|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NÚMEROS
Famílias sobrevivem com R$ 234 por mês,
enquanto a média da renda familiar brasileira é de R$ 907
Os miseráveis são 25.000.000
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local
O Brasil tem, em 1998, 25 milhões de miseráveis com 16 anos
ou mais. Eles representam 24% da
população nessa faixa etária. Essa
é a principal conclusão da consolidação de quatro pesquisas nacionais feitas pelo Datafolha segundo
grupos sociais (leia texto abaixo).
Os miseráveis estão no patamar
mais baixo da pirâmide social. Sofrem com os piores níveis de renda
e escolaridade. Estão marginalizados no mercado de trabalho e
apresentam a mais alta média de
idade de todos os grupos.
Mas sua principal característica,
fruto da combinação de todas essas desvantagens, não aparece nas
estatísticas: é a falta de perspectivas de ascensão social, a não ser
que recebam ajuda do Estado.
É por essa razão que, na classificação social proposta pelo Datafolha, eles são os excluídos dos excluídos. Estão em pior situação do
que os pobres e os despossuídos,
os outros grupos que constituem
os excluídos da sociedade.
O perfil traçado pelo Datafolha
revela que os miseráveis se concentram no Nordeste. A região
abriga 28% da população, mas nela moram quase metade desses
brasileiros: 45%. De cada 100 nordestinos, 39 são miseráveis.
O levantamento não permite que
se extraia um percentual desse
grupo em todos os Estados brasileiros, mas entre os dez onde isso é
possível, a pior situação ocorre no
Ceará, onde 47% são miseráveis.
Eles moram, em geral, em municípios pequenos, com menos de 20
mil eleitores. São cidades com
poucas alternativas de desenvolvimento econômico, onde, muitas
vezes, mais de 90% da população
tem renda insuficiente.
Mas não é só no Nordeste e nas
pequenas cidades que existe uma
concentração de miseráveis. Mesmo Estados considerados ricos,
como São Paulo, chegam a ter 12%
de sua população com 16 anos ou
mais nesse grupo. São 2,6 milhões
de paulistas na miséria.
O fator mais determinante da
péssima condição de vida dos miseráveis é sua renda. Na média,
suas famílias sobrevivem com
apenas R$ 234,00 por mês. No total da população brasileira, essa
média é de R$ 907,00.
Individualmente, seus rendimentos são ainda menores: R$
131,00, praticamente um salário
mínimo. Um brasileiro típico da
elite, que integra os 7% que estão
no topo da pirâmide, ganha 12 vezes mais do que isso, em média.
A situação financeira dos miseráveis é ainda mais dramática se
lembrarmos que a pesquisa não leva em conta a população com menos de 16 anos. Ou seja, esses R$
131,00 ainda têm de sustentar todas as crianças da família.
A solução de curto prazo seria
um programa nacional de renda
mínima, que complementasse os
ganhos dessas pessoas. Mas isso
não resolve as implicações mais
profundas do problema.
Se a renda é o grande divisor de
águas na pirâmide social, a educação é, como mostra a pesquisa, a
principal causa da miséria.
Dos 25,9 milhões de miseráveis,
83% são analfabetos funcionais
(têm menos de quatro anos de estudo). Os outros 17% não completaram as oito séries do 1º grau.
Nenhum grupo social concentra
tantas pessoas com menos de quatro anos de estudo. O outro único
segmento no qual eles são encontrados é o dos pobres. Mesmo assim, representam apenas 15% do
total do grupo.
Em resumo, os dados mostram
que, se uma pessoa tiver 16 anos
ou mais e for analfabeta funcional,
ela tem mais de 80% de chances de
ser também miserável.
Esse é um problema de solução
demorada. Os dados da Contagem
Populacional de 1996 mostram
que 44% dos chefes de família do
país têm menos de quatro anos de
estudo, e mais da metade desses
não tem nenhuma instrução.
A baixa escolaridade tem consequências diretas sobre a inserção
econômica dos miseráveis. É, de
todos os grupos sociais, o que está
menos representado na PEA (População Economicamente Ativa),
total daqueles que trabalham ou
procuram emprego.
Só 61% dos miseráveis estão na
PEA, contra 72% na média da população. Há três motivos para isso:
nesse segmento há a maior concentração de pessoas que são só
donas-de-casa, aposentados e desempregados que desistiram de
procurar emprego.
A concentração de aposentados
que ganham apenas o piso de um
salário mínimo da Previdência
eleva a média de idade do grupo
para 45,7 anos -a maior de toda
pirâmide social, e 7,3 anos mais alta do que a média da população
pesquisada.
Mesmo os 61% dos miseráveis
que integram a PEA não conseguem boas colocações no mercado
de trabalho. Apenas 10% do miseráveis são assalariados registrados, contra 24% na elite.
A ocupação mais comum entre
os miseráveis é o bico. De cada 4
deles, 1 vive desse tipo de trabalho
temporário, com renda mensal
variável e sem nenhuma garantia.
Essa situação tende a se agravar
num quadro econômico recessivo,
como o que se avizinha por causa
dos efeitos da crise mundial. As estatísticas mostram que os trabalhadores menos qualificados são
os primeiros a ser demitidos.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|