São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2001

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PÓS-CHOQUE

Para Naomi Klein, mentora de grupos antiglobalização, há tentativa de calar vozes contrárias à política norte-americana

Crítica à hegemonia dos EUA está ameaçada, diz ativista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os atentados suicidas ocorridos nos EUA estão sendo usados politicamente pelas autoridades para silenciar seus críticos, e a provável retaliação americana contra seus supostos autores provocará mais "estragos colaterais", de acordo com a jornalista canadense Naomi Klein, autora de "No Logo" ("Sem Marca") e uma das maiores mentoras dos movimentos antiglobalização oriundos de países desenvolvidos.
Para ela, o cerceamento das liberdades civis dos cidadãos por parte das autoridades americanas para facilitar as investigações e evitar novos atos terroristas é grave, mas não tão importante quanto a tentativa oficial de calar movimentos que criticam a conduta do governo dos EUA e sua "obsessão com o mercado livre", encarnada pelo fenômeno da globalização.
"A questão mais dramática diz respeito à utilização política de um momento tão trágico. Por exemplo, qualquer pessoa que, no passado, se tenha mostrado contrária à doutrina americana ou tenha salientado os limites do mercado livre tem sido alvo de ataques exclusivamente políticos", disse Klein à Folha.
"Com isso, as autoridades buscam impedir qualquer discussão crítica sobre a política externa dos EUA ou sobre a supremacia do capitalismo neoliberal. Elas querem que paremos de pensar. A idéia de que um "outro mundo é possível" está ameaçada. Corremos o risco de assistir à volta da hegemonia americana, pois a sociedade civil crítica terá dificuldade em enfrentá-la, como vinha acontecendo recentemente."
"O governo está usando o horror da situação atual para tentar calar seus detratores. Isso é um ataque ainda mais grave às liberdades civis do que a possibilidade de que a CIA [agência de inteligência dos EUA] esteja monitorando minhas conversas telefônicas", declarou Klein.

"Estragos colaterais"
Segundo ela, os políticos americanos em geral, republicanos ou democratas, também têm utilizado o momento para convencer a população civil a entrar numa nova guerra. Ela diz temer que essa atitude leve a um ataque cego, "a uma caça às bruxas".
"Isso abriria caminho para mais estragos colaterais como os que, na verdade, colocaram os EUA na situação atual. Afinal, [o milionário terrorista saudita] Osama bin Laden nada mais é do que um estrago colateral provocado pela Guerra do Afeganistão [1979-1989, entre a URSS e o Afeganistão]", indicou Klein.
"O termo "estrago colateral" é terrível, pois, além da morte de civis inocentes, engloba qualquer outra consequência não-intencional de uma campanha militar. Ora, Bin Laden só é tão poderoso hoje por causa do apoio e do financiamento que Washington lhe ofereceu durante a Guerra do Afeganistão, já que ele lutava contra a URSS", acrescentou.
Para ela, os EUA "geraram esse monstro e criarão outros se atacarem indiscriminadamente o Afeganistão em busca de vingança". "Ademais, seu ódio foi alimentado por outros estragos colaterais, como os ocorridos durante a Guerra do Golfo [1991]."
"As sanções contra o Iraque e os bombardeios americanos que ainda são realizados no sul do país também se inserem nessa lógica. A idéia de que Washington pode causar novos estragos colaterais é aterradora. Afinal, [o iraquiano] Saddam Hussein, que lutava contra o Irã, e [o iugoslavo] Slobodan Milosevic foram casos típicos de estragos colaterais que se voltaram contra os EUA", disse Klein.
De acordo com a jornalista, o único modo de opor-se a essa nova ameaça é organizar protestos contra uma resposta militar maciça aos atentados ocorridos na Costa Leste. Contudo esse esforço não deve ser fácil, pois, no momento atual, é difícil levantar a voz contra o governo de um país que "sofreu um ataque bárbaro".
"Mesmo as pessoas mais aguerridas não se sentem à vontade para fazer isso após uma tragédia tão grande. Mas é crucial lutar contra qualquer ponto de vista que defenda mais violência."


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