São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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PAULISTANOS

Sapopemba/São Mateus

Vergonha faz bairro sumir de currículo




AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Endereço: Santo André. Não foram poucas as vezes em que Uilma Rodrigues Duarte, coordenadora de um projeto social, viu os jovens que atendia colocarem essa informação nos currículos que enviariam a empresas. A resposta era firme: "Você não mora em Santo André, mora na Fazenda da Juta. Se você não valorizar o lugar onde vive, quem vai?".
O endereço falso dos jovens denuncia a baixa auto-estima da população que mora em Sapopemba, na zona leste de São Paulo. A artimanha servia para fugir do preconceito que costuma cair sobre quem vem de uma área famosa nas páginas policiais.
A violência é o principal problema para 46% das pessoas ouvidas pelo Datafolha em Sapopemba, São Mateus, Parque do Carmo e Cidade Líder. Também acima da média (24%) é o índice de pessoas que sentem mais vergonha do que orgulho do bairro em que vivem.
A criminalidade é associada pelos moradores ao envolvimento de jovens com o tráfico de drogas. "Passo na rua e vejo aquela turminha de meninos drogados, todos valentes. Não estudam, passam o dia ali. Parece que eles querem diploma de bandido", diz a vendedora Isabel Melo, 65.
Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Seade, em 2002, Sapopemba está entre os distritos com o maior Índice de Vulnerabilidade Juvenil da capital. O índice inclui variáveis como a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 19 anos e a gravidez na adolescência.
A auxiliar administrativa Gisele Aparecido, 19, é testemunha dessa realidade. Ela já perdeu a conta dos amigos que morreram em brigas ou assaltos e uma de suas amigas, de 12 anos, está grávida. "Eu queria que onde eu moro tivesse sorveteria, bar, mas nem adianta pois assim que abre fecha. Na favela perto da minha casa sempre tem toque de recolher."
Para a pedagoga Maria Lisabete Santiago, que coordena o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Parque Santa Madalena, em Sapopemba, o envolvimento dos jovens com o tráfico é ligado à falta de perspectivas de trabalho.
"Deixamos de ser um bairro-dormitório para ser um bairro-desemprego", diz. A região surgiu para abrigar operários que trabalhavam nas fábricas do ABC. "Eram pessoas que participavam do movimento sindical, das greves. Por isso fomos abandonados nos oito anos do Paulo Maluf (1993-96) e do Celso Pitta (97-00). Eles não tinham interesse em investir num reduto do PT."
Na pesquisa do Datafolha, 29% dos moradores apontaram o PT como partido preferido e 16%, a prefeita Marta Suplicy como quem mais contribuiu para a qualidade de vida dos moradores.
Os principais investimentos municipais na região são os CEUs (Centros Educacionais Unificados). São Mateus ganhou dois, e Sapopemba, um.
Para 19%, a educação é a área em que a prefeitura teve melhor desempenho. Isso não significa que o problema tenha sido resolvido. No Conselho Tutelar de Sapopemba, a maior demanda é por vagas em creches.
Segundo o Datafolha, a região concentra mais donas-de-casa (16%) que a média (12%). Para a assistente social Selma da Cruz, da Associação União da Juta, esse índice esconde a face feminina do desemprego. "Aqui há muitas mães que são chefes de família e não conseguem trabalhar porque não têm onde deixar os filhos."
Na ausência do Estado, a Igreja Católica toma conta de grande parte das ações sociais -65% dos moradores da região se declaram católicos. "A sociedade civil trabalha mas a estrutura é toda da Igreja Católica", afirma Uilma Duarte, secretária-executiva do Instituto Daniel Comboni, que tem origem religiosa.
"A gente tem que procurar apoio em Deus, porque no governo não adianta", afirma a moradora Sueli Braga, 43, que mora com dez filhos, um dos quais já passou pela Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor).


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