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PÓS-CHOQUE
Para Naomi Klein, mentora de grupos antiglobalização, há tentativa de calar vozes contrárias à política norte-americana
Crítica à hegemonia dos EUA está ameaçada, diz ativista
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Os atentados suicidas ocorridos
nos EUA estão sendo usados politicamente pelas autoridades para
silenciar seus críticos, e a provável
retaliação americana contra seus
supostos autores provocará mais
"estragos colaterais", de acordo
com a jornalista canadense Naomi Klein, autora de "No Logo"
("Sem Marca") e uma das maiores mentoras dos movimentos
antiglobalização oriundos de países desenvolvidos.
Para ela, o cerceamento das liberdades civis dos cidadãos por
parte das autoridades americanas
para facilitar as investigações e
evitar novos atos terroristas é grave, mas não tão importante quanto a tentativa oficial de calar movimentos que criticam a conduta do
governo dos EUA e sua "obsessão
com o mercado livre", encarnada
pelo fenômeno da globalização.
"A questão mais dramática diz
respeito à utilização política de
um momento tão trágico. Por
exemplo, qualquer pessoa que, no
passado, se tenha mostrado contrária à doutrina americana ou tenha salientado os limites do mercado livre tem sido alvo de ataques exclusivamente políticos",
disse Klein à Folha.
"Com isso, as autoridades buscam impedir qualquer discussão
crítica sobre a política externa dos
EUA ou sobre a supremacia do
capitalismo neoliberal. Elas querem que paremos de pensar. A
idéia de que um "outro mundo é
possível" está ameaçada. Corremos o risco de assistir à volta da
hegemonia americana, pois a sociedade civil crítica terá dificuldade em enfrentá-la, como vinha
acontecendo recentemente."
"O governo está usando o horror da situação atual para tentar
calar seus detratores. Isso é um
ataque ainda mais grave às liberdades civis do que a possibilidade
de que a CIA [agência de inteligência dos EUA] esteja monitorando minhas conversas telefônicas", declarou Klein.
"Estragos colaterais"
Segundo ela, os políticos americanos em geral, republicanos ou
democratas, também têm utilizado o momento para convencer a
população civil a entrar numa nova guerra. Ela diz temer que essa
atitude leve a um ataque cego, "a
uma caça às bruxas".
"Isso abriria caminho para mais
estragos colaterais como os que,
na verdade, colocaram os EUA na
situação atual. Afinal, [o milionário terrorista saudita] Osama bin
Laden nada mais é do que um estrago colateral provocado pela
Guerra do Afeganistão [1979-1989, entre a URSS e o Afeganistão]", indicou Klein.
"O termo "estrago colateral" é
terrível, pois, além da morte de civis inocentes, engloba qualquer
outra consequência não-intencional de uma campanha militar.
Ora, Bin Laden só é tão poderoso
hoje por causa do apoio e do financiamento que Washington lhe
ofereceu durante a Guerra do Afeganistão, já que ele lutava contra a
URSS", acrescentou.
Para ela, os EUA "geraram esse
monstro e criarão outros se atacarem indiscriminadamente o Afeganistão em busca de vingança".
"Ademais, seu ódio foi alimentado por outros estragos colaterais,
como os ocorridos durante a
Guerra do Golfo [1991]."
"As sanções contra o Iraque e os
bombardeios americanos que
ainda são realizados no sul do país
também se inserem nessa lógica.
A idéia de que Washington pode
causar novos estragos colaterais é
aterradora. Afinal, [o iraquiano]
Saddam Hussein, que lutava contra o Irã, e [o iugoslavo] Slobodan
Milosevic foram casos típicos de
estragos colaterais que se voltaram contra os EUA", disse Klein.
De acordo com a jornalista, o
único modo de opor-se a essa nova ameaça é organizar protestos
contra uma resposta militar maciça aos atentados ocorridos na
Costa Leste. Contudo esse esforço
não deve ser fácil, pois, no momento atual, é difícil levantar a
voz contra o governo de um país
que "sofreu um ataque bárbaro".
"Mesmo as pessoas mais aguerridas não se sentem à vontade para fazer isso após uma tragédia
tão grande. Mas é crucial lutar
contra qualquer ponto de vista
que defenda mais violência."
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