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entrevista
Joaquim Barbosa
ministro do Supremo Tribunal Federal
"Situações de discriminação só tive no Brasil"
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"A Justiça brasileira trata
mal os pobres, especialmente
os negros", diz o ministro Joaquim Barbosa, 54, do STF (Supremo Tribunal Federal). No
seu entender, "a questão racial
deve ser tratada com igualdade
efetiva de oportunidades".
Autor de livro e de conferências sobre o racismo, o mineiro
de Paracatu diz que no exterior
as pessoas estão acostumadas
com negros bem posicionados,
"não demonstram o "estranhamento" tão comum entre nós".
Joaquim Benedito Barbosa
Gomes estudou muito. Aos 19
anos, servidor público, já possuía carro, "numa época em
que poucas famílias de classe
média baixa possuíam veículo",
ele diz.
O ministro é uma pessoa refinada e que preserva a sua privacidade. Gosta dos autores franceses do século 19 e, entre os
brasileiros, de Machado de Assis e de Lima Barreto, o seu escritor nacional predileto.
"Identifico-me com sua história de vida, com a sua luta por
reconhecimento numa sociedade extremamente conservadora e excludente", diz.
Barbosa freqüenta as grandes salas internacionais de concerto, assim como assiste a
shows de música popular brasileira. Transita com facilidade
entre o erudito e o popular. "A
fórmula talvez resida na minha
tendência a relativizar tudo, a
não dar muita importância às
hierarquias e categorizações
impostas pela sociedade", diz,
em entrevista por e-mail.
FOLHA - O fato de ser "o primeiro
negro" no STF traz alguma carga
que o incomode? Nos contatos em
outros países há alguma distinção?
JOAQUIM BARBOSA - Na Europa e
nos Estados Unidos, as pessoas
já estão acostumadas com negros bem posicionados, falam
com eles de igual para igual,
não demonstram o "estranhamento" tão comum entre nós.
FOLHA - Certa vez, o geógrafo Milton Santos recusou, num restaurante em Paris, uma mesa escondida.
Negro, não aceitou a discriminação.
O sr. enfrentou situações iguais?
BARBOSA - Situações como a experimentada pelo Milton Santos só tive no Brasil, antes de
chegar ao Supremo. Hoje, acho
que seria impossível, porque
me tornei muito conhecido.
FOLHA - O sr. não faz da sua biografia nem da sua consciência negra
uma bandeira, uma causa...
BARBOSA - Não me sirvo da minha posição para fazer proselitismo racial, social ou coisa que
o valha. Seria abuso de poder.
Tampouco me deixo instrumentalizar por movimentos,
pela mídia ou por quem quer
que seja.
FOLHA - O sr. tem sido requisitado
por movimentos sociais?
BARBOSA - Sou muito requisitado para todo tipo de evento,
mas só aceito convites após
muita reflexão e ponderação.
Não permito que me usem.
FOLHA - O sr. acha que a questão
da desigualdade no país melhorou?
BARBOSA - Tenho plena consciência das desigualdades brasileiras, sei que elas se manifestam nos mínimos gestos do cotidiano, na esfera pública, na
esfera privada, na falta de oportunidade. Para enfrentar nossas imensas desigualdades, nós
vamos ter que nos reinventar.
FOLHA - O sr. assistiu nos Estados
Unidos à eleição de Barack Obama.
Como essa experiência o marcou?
BARBOSA - Foi um grande privilégio. Foi algo emocionante, no
plano pessoal, ver as pessoas
em absoluto estado de graça, de
júbilo. Até mesmo na austera
Corte Suprema, pude constatar
esse clima de euforia. No plano
institucional, essa eleição foi
uma demonstração da capacidade de regeneração que tem a
sociedade americana. Foi uma
bela demonstração da pujança
das instituições democráticas.
FOLHA - Quais os reflexos que essa
eleição poderá ter no Brasil?
BARBOSA - Terá um grande impacto em boa parte do mundo.
Talvez menos na Europa, que
tem muita dificuldade em admitir mudanças importantes.
Não vejo a menor chance de
surgimento de um Obama em
qualquer dos países europeus.
FOLHA - Como o sr. compara a
questão da igualdade racial no Brasil e nos Estados Unidos?
BARBOSA - A meu ver, a questão
racial deve ser tratada sob a ótica da igualdade efetiva (e não
retórica) de oportunidades e de
acesso, coisa que os Estados
Unidos vêm tratando com razoável eficiência, e o Brasil tem
muita dificuldade em fazer, não
obstante alguns avanços pontuais nos últimos dez, 12 anos.
Há 15 anos não havia negros na
publicidade brasileira. Hoje já
há, o que é muito positivo. Houve algum avanço tímido, muito
tímido na mídia.
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