São Paulo, domingo, 20 de setembro de 1998

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Pai só é chamado em último caso

FERNANDO ROSSETTI
da Reportagem Local

O pai é a segunda instância na criação dos filhos. Essa idéia, formulada por um advogado, resume o debate entre seis pais de classe média reunidos pela Folha.
Segunda instância é o nível da Justiça que resolve as disputas que perduram após uma decisão em primeira instância. Isto é, a mãe -ou a primeira instância- lida com a maioria dos problemas que surgem no dia-a-dia. Mas, quando as coisas se complicam, entra o pai -a segunda instância.
Não que todos os pais digam tão claramente que têm esse papel secundário e ao mesmo tempo de maior poder na família. Dependendo da relação com a mulher, ou ex-mulher, a visão dos papéis de cada um se altera.
Guido Antonio Andrade, 58, ex-presidente da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a pessoa mais velha na roda, foi o mais explícito: "A minha filha me respeita porque ela percebe que a gente é a segunda instância, inclusive para a mãe. Porque, quando a mãe está nos apertos, é a gente que vai resolver".
Guido fala com a experiência de quem criou dois filhos, hoje com 25 e 29 anos, no primeiro casamento, e agora é pai de uma menina, de 4 anos. Mas a sua idéia do que é ser pai se repete nas falas das outras pessoas.
"A mãe incorpora um papel muito mais fiscalizador, controlador. Quando a minha filha vai para casa, ela já tem uma visão de que eu, apenas com uma palavra, com um olhar, defino as coisas", afirma Judi Cavalcante, 33, jornalista separado, cuja filha, de 5 anos, mora com a mãe.
"A mulher tem uma carga emocional maior do que a nossa, é mais próxima dos filhos, tem um relacionamento mais intenso", afirma o funcionário público José Francisco Pinto, 42, que tem dois filhos (14 e 16 anos) do primeiro casamento e dois (5 e 7 anos) do segundo. "Não que eu seja desligado", acrescenta.
"O pai é o primeiro a não saber de nada. Ele fica ali meio de espelho, mesmo. É um cara que tem que ir lá ganhar dinheiro e dar certo. E o filho fica olhando", afirma o músico e compositor Kiko Zambianchi, 37.
Com uma filha com 19 anos -"que quando era criança me via mais pela televisão do que ao vivo"- e duas, de 7 e 8 anos, do segundo casamento, Kiko acha "até bom" que o pai não saiba de nada. "Quando ele fica sabendo é porque alguma coisa não está dando certo", diz.

Separados

Mesmo os pais que criam sozinhos seus filhos tendem a repetir o esquema de segunda instância.
O comerciante Valdir Kachvartanian, 37, mora, com o filho de 10, na casa dos pais. "Em muitas coisas, minha mãe me substitui, porque não dá para ficar 24 horas ao lado dele. Ela assume esse papel normal." Papel "normal" significa passar todas as manhãs da semana com o neto, cuidar que ele vá para a escola à tarde e, à noite, alimentá-lo e colocá-lo na cama.
"Eu sou o pai e mãe, mesmo. Até nas dúvidas a respeito de vários assuntos, tanto do que ele precisaria ter da mãe como do pai", diz Valdir, cuja ex-mulher tem, segundo ele, uma relação "muito distante" com o filho.
"A mãe, por conta dessa coisa de ser fácil o convívio direto, parece que não tem um respeito imediato. Ela ficava impondo o meu respeito por telefone: "Olha, eu vou ligar para o seu pai' ", conta o advogado Heber Soares, 34.
Depois de 11 anos separado da mulher -impondo respeito por telefone-, Heber levou para casa o filho, hoje com 12. Mas ele sente o peso: "Eu preferia que tivesse alguém para fazer o papel de mãe, assim de ficar cobrando tarefa, ver se ele tomou banho, se não tomou, se jantou ou não. Esses miudinhos enchem o saco".
"Mas eu não sei mais qual é o papel do pai, porque para mim confundiu tudo", diz Heber, que depois de se separar tornou-se militante gay (por isso seu nome foi trocado nesta reportagem).



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