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Os muitos movimentos negros
PARA ANTROPÓLOGOS, ATIVISMO NÃO
É MERA CÓPIA
DOS EUA
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MARCIO GOLDMAN
ANA CLAUDIA CRUZ DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os grupos constituídos
por diferentes formas
de identificação racial
no Brasil exibem uma multiplicidade de estruturas, objetivos,
estratégias e modos de pertencimento. Pode-se, pois, imaginar que o número de participantes em movimentos negros
até ultrapasse os 6% entre os
"pretos" que declaram tal participação, segundo o Datafolha.
Índice próximo dos 7% e 11% de
brasileiros que dizem participar de sindicatos ou partidos
políticos.
Reunir tais coletivos sob a
rubrica de movimento negro é
possível se levarmos o primeiro
termo quase ao pé da letra: grupos e pessoas que se "movem"
na direção de uma vida mais
digna e criativa. Movimento de
resistência, na medida em que
se busca escapar de um destino
atribuído por uma estrutura
social injusta.
Nesse sentido, quilombos,
movimentos abolicionistas,
juntas de alforria, irmandades
religiosas, entre outras formas
de organização do período escravocrata, são movimentos
negros. Do mesmo modo, as várias organizações negras (jornais, clubes de lazer, associações etc.) do período pós-abolição, como a Frente Negra Brasileira, as quais, além de denunciar o racismo, se preocupavam
com a educação, a formação
profissional, o comportamento
social e a autovalorização da
população negra buscando sua
integração.
Como se sabe -a despeito de
todas as expectativas de integração e de toda a exaltação do
Brasil como país miscigenado e
racialmente democrático-, o
racismo sobreviveu à abolição.
Entre as ditaduras, houve uma
retração das organizações negras, mas não da luta. Abdias do
Nascimento e seu Teatro Experimental do Negro são exemplo
disso. Contudo, outras formas
de resistência continuaram a
existir, entre elas as religiões de
matriz africana, os afoxés, os
grupos "folclóricos" ou "artísticos", organizações que preservaram a singularidade e a multiplicidade negras.
Novo movimento
Nos anos 1960 e 1970, as influências foram inúmeras -e
inevitáveis, uma vez que havia
em comum a luta contra o racismo: do movimento pelos direitos civis nos EUA à luta contra o apartheid na África do Sul,
passando pelas lutas anticolonialistas dos países africanos, a
chegada do reggae ao Brasil, a
contracultura, a maior visibilidade do candomblé, os bailes
de soul music, a política de universalização do ensino (que levou mais jovens negros à escola
e à universidade) e assim por
diante.
Tudo isso se cruzou com as
correntes preexistentes, forjando as forças que estiveram
na origem desse novo movimento negro. Característica
desse movimento surgido na
década de 1970 é seu foco na diferença, visando demonstrar
que o problema da população
negra não pode ser reduzido a
uma questão de classe social, e
que um racismo propriamente
dito permeia a sociedade brasileira; que é preciso superar o
"mito da democracia racial" e
que a condição de ser negro
comporta problemas específicos, exigindo, portanto, direitos específicos.
Nessa década, emergem organizações negras muito diferenciadas, de grupos de teatro e
dança aos blocos afro e movimentos políticos, como o MNU
(Movimento Negro Unificado),
entre outros, que permanecem
atuantes.
Mas, desde então, o movimento negro tem se tornado
ainda mais plural: pré-vestibulares para negros, pastorais
afro, associações quilombolas,
núcleos de estudantes negros,
grupos de cultura negra, núcleos de estudo, jornais e sites,
organizações não-governamentais, hip hop e funk etc.
Ao lado de todas as lutas e
conquistas, o movimento negro
brasileiro não pára de mostrar
como é possível combinar experiências passadas, presentes
e futuras, locais, nacionais e internacionais, a fim de produzir,
numa espécie de encruzilhada,
uma singularidade plural capaz
de resistir às incontáveis tentativas de destruição ou de captura de que é objeto.
MARCIO GOLDMAN é professor de antropologia do Museu Nacional, UFRJ, e autor de "Como
Funciona a Democracia - Uma Teoria Etnográfica da Política" (ed. 7Letras)
ANA CLAUDIA CRUZ DA SILVA é professora visitante de antropologia na Universidade Federal
de Sergipe e autora da tese "Agenciamentos Coletivos, Territórios Existenciais e Capturas
-Uma Etnografia de Movimentos Negros em
Ilhéus"
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