São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

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MÃO NA BUZINA

Reclama mais do trânsito quem chega mais rápido

Moradores dos distritos que acham o trânsito o principal problema são os que levam menos tempo para chegar ao trabalho

Henrique Marenza/Folha Imagem
Trânsito carregado na marginal Pinheiros; no Itaim Bibi, 30% consideram trânsito o principal problema, enquanto no Grajaú, só 9%

RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL

JOÃO PEQUENO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quem gasta menos tempo para chegar ao trabalho é quem mais reclama do trânsito. Já quem mora longe e leva mais tempo para se deslocar não considera o trânsito um problema tão grave, apontam os dados da pesquisa realizada pelo instituto Datafolha.
Da janela de seu apartamento na rua Pedroso Alvarenga, no Itaim Bibi (zona oeste), a desenhista Mônica Freitas, 50, reclama do trânsito. "Não tem uma horinha que eu olhe e veja que os carros deram uma folga", diz ela, que evita sair com o automóvel há um ano, desde que se mudou para o bairro.
A média de tempo gasto para ir de casa até o trabalho por moradores do Itaim Bibi -distrito que mais reclama do trânsito- é de 26,2 minutos. Menos da metade dos 61,9 minutos que gasta o morador do Grajaú, no extremo sul. Mas, mesmo assim, no Itaim Bibi, trânsito é o principal problema para 30% dos moradores -no Grajaú, só 9% se incomodam com isso.
Outros distritos centrais, como Vila Leopoldina (média de 30 minutos) e Jardim Paulista (25,4), completam a lista dos incomodados com o trânsito (30% e 27%, respectivamente).
"Só saio de carro para levar minha filha à faculdade, na Liberdade. Levo mais de uma hora se sair às 18h. Nota zero [para o trânsito]", afirma Mônica.
Já a vendedora Ana Cláudia de Jesus, 22, tinha outra preocupação quando morava no Grajaú, a 25 km do centro. Era tão longe que ela mentia o endereço em entrevistas de emprego, com medo de que os possíveis patrões associassem a distância a futuros atrasos e desistissem de contratá-la.
O consultor de transportes, urbanista e ex-técnico da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) Flamínio Fichmann diz que, embora perca menos tempo, o morador da região central está "mais exposto" ao trânsito -os carros "tendem a se espalhar dos corredores principais para vias menores" e o fluxo é intenso durante todo o dia. Na periferia, diz Fichmann, o trânsito não se espalha tanto, e os congestionamentos se concentram nos horários de pico. "O resultado [da pesquisa] é coerente, já que estamos falando da percepção do morador."
A incidência de reclamações do trânsito, porém, nem sempre corresponde à nota dada pelos moradores à qualidade do transporte coletivo no bairro. Em Parelheiros, embora só 3% considerem o trânsito um problema, o transporte coletivo ganhou nota 4,7. Já na Vila Leopoldina, onde o trânsito é problema para 30%, o transporte coletivo tirou 7,5.
O distrito de Moema (zona sul) é recordista no uso de carro para trabalhar (45%) e está entre os que menos usam o ônibus (16%), apesar do corredor para coletivos que corta o bairro pela avenida Ibirapuera.
A média de tempo que os moradores de Moema demoram para chegar ao trabalho é de 25,8 minutos, uma das menores da cidade. A nota para o transporte coletivo pouco usado no distrito é de 5,9.
Em Anhangüera (noroeste), 51% usam ônibus para ir trabalhar (maior percentual da cidade) e a média de tempo casa/ trabalho é de 39 minutos. A nota para o transporte coletivo é 6,3. Para o engenheiro aposentado e psicólogo Ion de Freitas, criador do curso de engenharia de transportes da USP, a diferença de percepção tem também explicação qualitativa.
"Para quem mora mal há problemas mais graves que o trânsito. Quem mora no Itaim Bibi tem tudo, então o que "pega" são esses minutos de tráfego." Nos quatro bairros da periferia onde o trânsito é considerado problema menor, a principal reclamação é de buracos na calçada e no asfalto. "Não está ligado a tempo, mas a conforto no transporte", diz Freitas.
Para o professor de engenharia de transportes da USP Jaime Waisman, o tempo de quem mora no centro [e tem maiores renda e escolaridade] é mais caro que o de quem mora na periferia. "Perder tempo incomoda mais o empresário que o operário", diz ele, que considera o morador da periferia "menos crítico" e mais "conformado" com serviços ruins.
Freitas discorda. "Raiva, frustração, incômodo são sentimentos, não passam pela razão. O homem é sempre homem, independentemente de escolaridade", afirma.


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