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ENTREVISTA
Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, avalia que PT não enfrentará problemas estruturais do país no início do mandato
Fome Zero é "saída lateral", diz intelectual
Flávio Florido -14.out.02/Folha Imagem
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No destaque, o cientista político Luiz Werneck Vianna (Iuperj), que crítica o Fome Zero do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva |
LIA HAMA
DA REDAÇÃO
O Fome Zero, primeiro programa anunciado pelo presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), é uma "saída lateral", que
não enfrenta os temas fundamentais do país, como a geração de
empregos e a retomada do desenvolvimento. A avaliação é do cientista político Luiz Werneck Vianna, 64, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro).
De acordo com o cientista político, dados os constrangimentos
do cenário atual, o debate de temas "sistêmicos" como o da reforma tributária e o da Previdência foram adiados e, em seu lugar,
foram trazidas à tona questões como o combate à fome e à miséria
- uma saída emergencial, mas
que não vai ao ponto central das
questões que envolvem o desenvolvimento do país.
"É um movimento tático", afirma Werneck Vianna. "Mas sabe-se que, mais à frente, o tema sistêmico estará presente e sobre ele
alguma política vai ter que ser explicitada", diz o cientista político.
Folha - Em debate na reunião da
Anpocs (Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), o sr. defendeu que as
candidaturas presidenciais rumaram para o centro e que não houve
uma disputa de caminhos alternativos para o país. Que expectativa o
sr. tem em relação ao governo Lula? Em que deve se diferenciar em
relação ao governo FHC?
Luiz Werneck Vianna - Antes
mesmo de vencer, a candidatura
Lula foi estabelecendo linhas de
continuidade com o governo que
ele vai suceder. Isso não foi resultado de um cálculo em março. Foram cálculos operados no curso
da campanha para garantir a vitória num contexto de ordem, tranquilidade e paz. Há jornais que estão especulando que Armínio
Fraga continuará no Banco Central. Mesmo se não for ele, quem
ocupar o cargo não vai ser tão diferente dele. O que quer dizer o
seguinte: o tema sistêmico foi
adiado. Ele não vai ser o tema de
2003. O que teremos em 2003 é
uma continuidade muito forte da
agenda anterior e, nesse sentido, o
tema da "mudança com segurança", que era o tema de Serra, será
também o do Lula.
Folha - O fato de o primeiro programa anunciado pelo Lula ter sido
o combate à fome não significa
uma mudança de enfoque em relação ao governo FHC?
Werneck Vianna - O tema da luta
contra a fome não apareceu durante a campanha, só depois das
eleições. Durante a campanha,
discutiu-se emprego e retomada
do desenvolvimento. Isto é, temas
sistêmicos. Com Lula, esse tema
foi se tornando evanescente. O
programa contra a fome significa
uma saída lateral, emergencial,
uma saída possível numa hora em
que os constrangimentos sistêmicos não estão permitindo maiores
inovações. Frente a essas inovações tinha que estar sinalizada a
retomada do desenvolvimento e
do emprego. O programa lembra
muito a estratégia do governo de
[Anthony" Garotinho, do restaurante popular. É um combate à fome, mas que não vai ao ponto
central.
Folha - Qual a viabilidade do pacto social proposto pelo PT?
Werneck Vianna - Isso vai depender da arbitragem governamental. Getúlio Vargas realizou
uma espécie de pacto social nos
anos 30 no Brasil e a arbitragem
disso era do Poder Executivo. Ele
dizia: "a cafeicultura vai ganhar
isso, mas vai perder aquilo. A industrialização virá, mas as oligarquias agrárias não perderão tudo.
Os sindicatos terão leis sociais,
mas os salários serão achatados".
Qual foi a compensação que o Getúlio deu aos trabalhadores industriais à época? A legislação social. Qual foi o sacrifício que ele
impôs a eles? A supressão da autonomia dos seus sindicatos e um
achatamento salarial muito forte,
fazendo com que o salário dos trabalhadores qualificados naquela
época se aproximasse do salário
dos trabalhadores não-qualificados, por meio da fixação do salário mínimo.
Folha - O sr. acha que um pacto
como esse é viável hoje?
Werneck Vianna - É complicado,
vamos ver. Eles vão ter que ver o
que cada um está disposto a perder e o que cada um quer ganhar.
Porque só perdas, sem ganhos,
não tornarão o pacto possível. Todos os que forem pactários estarão na expectativa de um ganho
determinado. Agora é evidente
que, na época de Getúlio, isso tudo era facilitado porque não havia
liberdades políticas. Agora está
tudo mais complicado. Vai haver
muita dificuldade.
O PT tem que fazer o quê? Reforma da Previdência e tributária.
Sabe-se que isso não pode ser feito com um só golpe. O que lhes
restou foi jogar com a sua capacidade de mobilização para intervir
nessa dimensão da fome, da miséria: "Já que não posso dar ganhos
econômicos, dou ganhos de participação da sociedade e de diminuição da taxa de sofrimento a
que ela está exposta".
É um movimento tático, eu diria. Mas sabe-se que, mais à frente, o tema sistêmico estará presente e sobre ele alguma política vai
ter que ser explicitada. Que política vai ser essa? De uma mudança
profunda ou de uma mudança segura. Eu penso que o caminho
que está se colocando é o da mudança segura. E, nesse sentido,
não vai ser difícil constatar elementos de continuidade entre o
governo que começa e o governo
que se encerra.
Folha - O sr. vislumbra alguma
possibilidade de diminuição da desigualdade social num governo Lula? O tema receberá um enfoque
maior do que teve no governo FHC?
Werneck Vianna - Vislumbro.
Porque, se isso não for feito, esse
governo vai ter muitas dificuldades de se manter. As expectativas
foram todas nessa direção. Isso
não pode ser traído. A traição implicaria a perda do trunfo principal do qual esse governo é portador. Agora se você pensar, por
exemplo, na questão da inflação.
O governo Lula será fiador perante a população da estabilidade
monetária. Se, além de [o governo] não criar empregos, a inflação
voltar, a situação complica.
O econômico no governo Fernando Henrique foi uma forma
de realizar a política do social. Como? Na luta antiinflacionária, que
teve efeito distributivo em relação
ao conjunto da população, que
era a grande penalizada com a
corrosão da moeda. Agora essa
política encaminhava o social de
um modo passivo e no interior do
tema econômico.
O que o governo Lula está fazendo é encaminhar o social na
sua dimensão própria. Qual é o
risco? O risco é o de não traduzir
as pressões que vêm do social
num programa de ação política e
de ação econômica e amesquinhar o social num assistencialismo. Esse é o risco.
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