São Paulo, sábado, 26 de setembro de 1998

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NÚMEROS
Famílias sobrevivem com R$ 234 por mês, enquanto a média da renda familiar brasileira é de R$ 907
Os miseráveis são 25.000.000

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

O Brasil tem, em 1998, 25 milhões de miseráveis com 16 anos ou mais. Eles representam 24% da população nessa faixa etária. Essa é a principal conclusão da consolidação de quatro pesquisas nacionais feitas pelo Datafolha segundo grupos sociais (leia texto abaixo).
Os miseráveis estão no patamar mais baixo da pirâmide social. Sofrem com os piores níveis de renda e escolaridade. Estão marginalizados no mercado de trabalho e apresentam a mais alta média de idade de todos os grupos.
Mas sua principal característica, fruto da combinação de todas essas desvantagens, não aparece nas estatísticas: é a falta de perspectivas de ascensão social, a não ser que recebam ajuda do Estado.
É por essa razão que, na classificação social proposta pelo Datafolha, eles são os excluídos dos excluídos. Estão em pior situação do que os pobres e os despossuídos, os outros grupos que constituem os excluídos da sociedade.
O perfil traçado pelo Datafolha revela que os miseráveis se concentram no Nordeste. A região abriga 28% da população, mas nela moram quase metade desses brasileiros: 45%. De cada 100 nordestinos, 39 são miseráveis.
O levantamento não permite que se extraia um percentual desse grupo em todos os Estados brasileiros, mas entre os dez onde isso é possível, a pior situação ocorre no Ceará, onde 47% são miseráveis.
Eles moram, em geral, em municípios pequenos, com menos de 20 mil eleitores. São cidades com poucas alternativas de desenvolvimento econômico, onde, muitas vezes, mais de 90% da população tem renda insuficiente.
Mas não é só no Nordeste e nas pequenas cidades que existe uma concentração de miseráveis. Mesmo Estados considerados ricos, como São Paulo, chegam a ter 12% de sua população com 16 anos ou mais nesse grupo. São 2,6 milhões de paulistas na miséria.
O fator mais determinante da péssima condição de vida dos miseráveis é sua renda. Na média, suas famílias sobrevivem com apenas R$ 234,00 por mês. No total da população brasileira, essa média é de R$ 907,00.
Individualmente, seus rendimentos são ainda menores: R$ 131,00, praticamente um salário mínimo. Um brasileiro típico da elite, que integra os 7% que estão no topo da pirâmide, ganha 12 vezes mais do que isso, em média.
A situação financeira dos miseráveis é ainda mais dramática se lembrarmos que a pesquisa não leva em conta a população com menos de 16 anos. Ou seja, esses R$ 131,00 ainda têm de sustentar todas as crianças da família.
A solução de curto prazo seria um programa nacional de renda mínima, que complementasse os ganhos dessas pessoas. Mas isso não resolve as implicações mais profundas do problema.
Se a renda é o grande divisor de águas na pirâmide social, a educação é, como mostra a pesquisa, a principal causa da miséria.
Dos 25,9 milhões de miseráveis, 83% são analfabetos funcionais (têm menos de quatro anos de estudo). Os outros 17% não completaram as oito séries do 1º grau.
Nenhum grupo social concentra tantas pessoas com menos de quatro anos de estudo. O outro único segmento no qual eles são encontrados é o dos pobres. Mesmo assim, representam apenas 15% do total do grupo.
Em resumo, os dados mostram que, se uma pessoa tiver 16 anos ou mais e for analfabeta funcional, ela tem mais de 80% de chances de ser também miserável.
Esse é um problema de solução demorada. Os dados da Contagem Populacional de 1996 mostram que 44% dos chefes de família do país têm menos de quatro anos de estudo, e mais da metade desses não tem nenhuma instrução.
A baixa escolaridade tem consequências diretas sobre a inserção econômica dos miseráveis. É, de todos os grupos sociais, o que está menos representado na PEA (População Economicamente Ativa), total daqueles que trabalham ou procuram emprego.
Só 61% dos miseráveis estão na PEA, contra 72% na média da população. Há três motivos para isso: nesse segmento há a maior concentração de pessoas que são só donas-de-casa, aposentados e desempregados que desistiram de procurar emprego.
A concentração de aposentados que ganham apenas o piso de um salário mínimo da Previdência eleva a média de idade do grupo para 45,7 anos -a maior de toda pirâmide social, e 7,3 anos mais alta do que a média da população pesquisada.
Mesmo os 61% dos miseráveis que integram a PEA não conseguem boas colocações no mercado de trabalho. Apenas 10% do miseráveis são assalariados registrados, contra 24% na elite.
A ocupação mais comum entre os miseráveis é o bico. De cada 4 deles, 1 vive desse tipo de trabalho temporário, com renda mensal variável e sem nenhuma garantia.
Essa situação tende a se agravar num quadro econômico recessivo, como o que se avizinha por causa dos efeitos da crise mundial. As estatísticas mostram que os trabalhadores menos qualificados são os primeiros a ser demitidos.



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