São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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BRASIL

Desenvolvimento insustentável


Balanço de 10 anos indica que ainda há mais problemas que avanços na gestão ambiental no país


JOÃO PAULO RIBEIRO CAPOBIANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil avançou rumo ao desenvolvimento sustentável desde que sediou a Eco-92, a mais importante conferência das Nações Unidas do final do século 20? Há pelo menos duas respostas para essa pergunta, que mobiliza os debates neste período que antecede a Rio +10, em Johannesburgo, a partir de segunda-feira.
Uma das respostas, baseada na análise da evolução de alguns dos indicadores disponíveis sobre a situação ambiental brasileira, é um simples e direto "não".
Entre os anos 1992 e 2000, a Amazônia foi vítima de um incremento significativo nos índices de desmatamento, com taxa média anual 56,5% superior ao verificado no ano de 1991. Esse ritmo acelerado levou à eliminação de 156.893 km2 de florestas na região, equivalentes à área do Estado do Acre -isso sem considerar os impactos da exploração madeireira predatória e das queimadas.
No mesmo período, extensas áreas de cerrado foram convertidas em plantios de soja. A mata atlântica contabilizou uma perda de 5,7% de suas florestas entre os anos de 1990 e 1995. O Rio de Janeiro, Estado-sede da Eco-92, foi o mais afetado pelo desmatamento, com uma da perda florestal da ordem de 13% no período 90-95.
Os focos de queimada e incêndios florestais apresentaram índices extremamente altos a partir de 1994, mantendo uma média anual acima de 110 mil focos, com tendência de crescimento.
Diante desse quadro de acirramento do modelo predatório do ambiente, o volume de recursos destinado ao Ministério do Meio Ambiente caiu de um patamar irrisório de apenas 0,51% do Orçamento da União, em 1995, para 0,13%, em 2000.
Na agricultura, a concentração fundiária manteve seu padrão insustentável, com 1% de proprietários de mais de mil hectares de terra detendo 45,1% da área agrícola. Só no Estado de São Paulo, 4 milhões dos 18 milhões de hectares de terras utilizáveis estão em estágio avançado de degradação.
As cidades brasileiras continuam a perder de 40% a 65% da água distribuída e apenas 33,5% dos domicílios brasileiros são atendidos por rede de esgotos (dos quais 64,7% não recebem tratamento algum). Para agravar o quadro, os investimentos públicos no setor de saneamento caíram de 0,38% do PIB na década de 1980 para 0,24% atualmente.
A contribuição das energias renováveis (como a eólica e a solar) na matriz energética brasileira caiu de 47,2% em 1992 para 39,4% em 2000. As estimativas apontam que a geração por termelétricas movidas principalmente a gás natural e carvão vai triplicar nos próximos dez anos, podendo chegar a 20% da matriz brasileira, enquanto a geração por energias alternativas vai contribuir com 0,3% da capacidade geradora.

Visão de futuro
É importante, porém, analisar esses indicadores a partir de uma visão prospectiva, que permita avaliar não apenas a situação presente, mas, também, em que medida estão sendo realizadas ações que possam, no futuro, reverter os atuais aspectos negativos. Nesse sentido, é possível ter uma segunda resposta para a pergunta inicial: o Brasil não avançou, mas lançou as bases para avançar.
A última década foi marcada pelo aprimoramento da legislação ambiental e pelo aumento da consciência da sociedade sobre a importância do ambiente e dos direitos das populações tradicionais. Foram aprovadas a Lei das Águas, a Lei de Crimes Ambientais, a lei que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas, a que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e o Estatuto das Cidades.
No campo do planejamento participativo, o governo federal também logrou avanços significativos. Concluiu a elaboração da Agenda 21 Nacional e obteve sucesso na finalização das avaliações e definições de ações e áreas prioritárias para a conservação de todos os biomas brasileiros.
Há ainda bons resultados nos processos de certificação florestal e agrícola, desenvolvimento de projetos locais financiados pelo Programa-Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras e experiências bem-sucedidas de gestão ambiental nos níveis municipais e estaduais.
Resta saber se nos próximos dez anos será possível superar a hegemonia economicista nas discussões sobre o futuro do Brasil que marcaram o período pós-Eco-92 e que levaram à imposição das reformas econômicas sobre as demandas sociais e ambientais.
Consolidar os avanços recentes e transformá-los em práticas efetivas são as únicas formas de o país alcançar o patamar de políticas afirmativas que possam contribuir para reverter os altos níveis de pobreza, de devastação ambiental ou de fragilidade dos poderes públicos responsáveis pelo planejamento e pelo controle e fiscalização das ações de degradação socioambiental no país.


João Paulo Ribeiro Capobianco, 45, biólogo e ambientalista, é membro da Comissão Interministerial Preparatória para a Rio +10, diretor do Instituto Socioambiental (ISA) e organizador do livro "Meio Ambiente no Brasil 2002" (ISA/ FGV/Estação Liberdade)



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