São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Lobby de Havelange; US$ 2 milhões em fax; apoio das federações

Luiz Carlos David - 15.jan.89/Folha Imagem
Festa pela eleição um dia antes da posse; atrás, Marco Antonio



A imagem dos atuais dirigentes do futebol brasileiro dificulta a escolha do Brasil para sediar a Copa de 94
RICARDO TEIXEIRA, em 1987



A bomba que o zagueiro Júlio César havia disparado explodira na trave. Antes dele, Sócrates e Zico já tinham perdido um pênalti cada naquela tarde de 21 de junho de 1986, exatamente 16 anos após a conquista do tricampeonato mundial, no mesmo México.
A França comemorava, e o Brasil caía nas quartas-de-final. Após ter tomado apenas um gol em toda a Copa, justamente do ídolo francês Michel Platini, o Brasil estava fora.
O fim melancólico da romântica geração de jogadores surgida no início dos anos 80 sob o comando do técnico Telê Santana fora selado na bola parada.
No solo mexicano em que uma outra geração, a da Copa de 1970, encantou o mundo, o futebol brasileiro virava mais uma página de sua história. Os "heróis do tri" habitavam um passado distante, e o futuro parecia pouco promissor.
Assim, enquanto o sonho de Zico, Falcão e companhia se despedaçava sob o sol forte e o signo do fracasso, ganhava corpo o projeto de João Havelange de levar seu então genro, Ricardo Teixeira, ao comando da Confederação Brasileira de Futebol.
O discurso de campanha do candidato Teixeira fora propalado à exaustão no México. O empresário usava termos que se tornariam as marcas da década que se avizinhava: competitividade, merchandising, profissionalismo, espetáculo e patrocinadores.
Em um universo anacrônico, palavras assim soavam bonito aos ouvidos dos dirigentes -presidentes de clubes e federações- que, no México, ladeavam João Havelange, presidente da Fifa, e Teixeira, empresário do setor financeiro.
Mas não foi apenas o palavreado novo que convenceu os cartolas a votar no "candidato da renovação". Havelange sabia que algumas coisas no futebol não mudam da noite para o dia. E lidar com cartolas era uma delas.
Assim, a dupla aliou o discurso convincente a um poder de pressão herdado da época em que o então presidente da Fifa comandava a extinta Confederação Brasileira de Desportos, do final dos anos 50 ao início dos 70.
Os dirigentes estavam no México a convite de Havelange e de Teixeira, tinham a consideração da dupla e trânsito livre para reivindicações, além, é claro, de benesses, como hotel e ingressos.
Cara a cara com seus futuros eleitores, o genro do presidente da Fifa prometia uma relação mais próxima e amigável entre CBF e federações. Entre uma dose de uísque e outra, foi colocando seu nome no jogo político do futebol.
As promessas soavam como música aos ouvidos dos dirigentes, cansados de esperar horas nas salas de espera da CBF para falar com o presidente Otávio Pinto Guimarães, que chegou ao poder em janeiro de 1986 -tendo Nabi Abi Chedid como vice.
Os dois haviam alcançado o comando da entidade com uma chapa de oposição a João Maria Medrado Dias, o candidato de Giulite Coutinho, presidente da confederação desde 1980.
A vitória de Guimarães por 13 votos a 12 fora surpreendente. O ex-presidente da Federação de Futebol do Rio era o vice da chapa, encabeçada por Chedid.
Mas, com a disputa apertada, a oposição resolveu inverter as candidaturas, apenas meia hora antes do início da eleição. Com 64 anos, Guimarães venceria Medrado Dias, 62, em caso de empate. Pelo estatuto da entidade, no caso de a votação terminar 13 a 13 (houve uma abstenção no final), o candidato mais velho seria eleito. Chedid, 53, teria menos chances.
O grupo do então deputado estadual por São Paulo apostava na combalida saúde de Guimarães para efetivamente chegar ao poder após a vitória nas eleições.
Os correligionários de Chedid achavam que um avançado câncer no estômago mataria o novo presidente da CBF em dois meses.
Só que o poder revitalizou Guimarães, que cumpriu os três anos do mandato, sempre trocando farpas com Chedid. Este não o perdoou pela "traição" de não ter morrido, como costumavam brincar os adversários do paulista nos corredores da CBF.
Teixeira trabalhara intensamente na campanha de Medrado Dias e dela tirou importantes lições. Uma delas: apenas promessas não conquistam presidentes de federações, até então os únicos que compunham o colégio eleitoral da entidade.
Fã de automobilismo, Guimarães teve uma gestão calamitosa do ponto de vista financeiro. A CBF vivia um déficit crônico e só conseguia sobreviver graças ao apoio federal. Os parcos recursos que órgãos governamentais destinavam à entidade vinham em sua maioria do Instituto Brasileiro do Café. Para vender o cafezinho brasileiro pelo mundo, Giulite Coutinho havia promovido o que hoje os agentes de marketing esportivo consideram um crime: introduziu no escudo da CBF um ramo de cafezal com o fruto.
A seleção brasileira chegou a ficar ameaçada de não viajar para para o Pan-Americano de 1987, em Indianápolis (EUA), porque não havia dinheiro para o pagamento de passagens aéreas e hospedagem. O então chefe de delegação, Ildo Nejar, teve de telefonar a um empresário do setor de marketing esportivo pouco antes da viagem para viabilizar a presença do Brasil no Pan.
"Isto aqui é uma bagunça, não tem jeito de organizar. Ele [Nabi Abi Chedid" não deixa", gostava de dizer Guimarães, quando se referia à confederação.
