São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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MUNDO

Fugas de capitais, tropeços do modelo liberal e calotes de governos e empresas secam onda de dinheiro farto para emergentes, que sustentou o real e a reeleição em 98; crise de crédito e confiança auxilia vitória da oposição

Economia enfrenta cinco crises mundiais

Jean-Pierre Muller/France Presse
RELAÇÕES EXTERIORES Ao lado do premiê canadense Jean Chretien, o então presidente norte-americano, Bill Clinton, "segura" o brasileiro para foto oficial na Cúpula da Terceira Via, em Berlim

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O primeiro mandato da era FHC coincidiu com o mais extraordinário fluxo privado de capitais para países emergentes da história. O segundo, com um corte abrupto desse fluxo e a multiplicação das críticas contra a liberalização financeira no mundo. Mais especificamente, críticas ao Consenso de Washington, expressão que simboliza um conjunto de medidas de estabilização monetária, disciplina fiscal e abertura comercial pregadas aos países emergentes por instituições como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional).
O vaivém da economia mundial moldou o perfil econômico e político do Brasil entre 1995 e 2002. A bonança de dinheiro mudou a cara do país e propiciou a fácil reeleição do presidente, em 1998. Já a posterior secura do crédito fortaleceu o discurso oposicionista e garantiu a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
O alto fluxo de investimentos privados esclarece, por exemplo, como Fernando Henrique Cardoso conseguiu combater a inflação sem cortar gastos até 1998, quando o ingresso maciço de investimentos diretos e as aplicações externas nas Bolsas compensaram o déficit externo e sustentaram um modelo cambial incompatível com a balança comercial do país, negativa entre 1995 e 2000.
Nos últimos dois anos, o colapso da economia argentina, o estouro da bolha de tecnologia e os escândalos corporativos nos EUA consolidaram a crise internacional e impediram que a desvalorização do real viabilizasse ao menos um ajuste da balança comercial brasileira -processo que começou somente em 2002, com a perspectiva de um superávit comercial próximo a US$ 12 bilhões.
Entre 1991 e a crise asiática iniciada em 1997, as transferências líquidas para os países emergentes somaram US$ 1,2 trilhão, uma média anual 17 vezes maior do que a do período 1983-90. Brasil, com suas exportações, e China, com seu mercado consumidor, lideraram a captação desses recursos. Somente em privatizações, o governo FHC arrecadou US$ 93,5 bilhões.
Com a crise russa, iniciada em agosto de 1998, o fluxo mensal para os países emergentes, que chegara a US$ 40 bilhões, caiu a zero, fechando as portas do crédito externo ao país e dificultando a rolagem dos vencimentos privados.

Lição de casa
O governo foi obrigado a desvalorizar o real e deu início a um "novo" Plano Real, baseado em superávits primários e desvalorizações cada vez maiores da moeda.
"O governo de Fernando Henrique Cardoso começou acreditando que o dinheiro continuaria chegando para sempre. Por essa razão, não fez a lição de casa. No meio do caminho, descobriu que a fase do crédito acabara", disse à Folha Frederick Jasperson, analista do IIF (Institute for International Finance) para a América Latina. "O mundo tornou-se radicalmente averso ao crédito. E essa aversão escravizou políticas públicas em países em desenvolvimento. Nesse novo ambiente, só sobrevivem aqueles que conseguirem tapar o buraco externo."
"Sou muito crítico em relação aos cinco primeiros anos do governo FHC e do ministro Pedro Malan (Fazenda)", disse à Folha Michael Mussa, ex-diretor do FMI. "Foram um exercício máximo de irresponsabilidade fiscal e de desperdício. Desperdiçaram cacife político e boa vontade da economia mundial. Mas, desde 1999, foram cuidadosos. Comprometeram-se apenas com metas fiscais que puderam cumprir. E foram responsáveis em cumprir as promessas que fizeram."
Em conversas privadas, o presidente Fernando Henrique Cardoso sempre soube reconhecer o vínculo entre o destino brasileiro e a economia mundial. Em 2001, disse a vários de seus assessores que, se a economia mundial se recuperasse em 2002, o ministro Pedro Malan (Fazenda) seria seu candidato ideal, já que o modelo econômico que implantou, baseado no Consenso de Washington, daria frutos.
No entanto, reconhecia que, se a crise continuasse, o ministro José Serra (Saúde), com seu discurso desenvolvimentista, seria o melhor candidato à sua sucessão.


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