|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MUNDO
Fugas de capitais, tropeços do modelo liberal e calotes de governos e empresas secam onda de dinheiro farto para emergentes, que sustentou o real e a reeleição em 98; crise de crédito e confiança auxilia vitória da oposição
Economia enfrenta cinco crises mundiais
Jean-Pierre Muller/France Presse
|
|
RELAÇÕES EXTERIORES Ao lado do premiê canadense Jean Chretien, o então presidente norte-americano, Bill Clinton, "segura" o brasileiro para foto oficial na Cúpula da Terceira Via, em Berlim
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
O primeiro mandato da era FHC coincidiu com
o mais extraordinário fluxo privado de
capitais para países emergentes da história. O
segundo, com um corte abrupto desse fluxo e a
multiplicação das críticas contra a liberalização
financeira no mundo. Mais especificamente, críticas
ao Consenso de Washington, expressão que simboliza
um conjunto de medidas de estabilização monetária,
disciplina fiscal e abertura comercial pregadas aos
países emergentes por instituições como o Banco
Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional).
O vaivém da economia mundial
moldou o perfil econômico e político do Brasil entre 1995 e 2002. A
bonança de dinheiro mudou a cara do país e propiciou a fácil reeleição do presidente, em 1998. Já a
posterior secura do crédito fortaleceu o discurso oposicionista e
garantiu a eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva em 2002.
O alto fluxo de investimentos
privados esclarece, por exemplo,
como Fernando Henrique Cardoso conseguiu combater a inflação
sem cortar gastos até 1998, quando o ingresso maciço de investimentos diretos e as aplicações externas nas Bolsas compensaram o
déficit externo e sustentaram um
modelo cambial incompatível
com a balança comercial do país,
negativa entre 1995 e 2000.
Nos últimos dois anos, o colapso da economia argentina, o estouro da bolha de tecnologia e os
escândalos corporativos nos EUA
consolidaram a crise internacional e impediram que a desvalorização do real viabilizasse ao menos um ajuste da balança comercial brasileira -processo que começou somente em 2002, com a
perspectiva de um superávit comercial próximo a US$ 12 bilhões.
Entre 1991 e a crise asiática iniciada em 1997, as transferências líquidas para os países emergentes
somaram US$ 1,2 trilhão, uma
média anual 17 vezes maior do
que a do período 1983-90. Brasil,
com suas exportações, e China,
com seu mercado consumidor, lideraram a captação desses recursos. Somente em privatizações, o
governo FHC arrecadou US$ 93,5
bilhões.
Com a crise russa, iniciada em
agosto de 1998, o fluxo mensal para os países emergentes, que chegara a US$ 40 bilhões, caiu a zero,
fechando as portas do crédito externo ao país e dificultando a rolagem dos vencimentos privados.
Lição de casa
O governo foi obrigado a desvalorizar o real e deu início a um
"novo" Plano Real, baseado em
superávits primários e desvalorizações cada vez maiores da
moeda.
"O governo de Fernando Henrique Cardoso começou acreditando que o dinheiro continuaria
chegando para sempre. Por essa
razão, não fez a lição de casa. No
meio do caminho, descobriu que
a fase do crédito acabara", disse à
Folha Frederick Jasperson, analista do IIF (Institute for International Finance) para a América
Latina. "O mundo tornou-se radicalmente averso ao crédito. E essa
aversão escravizou políticas públicas em países em desenvolvimento. Nesse novo ambiente, só
sobrevivem aqueles que conseguirem tapar o buraco externo."
"Sou muito crítico em relação
aos cinco primeiros anos do governo FHC e do ministro Pedro
Malan (Fazenda)", disse à Folha
Michael Mussa, ex-diretor do
FMI. "Foram um exercício máximo de irresponsabilidade fiscal e
de desperdício. Desperdiçaram
cacife político e boa vontade da
economia mundial. Mas, desde
1999, foram cuidadosos. Comprometeram-se apenas com metas
fiscais que puderam cumprir. E
foram responsáveis em cumprir
as promessas que fizeram."
Em conversas privadas, o presidente Fernando Henrique Cardoso sempre soube reconhecer o
vínculo entre o destino brasileiro
e a economia mundial. Em 2001,
disse a vários de seus assessores
que, se a economia mundial se recuperasse em 2002, o ministro Pedro Malan (Fazenda) seria seu
candidato ideal, já que o modelo
econômico que implantou, baseado no Consenso de Washington,
daria frutos.
No entanto, reconhecia que, se a
crise continuasse, o ministro José
Serra (Saúde), com seu discurso
desenvolvimentista, seria o melhor candidato à sua sucessão.
Texto Anterior: Mercado é espaço social de troca e divã Próximo Texto: Presidente diplomata fez sucesso lá fora Índice
|