawm - Seria mais fácil
saber se conhecêssemos exatamente quem o realizou. Mas é claramente um grupo de revolucionários islâmicos, fundamentalistas, porque há muito ressentimento, particularmante no mundo islâmico, contra os EUA. Em
parte porque é a maior superpotência imperialista e, mais especificamente, por causa do conflito
palestino-israelense.
Folha - Qual foi o alvo exato dos
ataques?
Hobsbawm - Foi um ataque aos
EUA. É um ataque feito por pessoas que estão extremamente
bem-organizadas e que, eu acho,
descobriram que o mundo moderno é ao mesmo tempo globalizado e extremamente complexo.
Portanto, sensível, vulnerável a
qualquer tipo de interrupção em
seus fluxos normais. E exploraram isso de forma bem-sucedida.
Folha - Então a globalização foi
usada como arma?
Hobsbawm - Tornou-se possível
haver movimentos como esse por
causa da moderna globalização.
Esta é uma operação que foi feita,
digamos, por 50 a 100 pessoas.
Quase todas moravam nos EUA
havia um ou dois anos.
O mundo hoje está cheio de pessoas indo de um país para outro,
não é nada surpreendente. Cinquenta anos atrás, seria surpreendente encontrar um grupo de 25,
30 jovens sauditas ou iemenitas
em qualquer universidade. Hoje,
encontrá-las em universidades
alemãs, americanas ou canadenses é normal. Isso viabiliza este tipo de atividade terrorista global.
Folha - Seria também um ataque
contra a globalização?
Hobsbawm - Não. O ataque é político. Os terroristas sabem que
não podem nem pensar em vencer uma guerra contra os EUA.
Mas podem desestabilizar a situação nos países muçulmanos afinados com o Ocidente cujos governos não têm apoio das massas.
E, se você pensar que estas pessoas estão querendo derrubar governos na Arábia Saudita ou mesmo no Egito, pense como um
grande gesto público contra os
EUA teria implicações enormes
nestes países, em que grupos menores representam uma força política em posição de afetar os governos locais. Os alvos reais são
todos os governos destes Estados
nominalmente muçulmanos que
são apoiados pelos americanos e
apóiam os americanos.
Folha - Pode ser feita alguma
comparação entre os objetivos destes grupos e a onda de protestos
anticapitalismo que também têm
os EUA como alvos principais?
Hobsbawm - A única raiz comum que existe é que os movimentos antiglobalização também
operam globalmente. São também, em larga medida, movimentos de minorias. E operam por
enormes golpes de publicidade.
Mas é tudo. Não há absolutamente outras similaridades.
Os movimentos terroristas são
conduzidos por um número pequeno de pessoas, que não tentam
mobilizações de massa. Não acho
que se interessem pelos temas dos
movimentos antiglobalização, como meio ambiente.
Folha - É célebre a análise que o
sr. fez de que o século 20 foi breve,
por ter começado com a Primeira
Guerra. Nos últimos dias, tem sido
feita uma analogia com essa tese,
pela qual o século 21 começa com
estes atentados. O sr. concorda?
Hobsbawm - O ataque é obviamente parte de uma nova era.
Não é similar a nada do século 20,
exceto em um aspecto: no curso
das últimas décadas do século 20,
tornou-se claro para os governos
que seria muito difícil, sob as condições de uma democracia liberal,
eliminar a atividade armada de
pequenos grupos. Os governos
perderam o monopólio da força
física. Estes pequenos grupos não
podem vencer, mas são muito difíceis de eliminar.
Nós, na Inglaterra, temos tido
problemas com o IRA [grupo
guerrilheiro que luta pela separação da Irlanda do Norte do Reino
Unido" por 30 anos e eles ainda
estão lá. Na Espanha, temos um
problema similar com o ETA
[grupo separatista basco]. A capacidade dos terroristas de interromper o funcionamento dos
EUA ou mesmo de países pequenos é muito limitada. Mas, em períodos de sensibilidade generalizada, podem fazer uma diferença.
Folha - Eles escolheram então o
momento em que os EUA caminham para a recessão para atacar?
Hobsbawm - Sim. A situação
econômica é mais frágil e economicamente este evento teve um
impacto muito maior do que politicamente. Mas o poder dos terroristas é extremamente limitado e
não deveríamos ficar histéricos.
Folha - Qual será o tamanho deste trauma nos EUA? É comparável
ao assassinato de Kennedy ou à
Guerra do Vietnã?
Hobsbawm - Tenho certeza de
que é um trauma enorme para os
americanos porque, pela primeira
vez na história, operações militares estrangeiras tiveram um impacto no território dos EUA.
No século 20, um século cheio
de guerras mundiais, elas aconteciam em qualquer outro lugar que
não nos EUA. Agora, pela primeira vez, o centro exato dos EUA, o
centro militar, o centro econômico, foi diretamente afetado. E este
é o trauma. Não é o fato de 5.000
pessoas terem sido mortas, o que
é terrível e estarrecedor, mas na
verdade não é maior do que outras catástrofes. O trauma é que
isto aconteceu sem a ajuda de nenhum Estado estrangeiro, só pela
ação de algumas dúzias de pessoas sequestrando aviões com canivetes, que destruíram áreas de
Manhattan e do Pentágono. Por
causa disso, me parece que é muito mais importante que o assassinato de Kennedy, que não mudou
muita coisa na política americana.
Folha - Que tipo de consequência
haverá para os fundamentos da nação americana? O sr. teme que o
combate ao terrorismo resulte em
supressão de liberdades civis?
Hobsbawm - Eu acho que a estrutura da República americana é
suficientemente forte para resistir
a isso. A democracia americana
vai continuar, mas sem dúvida
haverá episódios em que os americanos tentarão ficar mais burocráticos ou limitar liberdades civis. Mas serão apenas episódios.
A força da América está na natureza pluralista de sua estrutura.
Na última terça-feira, por cerca de
24 horas, pareceu a mim, vendo
de longe, que o Estado americano
virtualmente se desintegrou.
Houve um período de 12 horas
em que ninguém sabia onde o
presidente estava, nada parecia
funcionar. Ainda assim, os EUA
seguiram em frente. Essa é a grande força dos EUA: a capacidade de
seguir adiante, apesar dos colapsos temporários.
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