São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Na ida, 3 toneladas; na volta, no 'vôo da muamba', 14 toneladas

Jorge Araújo - 19.set.1993/Folha Imagem
Com o atacante Romário, na preparação da seleção para o jogo decisivo contra o Uruguai, nas eliminatórias para a Copa dos EUA



Nós ganhamos, apesar das críticas da imprensa de São Paulo
RICARDO TEIXEIRA, durante festa do título de 94 em um hotel nos EUA



Parreira diz hoje que não houve pressão do cartola. "Ele nunca impôs nada." Mas um membro da cúpula da entidade na época diz que o presidente da CBF foi bem claro: convoca ou sai.
No dia 19 de setembro de 1993, Romário marcou os dois gols da vitória sobre os uruguaios. Teixeira iria para a sua segunda Copa. Na volta, o tetra e o primeiro grande escândalo de sua gestão na bagagem.
A vitória no Mundial, que pôs fim ao jejum de 24 anos iniciado no México, coroava o trabalho da parceria CBF-Traffic e colocava a seleção brasileira entre as mais importantes dos novos tempos do futebol internacional, repleto de cifrões e patrocínios. Como seu sogro, o presidente da CBF era agora um "vitorioso". O sabor do triunfo, a tentação da vingança e uma boa dose de arrogância formaram um coquetel explosivo, detonado, após série de reportagens na Folha, no episódio conhecido como "vôo da muamba".
O avião da Varig que transportou os campeões dos EUA até o Brasil parou primeiro em Recife. Os jogadores desfilaram na capital pernambucana e agradeceram o apoio recebido na despedida rumo ao Mundial. A segunda parada foi em Brasília -para a tradicional visita ao presidente.
No Palácio do Planalto, Itamar Franco condecorou a delegação com a medalha do mérito desportivo. Terminada a homenagem, o avião decolou rumo ao Rio para um novo desfile em carro aberto.
Antes da festa, no entanto, havia o dever. Como todos os brasileiros que chegam do exterior, a delegação teria que prestar contas à Receita Federal. Teria, porque não prestou, pelo menos não naquele dia -20 de julho de 1994.
Quando ficou sabendo que os agentes da Receita queriam inspecionar as bagagens, Teixeira estrilou. Após evocar o título mundial e ralhar com todos no aeroporto do Galeão, o dirigente ligou diretamente para Brasília. Pediu e conseguiu a liberação de todos. O desfecho foi desastroso para a imagem da entidade e a dele.
O avião, que partira do Brasil com 3,4 toneladas de bagagem, regressara com 14,4, segundo dados da Procuradoria Federal. Quase todos, inclusive Teixeira, haviam aproveitado a Copa para ir às compras nos EUA.
O caso mais escandaloso foi o do lateral Branco, que trazia na bagagem uma cozinha completa, avaliada em US$ 18 mil. O limite legal era US$ 500 por pessoa. Sobre Teixeira, recaiu a acusação de que ele aproveitava a oportunidade para contrabandear equipamentos para o bar El Turf, de sua propriedade, no Rio. A ordem de liberação da bagagem provocou a saída do então secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho, que pediu demissão. O caso se arrastou por anos, e a entidade presidida por Teixeira desembolsou posteriormente, segundo a CPI da CBF/Nike, R$ 46.209,60 de ICMS. Pagou a conta de todos.
A CBF pensa que Lopes Filho quis "aparecer", pois foi dele a ordem para que a bagagem de toda a delegação fosse revistada, ainda que o material tivesse de ficar retido para isso, o que atrasaria o desfile pelas ruas e contrariaria os jogadores da seleção. Outro argumento da CBF é que, normalmente, na chegada dos vôos internacionais apenas alguns passageiros passam pela malha fina da Receita. Teixeira diz que conduziu mal as negociações, que deveria ter procurado a imprensa para relatar o que estava acontecendo antes de recorrer a Brasília.
A acusação de contrabando deu mais dores de cabeça ao dirigente. Em fevereiro de 1995, o material -chopeiras importadas da Nova Zelândia, avaliadas em R$ 50 mil- foi apreendido. Mas, em março, a Justiça Federal do Rio rejeitou a denúncia da Procuradoria de República. O equipamento já havia sido liberado. O dirigente diz que as chopeiras não estavam no avião que trouxe a seleção e que foi vítima de má-fé. O bombardeio dos adversários sobre a CBF foi grande e intenso, mas ineficaz. A vitória no Mundial dos EUA era muito mais forte.
