São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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COLAPSO NA ARGENTINA

O FIM
Fernando de la Rúa renuncia e peronistas devem tomar o poder

Pedido tem que ser votado pelo Congresso; substituto não estava definido até a noite; BC decreta feriado bancário

Associated Press
Manifestantes ocupam as ruas de Buenos Aires para exigir a saída do presidente Fernando de La Rúa, na tarde de ontem


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

O presidente argentino, Fernando de la Rúa, 64, renunciou ao cargo na noite de ontem, dois anos após ser eleito e quase dois antes da nova eleição presidencial, prevista para 2003.
A renúncia ocorreu após 36 horas de violência social, caracterizada por saques a supermercados e outros comércios, e por manifestações de protesto que levaram milhares de pessoas às ruas de Buenos Aires, a partir da madrugada de ontem e terminaram com cinco mortes só na tarde de ontem.
Na carta de renúncia, redigida à mão e com apenas uma folha, De la Rúa diz esperar que seu afastamento contribua "para a paz social e para a continuidade institucional".
Ontem à noite, ainda não havia definição sobre o substituto de De la Rúa. Até que o Congresso decida se aceita ou não sua renúncia, ele é o presidente do país.
Segundo a lei argentina que trata do assunto, assumiria o presidente do Senado, Ramón Puerta, 50, do Partido Justicialista (peronista), de oposição ao governo que deixa o poder.
Mas a Assembléia Legislativa (sessão conjunta de Câmara e Senado) pode decidir eleger um novo presidente logo após aceitar a renúncia de De la Rúa.
O eleito só pode ser alguém que exerça mandato eletivo (deputado, senador ou governador) e a lógica indica que será um peronista, partido que tem maioria não apenas no Congresso, mas também entre os governadores provinciais.
A renúncia de De la Rúa não é suficiente, no entanto, para pôr fim à crise, tanto que o Banco Central decidiu na noite de ontem decretar feriado cambial para hoje, paralisação que tende a se estender até que o programa do novo governo esteja claro.
A providência tem um objetivo óbvio: evitar que a convulsão política provoque uma fuga de capitais ainda mais dramática da que já se vem dando nos últimos dias.
No entanto, a renúncia do presidente da Argentina não foi suficiente para aplacar os ânimos da população que estava em conflito nas ruas do país, especialmente na capital.
Logo depois que De la Rúa anunciou seu pedido de renúncia, os manifestantes que tomavam o centro de Buenos Aires começaram a comemorar, mas, ao mesmo tempo, agências de quatro bancos eram depredadas e a sede da empresa de Correios Oca foi queimada.

Antecipado
De la Rúa já havia insinuado a renúncia em discurso pela rede nacional de TV e rádio, por volta das 16h (17h em Brasília), ao dizer-se "disposto às máximas atitudes de grandeza que sejam necessárias para o bem da pátria".
No discurso, o ainda presidente tocou em um ponto que sobrevive à sua renúncia: a reforma política, inclusive com alterações constitucionais. Supõe-se que uma reforma política, para pôr fim à crise, teria que prever a antecipação das eleições diretas para a Presidência, previstas para 2003.
Há consenso no mundo político de que, em meio à formidável crise argentina, uma eleição indireta não conferiria ao novo presidente a legitimidade necessária.
"Se De la Rúa toma a decisão de não continuar, creio que há que votar, porque creio na legitimidade do voto, não nos acordos de cúpula que, por arte de magia, façam aparecer um presidente", dizia, por exemplo José Manuel de la Sota, governador de Córdoba, um dos "presidenciáveis" do peronismo, antes de oficializado o afastamento de De la Rúa.

Presidenciáveis
Além de De la Sota, os "presidenciáveis" do peronismo (não para o pleito indireto, mas para o direto) são os também governadores Carlos Reutemann (Santa Fé) e Carlos Ruckauf (Buenos Aires) e o senador Eduardo Duhalde, ex-governador da Província de Buenos Aires, hoje senador, derrotado por De la Rúa em 1999.
Qualquer que seja o futuro presidente, a impressão disseminada entre os analistas políticos argentinos é a de que o fim de De la Rúa é também o fim do regime de conversibilidade.
Trata-se da política cambial que colou o peso argentino ao dólar, em abril de 1991, e é tida como fator decisivo para a falta de competitividade da economia argentina. Esta, por sua vez, seria a causa principal de uma recessão de duração recorde na história do país, já chegando a quatro anos.
A recessão ajudou a aumentar o desemprego, que sempre foi elevado nos dez anos de vigência da conversibilidade. Hoje, há 2,532 milhões de argentinos desempregados ou 18,3% da força de trabalho, 500 mil mais que há um ano.
Aumentou também a pobreza, para níveis recordes.
Tudo somado, a crise econômica desaguou em crise social, que levou a uma crise política, que gerou a renúncia do presidente.

Última cartada
Antes da renúncia, o presidente jogou, no discurso da tarde, a sua última carta: ofereceu um governo de unidade nacional ao peronismo e comprometeu-se publicamente a aceitar todas as mudanças que fossem necessárias.
"Só a unidade nacional pode levantar o país", afirmou De la Rúa.
O presidente cobrou pressa da oposição: "Uma rápida resposta do peronismo é necessária".
Mas a resposta dada pelo líder do bloco peronista na Câmara, Humberto Roggero, foi anunciar a decisão de propor sessão especial do Congresso para examinar o início do processo de julgamento político do presidente (impeachment).
"Os tempos políticos do presidente estão concluídos", disse Roggero, ao anunciar o pedido de sessão especial, às 18h40 de ontem (19h40 em Brasília).
Antes da resposta de Roggero em nome do peronismo, o porta-voz presidencial, Juan Pablo Baylac, antecipava que a recusa do peronismo a aceitar um governo de unidade nacional levaria o presidente a renunciar. Baylac renunciara no início da tarde de ontem.


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