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PESQUISA DE PONTA
Crise na Fapesp atrasou as pesquisas
Química conta com a volta de investimentos
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Numa quinta-feira de manhã,
início de janeiro, os corredores silenciosos do IQ (Instituto de Química) da USP dão a impressão de
que os laboratórios do prédio estejam inativos, à espera do início
do ano letivo. Mas, nesse caso, as
aparências enganam.
Em um laboratório do bloco 10,
Maria Júlia Manso Alves e sua
equipe dão mais um passo na pesquisa genética do Trypanosoma
cruzi, parasita microscópico que
infecta o ser humano e causa o
mal de Chagas. No bloco 9, a professora Mari Cleide Sogayar coordena pesquisas sobre diabetes e,
no bloco 11, João Valdir Comasseto prossegue os estudos para
desenvolver reagentes químicos a
partir de bactérias, fungos e raízes
de plantas. No bloco 12, Sérgio
Verjovski-Almeida e seu aluno de
pós-doutorado retocam um estudo sobre câncer de próstata, antes
de submetê-lo à apreciação de
uma revista especializada.
Esses são apenas alguns dos estudos desenvolvidos no IQ, um
centro marcado pela abrangência
em suas áreas de pesquisa.
Formado em 1970 da união entre disciplinas de medicina,
odontologia, farmácia e o antigo
Departamento de Química
-fundado em 1934 dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras-, o IQ tornou-se centro
de excelência em temas que vão
da química teórica ao transplante
de células do pâncreas para diabéticos, do estudo de parasitas ao
sequenciamento de genomas.
"O que é importante é a amplitude de interesses", afirma Hernan Chaimovich, diretor do IQ.
Além disso, ressalta o pesquisador, o instituto mantém "uma
cooperação com a indústria de
tintas, a polícia, hospitais, a arqueologia e a conservação de
bens culturais".
Em 2003, no entanto, algumas
pesquisas no instituto foram atrasadas pela crise orçamentária da
Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), disparada pela desvalorização
do real em meados de 2002, que
dificultou importações.
"Tivemos tudo parado. Não dava para importar drogas que a
gente precisava, tudo mundo teve
que pedir emprestado. Agora a situação está se normalizando", diz
Maria Júlia Manso Alves, diretora, com Walter Colli, do Laboratório de Bioquímica de Parasitas.
Se neste ano houver retomada
dos investimentos, os projetos em
andamento nos dois departamentos do IQ -o de Bioquímica
e o de Química Fundamental-
só têm a crescer, possibilitando o
desenvolvimento de novas drogas e processos industriais.
No Departamento de Química
Fundamental, por exemplo, o
professor João Valdir Comasseto
desenvolve há dois anos uma linha de pesquisa pioneira no Brasil: coordena uma área chamada
biocatálise, que usa enzimas (moléculas que aceleram reações químicas) de fungos, bactérias e vegetais como reagentes.
Uma meta é reduzir a produção
de rejeitos químicos industriais
(como solventes não biodegradáveis e sais de metais pesados) que
entram na cadeia alimentar e são
absorvidos pelo organismo.
"Já usamos a cenoura e agora
estamos pensando em utilizar a
mandioquinha", diz Comasseto.
"O resíduo é totalmente biodegradável, é uma química ecologicamente correta."
Já no Departamento de Bioquímica, Sogayar coordena o Laboratório de Biologia Molecular,
que busca genes que controlam a
divisão celular, com a conseqüente proliferação das células, e o
descontrole desse processo, que
leva à formação de tumores. "A
idéia é possibilitar a criação de
novas drogas contra o câncer."
Ao lado de Anna Carla Goldberg, ela também coordena a chamada Unidade de Ilhotas Pancreáticas Humanas e o Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel). Ambas integram o primeiro
programa de transplante de ilhotas pancreáticas humanas em andamento no Brasil.
O laboratório retira do pâncreas
de doadores as chamadas ilhotas
de Langerhans -aglomerados de
células desse órgão que produzem o hormônio insulina. Depois
de purificadas, elas são transplantadas em um paciente que sofra
de diabetes do tipo 1, cujas ilhotas
são incapazes de produzir insulina. O núcleo é responsável também por pesquisas de ponta que
apontam novas possibilidades de
terapia para o diabetes.
Sérgio Verjovski-Almeida, diretor do Laboratório de ATPases,
também tem estudos que procuram analisar os genes relacionados ao câncer, mais precisamente
o de próstata. Usando uma ferramenta conhecida como chip de
DNA, o pesquisador pode comparar a expressão (ou seja, o grau
de atividade) de genes de tecidos
comuns e de tecidos tumorais.
A comparação permite descobrir trechos do DNA que tenham
uma atuação mais forte no câncer
e, portanto, possam estar envolvidos na doença.
É também de Verjovksi-Almeida e sua equipe um trabalho publicado em outubro do ano passado na revista científica "Nature
Genetics", que mapeou os genes
ativos em seis fases diferentes do
ciclo de vida do verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Seu laboratório também participou da rede que fez o
sequenciamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, capa da prestigiosa revista britânica "Nature" em 2000.
Nessa área, o IQ também ficou
famoso com os trabalhos coordenados por Fernando Reinach, um
dos idealizadores dos projetos de
sequenciamento genômico no
Brasil. Atualmente, ele é diretor
da Votorantim Ventures, fundo
de capital de risco que investe, entre outros setores, em empresas
relacionadas à biotecnologia no
país.
(MARCELO FERRONI)
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