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RESUMINDO
"A Relíquia" é a obra
mais fantasista de Eça
ROGÉRIO HAFEZ
especial para a Folha
"A Relíquia" (1887) é uma
das obras mais divertidas e irreverentes de Eça de Queirós.
O autor, como se sabe, se definia como um representante
da escola Realista-Naturalista. Porém, como destacou
Jorge Luis Borges (grande admirador do escritor português), o realismo de Eça não
exclui o quimérico e o sarcástico, o que é muito relevante
para a fase derradeira de sua
obra, à qual pertence "A Relíquia", quando a visão objetiva do mundo se une ao espírito da liberdade e da fantasia.
"A Relíquia" é considerada, junto à fábula "O Mandarim", a obra mais fantasista
de Eça. Entretanto, nela se faz
uma crítica e uma sátira aguda do catolicismo em Portugal, por meio das memórias
hilariantes do narrador Teodorico Raposo, o "Raposão" (como as mulheres o
chamam). Raposo é um jovem bacharel que, órfão, vive
sob as ordens de Maria do Patrocínio, sua tia terrível e avara, casta e beatíssima, que
controla a fortuna que o sobrinho espera herdar, em
breve, com a morte da "Titi". Sabendo que "há razões
de família como há razões de
Estado", Raposo finge grande devoção e cumpre o desejo
da tia, que, preocupada com
a saúde incerta, o envia como
seu representante na missão
religiosa de percorrer a Terra
Santa.
Na companhia de Topsius,
um caricaturesco arqueólogo
alemão que vem a conhecer,
Raposo vive grandes peripécias no Egito e na Palestina. A
maior delas é uma enigmática
viagem ao passado, à antiga
Jerusalém, que ocupa o centro do livro. Nessa viagem-sonho, Raposo assiste
aos bastidores do martírio de
Cristo e descobre "a lenda
inicial do cristianismo": a
ressurreição não ocorreu.
O livro se encerra com outro desmascaramento, o do
próprio Raposo pela "Titi".
Enganando-se no momento
de entregar à tia a preciosa relíquia que trouxera (a coroa
de espinhos de Cristo, que
forjara com Topsius), Raposo lhe entrega outra relíquia,
um embrulho com a camisola
de Miss Mary, uma prostituta
que conhecera em Alexandria. Ao final do livro, Raposo conclui que perdera a herança da tia por não ter tido a
coragem de afirmar: "Eis aí a
relíquia! É a camisa de Maria
Madalena!" (aludindo às iniciais "M.M." que, num bilhete, a acompanhavam).
Como é comum em Eça, há
no livro cenas simbólicas, cuja função é a de explicitar as
teses do autor. Eça não aceitava o cristianismo como
afirmação do sobrenatural,
isto é, "a idéia de um deus
transcendente que criou o
universo" (A. Saraiva).
Em "A Relíquia", é o próprio Cristo quem o afirma a
Raposo, ao final do livro:
"Eu não sou Jesus de Nazaré,
nem outro Deus criado pelos
homens (...) Sou anterior aos
deuses transitórios: eles dentro em mim nascem, dentro
em mim duram; dentro em
mim se transformam (...)
Chamo-me a Consciência".
Rogério Hafez é tradutor e colaborador
do curso Objetivo.
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