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OPINIÃO
Após queda, país tem de encarar a realidade da moratória
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
A atitude irresponsável da
Argentina soçobrou nos escolhos do protesto popular. Com
a saída de Domingo Cavallo, ministro da Economia e criador do
plano de conversibilidade, o país
enfrenta a possibilidade de um
colapso político.
Esse resultado não surpreende:
a economia está em seu quarto
ano de recessão, o desemprego
afeta 18% da força de trabalho e o
governo não está pagando suas
dívidas. O plano do governo para
cortar os gastos públicos em US$
9,2 bilhões, quase um quinto do
total, foi a última jogada em uma
partida sem esperanças.
No entanto a transparência
também demonstrou suas virtudes. Como Kenneth Rogoff, o novo economista-chefe do Fundo
Monetário Internacional, declarou esta semana, "está claro que a
mistura de política fiscal, dívida e
o regime cambial em vigor não é
sustentável". Como a crise era
previsível, pode haver contágio
mínimo para outros países devedores. O ágio mais recente entre
os bônus argentinos denonimados em dólares e os papéis do Tesouro norte-americano supera os
40%. Mas o ágio é de 8,8% no caso
do Brasil, de 3,2% no caso do México e de 1,2% no caso da Coréia
do Sul.
Um sistema financeiro mundial
que incorpore muitas economias
com sistemas financeiros fracos,
disciplina fiscal pobre ou retrospecto de excessos monetários está
inclinado a esse tipo de crise. Por
esse motivo, o debate quanto às
melhoras no que é chamado de
"arquitetura financeira internacional" não cessa jamais. Mas sua
intensidade varia de acordo com a
premência das crises. Os problemas da Argentina gerarão urgência inesperada em três áreas: regimes cambiais e dívida, fiscalização e apoio do FMI e "envolvimento do setor privado", ou, para
sermos mais francos, falência soberana.
Primeiro, o axioma quanto a regimes cambiais e política fiscal
mudará, uma vez mais. Depois do
destino infeliz dos regimes de paridade cambial deslizante durante
as crises no leste asiático em 1997
e 1998, a visão dominante se encaminhou ao apoio a um mundo bipolar, com taxas de câmbio livres
em um extremo e âncoras cambiais fixas, uniões monetárias ou a
adoção da moeda de um segundo
país no outro. O destino da Argentina certamente abalará a
plausibilidade dos mecanismos
de âncora cambial e, talvez, de outros regimes cambiais duros.
A Argentina demonstra que
qualquer regime associado a um
longo declínio econômico se torna vulnerável. Se, como na Argentina, a economia é inflexível, um
declínio econômico assim longo é
bastante provável sob um regime
de taxas cambiais fixas, particularmente em um país vulnerável a
choques externos. A conclusão
provável a que o desastre argentino conduzirá é uma falta maior de
disposição para apoiar regimes de
âncora cambial. Nem a dolarização é panacéia. Um país evitaria
um desastre monetário dessa maneira, mas o colapso fiscal continuaria a ser bastante possível sob
uma situação de dolarização.
Por isso, a visão do volume de
dívida que um país de mercado
emergente pode sustentar também mudará. Pelos padrões de
uma economia desenvolvida, a
relação entre a dívida pública e o
Produto Interno Bruto (PIB) da
Argentina, 55%, parece sustentável. Mas não se pode sustentá-la
quando as taxas reais de juros ultrapassam os 10%. A menos que
um país tenha um potencial de
crescimento extraordinário ou
um mercado financeiro doméstico cativo, não pode permitir que
sua dívida pública chegue a essas
alturas, particularmente se essa
dívida estiver denominada em
moeda estrangeira.
Segundo, o papel do FMI, uma
vez mais, será examinado com extremo cuidado. A história da queda argentina ilustra a dificuldade
que o FMI enfrenta para evitar
que seus devedores o tomem como presa. Funcionários importantes do Fundo alegam que a instituição está presa em uma armadilha. Se não apoiar o governo do
país em crise, será culpada pelo
caos que se segue a uma moratória. Se concordar em apoiá-lo, será culpada pelo eventual fracasso.
Não há como vencer desse jeito.
No entanto os governos dos
principais países de alta renda
provavelmente se irritarão com a
maneira pela qual foram arrastados, bastante a contragosto, na esteira da descontrolada carroça argentina. Uma proposta para enfrentar o problema vem de Gordon Brown, o chanceler do Erário
(ministro da Fazenda) britânico.
Em discurso no mês passado, ele
solicitou que a fiscalização do
FMI fosse tornada "mais transparente, mais independente e, portanto, mais eficaz". Se um relatório independente alega que a política do país é insustentável, o FMI
deveria ter obstáculos muito
maiores a transpor antes de
apoiá-la. Se a equipe do Fundo tivesse todas as informações, seria
muito mais fácil para ela dizer
não. A idéia é intrigante. Mas escapar do passado é terrivelmente
difícil, para credores e devedores
igualmente. Eles muitas vezes
continuam no mesmo curso até
que surja uma catástrofe.
Terceiro, a questão dos procedimentos para falências nacionais
agora parece ainda mais urgente.
A Argentina é um caso particularmente importante, porque é a
maior falência nacional já registrada, pelo menos em termos de
dólares. Anne Krueger, que acaba
de ser apontada primeira diretora-executiva-assistente do FMI,
reforçou a credibilidade das propostas para uma reestruturação
ordenada da dívida soberana em
um discurso que pronunciou em
26 de novembro.
A proposta dela tem quatro elementos: um mecanismo que impede os credores de perturbar as
negociações solicitando pagamento de dívidas em tribunais internos, um mecanismo para impor comportamento responsável
aos devedores, uma forma de encorajar os credores a oferecer dinheiro novo e uma forma de forçar os credores minoritários a
aceitar os acordos de reestruturação. Não são idéias novas. A novidade é sua proveniência.
No entanto um mecanismo como esse, se bem que desejável, será difícil de estabelecer. Como declarou Anne, "o imponderável
político é determinar se os nossos
membros estão preparados para
restringir o direito de seus cidadãos de processar governos estrangeiros em suas cortes nacionais, como investimento em uma
economia mundial mais estável e,
portanto, mais próspera".
Todas essas idéias para a adoção
de melhores procedimentos pelos
credores, maior disciplina na concessão de empréstimos oficiais e
novas formas de lidar com as falências nacionais e com a falta de
liquidez devem ganhar destaque
na agenda da reforma financeira
internacional. Mas nada disso
ajudará a pobre Argentina. Os erros que o país cometeu e sua má
sorte já são fatos consumados.
Ao definir uma nova política, as
autoridades argentinas precisam
reconhecer a realidade da moratória. Assim que a dívida tiver sido reestruturada, o orçamento terá de ser equilibrado, porque o
governo não dispõe mais de crédito. Uma vez mais, o máximo de
sofrimento politicamente viável já
foi imposto aos argentinos, de
modo que o resto dos problemas
deve ser suportado pelos credores
estrangeiros, logicamente. A política adotada também precisa restaurar o crescimento. Isso quase
que certamente envolve uma desvalorização, quer pela adoção de
câmbio livre quer por uma desvalorização de caráter excepcional
seguida pela dolarização. Por fim,
tudo isso precisa ser realizado
sem abandonar uma vez mais a
estabilidade monetária.
A Argentina é uma lição quanto
ao perigo de aderir heroicamente
a políticas inflexíveis. O mundo
precisa aprendê-la. Mas o país
não terá muita ajuda de fora para
descobrir como escapar aos destroços.
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