Atolada em processos e talvez antevendo as disputas judicias do futuro, a CBF levou magistrados e familiares para assistir, com tudo pago, à Copa dos EUA. Um dos contemplados foi o desembargador Antonio Carlos Amorim, presidente do Tribunal de Justiça do Rio. Em 1998, na França, o expediente se repetiu. A entidade alegou que os convites eram uma deferência ao Poder Judiciário.
A nova reeleição de Teixeira ocorreu no dia 3 de julho de 1995, novamente por unanimidade. Ele foi candidato único. O estatuto havia sido reformulado e, pela primeira vez, os 24 clubes que compunham naquele ano a primeira divisão do Brasileiro votaram no colégio eleitoral da CBF.
A demonstração de força do dirigente foi clara. Após períodos de rupturas, como a criação do Clube dos 13, em 1989, federações e times estavam unidos em torno da mão forte de Teixeira. O cartola estava garantido até 2000 e tinha mais uma Copa pela frente.
"Nossa preparação será como foi o trabalho feito para a Copa dos EUA. Não economizaremos nada", disse Teixeira, que, naquela altura da gestão, já acumulava 24 títulos internacionais.
Quem convivia com o dirigente conta que ele estava em lua-de-mel com o poder, sentia que podia vir a ser respeitado como o sogro, vencedor de três Copas. Ao lado dos clubes, anunciou que reformularia o Nacional, adaptando-o ao calendário europeu.
Com o prestígio de Teixeira, da CBF e da seleção em alta no mundo todo, era a hora de a Traffic voar mais alto. No ano seguinte, com pompa e circunstância, a parceria anunciava, no Rio, um acordo com a multinacional norte-americana de materiais esportivos Nike, com duração de dez anos e no valor de US$ 160 milhões -US$ 10 milhões foram pagos pela empresa para a entidade se livrar da antecessora Umbro.
A agência de J. Hawilla recebeu 5% de comissão pela intermediação do negócio, anunciado pelas partes como o maior contrato de esportes já firmado no planeta.
A receita proveniente dos contratos de TV também crescera após a conquista do Mundial-94. O preço dos amistosos da seleção, vendidos por US$ 100 mil cada no início da gestão de Teixeira, era então até cinco vezes mais alto do que em 1989. A entrada de tanto dinheiro na CBF começou a suscitar especulações quanto ao crescimento do patrimônio de Teixeira e a sua relação com a J. Hawilla.
Até o presidente do Vasco, o deputado federal Eurico Miranda (PPB-RJ), em uma entrevista, sugeriu certa vez que Teixeira e Hawilla seriam sócios e desviariam dinheiro da Nike para contas pessoais, coisa que duas CPIs, uma delas com mais de um ano de duração, não conseguiram provar.
Em 1999, o empresário Ricardo Teixeira disse que recebia cerca de R$ 17 mil líquidos por mês para comandar a CBF. A profissionalização da diretoria fora decidida por ele e aprovada pela Assembléia Geral no ano anterior.
De acordo com o deputado Sílvio Torres (PSDB-SP), que foi relator da CPI da CBF/Nike, no ano passado, Teixeira ganhava, bruto, quase R$ 35 mil mensais, R$ 2.000 a menos que Marco Antonio Teixeira, funcionário com carteira assinada pela entidade.
Relatório preparado por Torres, que não foi aprovado pela CPI, diz que a remuneração da diretoria da CBF saltou de R$ 1 milhão em 1998 para R$ 3 milhões em 2000.
Como bom mineiro, Teixeira faz silêncio sobre seu patrimônio. Costuma dizer apenas que quase tudo o que adquiriu foi conquistado no período em que atuou no mercado financeiro e da venda de suas empresas em 1988, entre elas a Minas Investimentos. Relatos de amigos do dirigente, filho de um bancário aposentado -estudou direito na PUC do Rio, mas não se formou-, dão conta de que ele é um hábil homem de negócios, conhecedor como poucos dos humores das bolsas e do mercado.
As investigações das duas CPIs mostraram que Teixeira havia adquirido uma casa luxuosa em Miami, após ter alugado o mesmo imóvel durante anos de uma empresa com sede no paraíso fiscal de Liechtenstein, na Europa.
Além do salário, Teixeira conta com o rendimento de suas fazendas em Barra do Piraí, que se notabilizaram por fornecer produtos lácteos para a Granja Comary, a concentração da CBF, em Teresópolis, também interior do Rio.



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