São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PESQUISA DE PONTA

Crise na Fapesp atrasou as pesquisas

Química conta com a volta de investimentos

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Numa quinta-feira de manhã, início de janeiro, os corredores silenciosos do IQ (Instituto de Química) da USP dão a impressão de que os laboratórios do prédio estejam inativos, à espera do início do ano letivo. Mas, nesse caso, as aparências enganam.
Em um laboratório do bloco 10, Maria Júlia Manso Alves e sua equipe dão mais um passo na pesquisa genética do Trypanosoma cruzi, parasita microscópico que infecta o ser humano e causa o mal de Chagas. No bloco 9, a professora Mari Cleide Sogayar coordena pesquisas sobre diabetes e, no bloco 11, João Valdir Comasseto prossegue os estudos para desenvolver reagentes químicos a partir de bactérias, fungos e raízes de plantas. No bloco 12, Sérgio Verjovski-Almeida e seu aluno de pós-doutorado retocam um estudo sobre câncer de próstata, antes de submetê-lo à apreciação de uma revista especializada.
Esses são apenas alguns dos estudos desenvolvidos no IQ, um centro marcado pela abrangência em suas áreas de pesquisa.
Formado em 1970 da união entre disciplinas de medicina, odontologia, farmácia e o antigo Departamento de Química -fundado em 1934 dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras-, o IQ tornou-se centro de excelência em temas que vão da química teórica ao transplante de células do pâncreas para diabéticos, do estudo de parasitas ao sequenciamento de genomas.
"O que é importante é a amplitude de interesses", afirma Hernan Chaimovich, diretor do IQ. Além disso, ressalta o pesquisador, o instituto mantém "uma cooperação com a indústria de tintas, a polícia, hospitais, a arqueologia e a conservação de bens culturais".
Em 2003, no entanto, algumas pesquisas no instituto foram atrasadas pela crise orçamentária da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), disparada pela desvalorização do real em meados de 2002, que dificultou importações.
"Tivemos tudo parado. Não dava para importar drogas que a gente precisava, tudo mundo teve que pedir emprestado. Agora a situação está se normalizando", diz Maria Júlia Manso Alves, diretora, com Walter Colli, do Laboratório de Bioquímica de Parasitas.
Se neste ano houver retomada dos investimentos, os projetos em andamento nos dois departamentos do IQ -o de Bioquímica e o de Química Fundamental- só têm a crescer, possibilitando o desenvolvimento de novas drogas e processos industriais.
No Departamento de Química Fundamental, por exemplo, o professor João Valdir Comasseto desenvolve há dois anos uma linha de pesquisa pioneira no Brasil: coordena uma área chamada biocatálise, que usa enzimas (moléculas que aceleram reações químicas) de fungos, bactérias e vegetais como reagentes.
Uma meta é reduzir a produção de rejeitos químicos industriais (como solventes não biodegradáveis e sais de metais pesados) que entram na cadeia alimentar e são absorvidos pelo organismo.
"Já usamos a cenoura e agora estamos pensando em utilizar a mandioquinha", diz Comasseto. "O resíduo é totalmente biodegradável, é uma química ecologicamente correta."
Já no Departamento de Bioquímica, Sogayar coordena o Laboratório de Biologia Molecular, que busca genes que controlam a divisão celular, com a conseqüente proliferação das células, e o descontrole desse processo, que leva à formação de tumores. "A idéia é possibilitar a criação de novas drogas contra o câncer."
Ao lado de Anna Carla Goldberg, ela também coordena a chamada Unidade de Ilhotas Pancreáticas Humanas e o Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel). Ambas integram o primeiro programa de transplante de ilhotas pancreáticas humanas em andamento no Brasil.
O laboratório retira do pâncreas de doadores as chamadas ilhotas de Langerhans -aglomerados de células desse órgão que produzem o hormônio insulina. Depois de purificadas, elas são transplantadas em um paciente que sofra de diabetes do tipo 1, cujas ilhotas são incapazes de produzir insulina. O núcleo é responsável também por pesquisas de ponta que apontam novas possibilidades de terapia para o diabetes.
Sérgio Verjovski-Almeida, diretor do Laboratório de ATPases, também tem estudos que procuram analisar os genes relacionados ao câncer, mais precisamente o de próstata. Usando uma ferramenta conhecida como chip de DNA, o pesquisador pode comparar a expressão (ou seja, o grau de atividade) de genes de tecidos comuns e de tecidos tumorais.
A comparação permite descobrir trechos do DNA que tenham uma atuação mais forte no câncer e, portanto, possam estar envolvidos na doença.
É também de Verjovksi-Almeida e sua equipe um trabalho publicado em outubro do ano passado na revista científica "Nature Genetics", que mapeou os genes ativos em seis fases diferentes do ciclo de vida do verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Seu laboratório também participou da rede que fez o sequenciamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, capa da prestigiosa revista britânica "Nature" em 2000.
Nessa área, o IQ também ficou famoso com os trabalhos coordenados por Fernando Reinach, um dos idealizadores dos projetos de sequenciamento genômico no Brasil. Atualmente, ele é diretor da Votorantim Ventures, fundo de capital de risco que investe, entre outros setores, em empresas relacionadas à biotecnologia no país. (MARCELO FERRONI)


Texto Anterior: São Carlos é líder em produtividade científica
Próximo Texto: Pesquisas melhoraram agricultura
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.