O maior negócio de sua gestão foi a venda dos direitos de transmissão das eliminatórias para a Copa de 1990, na Itália, para a Traffic, empresa de J. Hawilla, um ex-repórter que trocou o microfone da TV Globo pelos negócios do esporte. Pelo acordo, a entidade embolsou US$ 200 mil.
Havelange e Teixeira deixaram o México decididos. O contato com os dirigentes, que levaram até familiares para a Copa com tudo pago, fora um sucesso. A candidatura era irreversível. Nos dois anos seguintes, a dupla trabalhou intensamente no corpo-a-corpo e na montagem da chapa vitoriosa.
O presidente da Fifa ligava para dirigentes, pedia votos, dizia que seu genro era um empresário dinâmico e que iria recuperar o prestígio da CBF. Após o telefonema, Teixeira ia pessoalmente fechar o compromisso eleitoral.
Nas visitas, o empresário selava o apoio dos cartolas a seu nome distribuindo material esportivo às federações mais pobres.
Só em aparelhos de fax, então caríssimos, e em outros incentivos enviados às federações, como presentes, foram gastos quase US$ 2 milhões. O estilo toma-lá, dá-cá, que se impõe na gestão de Teixeira, começava a surtir efeito. O empresário dava início à montagem de uma base de apoio que até hoje o sustenta no poder.
Mas a dupla Havelange-Teixeira não estava só. Por trás deles, atuavam dirigentes que foram vitais para a vitória e até hoje estão na CBF, como Alfredo Nunes -atual prefeito de Regeneração (PI) e vice-presidente da confederação-, Melchiades Mariano, um dos diretores da entidade, e, principalmente, Luiz Miguel Estevão de Oliveira, irmão mais velho de um futuro senador da República, Luiz Estevão, que seria cassado em 2000. Oliveira, fundador do Grupo OK, era então presidente da Federação Goiana. Hoje dirige a seleção brasileira feminina.
Na campanha de Teixeira, ele foi responsável por organizar o rolo compressor que fez Guimarães desistir de tentar a reeleição.
"Fui, sem dúvida, o principal articulador na eleição do Ricardo", afirma Oliveira, que, logo após a vitória de Teixeira, foi alçado ao posto de segundo vice da entidade, posição que ocupou até 1991.
Sem chances de vencer, Guimarães, em um gesto que ele próprio definiu como "nobre", desistiu da disputa pouco antes do pleito.
A entrada de Teixeira no mundo da cartolagem brasileira -e pela porta da frente- estava concretizada, algo impensável antes da Copa do México.
Até meados dos anos 80, a vontade do mineiro de Carlos Chagas Ricardo Terra Teixeira, que completa 55 anos em meio à Copa da Coréia/Japão, ainda era um sentimento difuso. Casado com Lúcia, filha de Havelange, tocava os negócios da Minas Investimentos, uma corretora de valores.
Os dois haviam se conhecido em 1966, com Teixeira já no Rio de Janeiro, onde até hoje vive com a desenvoltura de um carioca da gema. Mas o dirigente, de cabelos quase totalmente grisalhos já no final da casa dos 30, nunca perdeu -voluntariamente- seu quinhão de "mineirice", seja no jogo político seja no trato com os negócios de suas empresas e da CBF.
E foi assim, sem fazer alarde, que, em 1989, ele assumiu o cargo que fora de seu sogro, a quem Teixeira ainda se refere como "pai". Na época, os dois estavam realmente muito próximos, e Havelange chegava a se referir ao genro como "o filho que eu não tive".
O fato é que Teixeira herdou do homem que dirigiu o futebol no mundo por 24 anos preciosas lições de como lidar com cartolas, políticos, estatutos, jogadores, investidores e jornalistas.
A seu modo, um tanto tímido, ganhou espaço e apoio na mídia. Tinha à sua volta uma ampla aliança, mas, curiosamente, os dois maiores nomes do futebol no Brasil, o próprio Havelange e Pelé, não compareceram à sua posse. Os dois enviaram apenas telegramas de felicitações.
Teixeira começou a trabalhar efetivamente na rua da Alfândega, centro do Rio, em 16 de janeiro de 1989. Tido como empresário bem-sucedido, encontrou a CBF com os cofres vazios. Os US$ 200 mil recebidos pelos direitos das eliminatórias já tinham sido gastos. Não havia dinheiro para pagar os salários dos funcionários.
Apenas seis meses depois, viria a disputa da Copa América no Brasil. Em seguida, as próprias eliminatórias. Pior, o discurso modernizador da campanha de Teixeira mostrou-se logo inconsistente quando o novo presidente da CBF nomeou o cartola Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, ou simplesmente Eurico Miranda, para comandar o futebol profissional. Dirigente do Vasco da Gama, Eurico sempre foi passional, impulsivo e avesso às mudanças no futebol. Em 1989, o dirigente, que, na década seguinte, iria se transformar em um dos mais poderosos cartolas do país, mas com uma coleção de inimigos capaz de fazer inveja a chefões da máfia siciliana, tinha o apreço do presidente e carta branca para comandar a seleção brasileira.
Ainda distante do futebol propriamente dito, Teixeira viu Eurico Miranda impor-lhe o novo técnico da seleção brasileira, Sebastião Lazaroni, ex-Vasco, que estava trabalhando na Arábia Saudita.
Poucos no Brasil entenderam a escolha, mas, como a imagem do novo presidente ainda tinha fresco o verniz da renovação, o treinador chegou para, em campo, iniciar a "revolução" que urgia nos bastidores da entidade.
O nome de Telê Santana, treinador das Copas de 1982 e 1986, não agradava a Teixeira, que temia trazer para sua nova equipe alguém com fama de pé-frio.
O presidente da CBF iniciou sua primeira gestão com um discurso burocrático, de gabinete, longe dos jogadores e da torcida. Quando questionado sobre a seleção, dizia que era assunto para Eurico.



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