São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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LITERATURA ESTRANGEIRA

Tariq Ali vê EUA como ameaça maior

TATIANA UEMURA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Às vésperas do aniversário de um ano dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos, a histeria não é a mesma e o terrorista Bin Laden até hoje não foi exibido como troféu.
O saudita, no entanto, aparece caracterizado como o presidente americano George W. Bush na contracapa do recente "Confronto de Fundamentalismos - Cruzadas, Jihads e Modernidade" (editora Record, 478 págs.), do paquistanês Tariq Ali, 58.
Ali, destaque internacional da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, concedeu a seguinte entrevista à Folha, por e-mail, de Londres, onde mora, antes de vir ao Brasil pela segunda vez neste ano -ele esteve na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Folha - Em abril, você viajou pelos EUA divulgando a tese de que o imperialismo norte-americano ameaça mais a paz mundial do que os próprios terroristas. Como as suas idéias foram recebidas?
Tariq Ali -
Percebi que havia um desejo muito forte das pessoas de ouvir um outro ponto de vista, especialmente sobre a Palestina. A América que discorda está começando a acordar. A ameaça de guerra contra o Iraque tem preocupado muitos americanos, as críticas começam a ser ouvidas.

Folha - O que mudou no mundo desde os ataques terroristas?
Ali -
O que mudou foi que os EUA usaram os ataques terroristas para remapear o mundo. O regime Bush agora se comporta abertamente como um império e o mundo sabe onde se ajoelhar.

Folha - Quais as consequências da manutenção da atual política externa norte-americana?
Ali -
Haverá mais retaliações. Eles sabem que o islamismo não é uma ameaça real. É o desenvolvimento chinês e o crescimento do capitalismo daquele país que ameaçam a hegemonia norte-americana na próxima década. O grande temor de hoje é uma aliança sino-japonesa.

Folha - Na sua opinião, os Estados Unidos são tão fundamentalistas quanto o próprio Afeganistão?
Ali -
Há o fundamentalismo religioso e o fundamentalismo imperialista, representado por Bush. Qual desses é mais poderoso? Obviamente, o imperialismo norte-americano. A longa crise econômica na Bolívia, Peru, Uruguai, Argentina e Brasil, por exemplo, é o resultado direto da intervenção política, militar e, recentemente, econômica dos Estados Unidos.

Folha - Como lidar com os conflitos do Oriente Médio e construir um bom diálogo entre Oriente e Ocidente?
Ali -
A única solução é política. Se a questão palestina for resolvida trazendo os israelenses de joelhos aos seus senhores imperialistas, nada mudará. Se as sanções contra o Iraque continuarem e isso for tratado com guerra, nada mudará. Se as mudanças acontecerem, os próprios cidadãos do mundo islâmico vão lidar com seus fundamentalistas

Folha - Quando você veio à Bienal, em maio passado, quais foram as suas impressões sobre a literatura brasileira?
Ali -
O Brasil tem uma tradição cultural muito rica e vários escritores engajados. Roberto Schwartz educou todos nós, estrangeiros, na profundidade e no significado da literatura brasileira. Mas seria tolo fingir que o Brasil não foi atingido pela cultura da globalização. Estou impressionado com o fenômeno "Harry Potter" ser tão forte no Brasil. Eu me pergunto: o que esses livros ensinam às crianças brasileiras? O que as atrai? Para mim, é a versão literária do McDonald's.

Folha - Quais as expectativas para essa segunda visita ao país?
Ali -
Estou entusiasmado com minha participação na feira de Ribeirão Preto porque esse é um momento muito interessante no Brasil. É a despedida do presidente Fernando Henrique Cardoso e quem irá substituí-lo? Se Lula ganhar, claro que será um triunfo histórico, mas também um megadesafio para o PT. Como a hegemonia neoliberal vagarosamente entra em colapso, o PT oferecerá uma alternativa, mesmo que modesta? Ou Lula está destinado a fazer o papel de [Tony] Blair (premiê britânico) diante de "Cardoso Thatcher"? Isso seria uma tragédia.


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