|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Partido troca de número, abandona slogans, reorienta ideologia, abraça ex-renegados e deixa perguntas no ar
PT e o mundo reinventam o PT em 22 anos
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Na primeira campanha do Partido dos Trabalhadores, em 1982,
quando Luiz Inácio Lula da Silva
concorreu ao governo paulista, o
número da sigla era o três, não o
13. Os slogans: "Vote no três porque o resto é burguês" e ""Trabalhador vota em trabalhador".
Tudo conforme os princípios da
agremiação que teve sua "Carta
de princípios" lançada em 1979 e
foi fundada no ano seguinte. O PT
nasceu se auto-afirmando como
um partido de classe. Aspirava representar os assalariados contra
os patrões. "O PT buscará (...)
uma sociedade igualitária, onde
não haja explorados nem exploradores", dizia o manifesto de 1980.
No 1º ENPT (Encontro Nacional do PT), em 1981, Lula anunciou o caráter "socialista" do partido que presidia. Nos termos do
"Manifesto Comunista" (1848),
discursou: "A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios
trabalhadores". A despeito de
propugnar uma sociedade sem
classes, o PT nunca se declarou
marxista. Isso porque duas das
três linhagens que lhe deram origem -ativistas católicos e sindicalistas- não eram marxistas.
O terceiro pilar da criação do
PT, militantes de organizações de
extrema esquerda, inspiravam-se
assumidamente em Karl Marx.
Já no seu batismo, o PT condenou o autoritarismo da União Soviética e o que considerava excessiva moderação política do Partido Comunista Brasileiro, sobretudo pela "colaboração com a burguesia", aliança que deixaria de
ver como besta-fera nos anos 90.
O surgimento do PT ocorreu
após a maior onda de greves nos
governos militares, quando Lula
tornou-se o mais importante sindicalista do país. A mesma base
social que impulsionou o PT pode
vir a ser um pólo de pressão sobre
o governo Lula.
No cenário internacional, o PT
deu os passos iniciais num ambiente conturbado pela Revolução Sandinista na Nicarágua
(1979) e o movimento Solidariedade na Polônia pró-soviética.
Depois de uma discreta estréia
nas urnas em 1982, o PT bancou a
fundação da CUT (1983) e mergulhou na Campanha das Diretas
(1984). Em 1985, recusou-se a
comparecer ao Colégio Eleitoral e
a votar na chapa Tancredo-Sarney contra Paulo Maluf. Três deputados que se rebelaram foram
expulsos. Em 2002, Lula alardeia
com orgulho o apoio de Sarney.
Era uma época de formulações
radicalmente à esquerda, pela
"estatização do sistema bancário
e financeiro" (4º ENPT, 1986) e
"estatização dos serviços de transportes coletivos" (5º ENPT, 1987).
Em 2002, vários indícios sugerem que, na Prefeitura do PT em
Santo André (SP), os transportes
a serem estatizados, de acordo
com a antiga plataforma, tenham
se transformado em terreno para
a cobrança -por petistas- de
propinas a empresários.
A eleição para a Prefeitura de
Fortaleza foi, em 1985, a abertura
de um caminho que marcaria o
PT: a troca da vocação de estilingue pela de vidraça. Chegava a hora de governar. O PT fracassou
em Fortaleza. Luiza Erundina,
eleita em 1988 na cidade de São
Paulo, seria abatida pelos conflitos com o partido que, depois, ela
abandonaria. Ainda em 1988, os
petistas tomariam o governo de
Porto Alegre para não mais sair.
Quando Lula recebeu 17,01%
dos votos válidos no primeiro turno da eleição de 1989 e perdeu no
segundo turno para Fernando
Collor, o PT havia estabelecido
um objetivo não só de gerir a sociedade de mercado, mas de revolucioná-la: ""O conteúdo socialista
da candidatura Lula (...) deverá
criar condições para o socialismo" (6º ENPT, 1989).
Antes, mesmo influenciando a
Constituinte para dar tonalidade
social à nova Carta, os petistas se
recusaram a assinar o texto.
A reviravolta internacional,
com o fim da União Soviética e a
reintrodução do capitalismo no
Leste europeu, teve enorme impacto na virada dos anos 80 para
os 90. O PT nunca se declarou no
campo soviético, mas a nova ordem o obrigou a repensar o mundo. Impôs-se como tarefa "impulsionar um renovado projeto de
socialismo democrático". De cunho antimercado: ""Recusamos o
mercado capitalista (...) como forma de organização da produção
social" (1º Congresso, 1991).
O PT foi o propulsor da campanha Fora, Collor. Quando o presidente caiu, o partido negou-se a
integrar o governo Itamar Franco,
agora bem-vindo ao barco lulista.
As derrotas de Lula em 1994 e
1998 ocorreram numa conjuntura
em que as mobilizações sindicais
que haviam apoiado o partido arrefeceram. O apoio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), dirigido por militantes do PT ligados à igreja, assustava a classe média.
Já na primeira metade da década de 90 o PT atenuou suas formulações sobre o socialismo e
enalteceu mais vigorosamente os
valores democráticos. Propôs
uma "revolução democrática" cujos contornos remetem a partidos
sociais-democratas europeus como o Partido Socialista Francês e
o SPD alemão -e não a agrupamentos revolucionários.
A reforma agrária, que antes deveria ter ""controle dos trabalhadores", enquadrou-se na Constituição. A bandeira do não-pagamento da dívida externa, depois
suspensão, foi reformulada.
Mas, em dezembro de 2001, o
12º ENPT definiu uma "ruptura
necessária" com o neoliberalismo
e aprovou a "denúncia do acordo
com o FMI". Já na campanha, a
palavra "ruptura" foi banida e um
novo acordo com o FMI, acatado.
O 12º ENPT renovou a profissão
de fé nos "valores do socialismo
democrático". Esse socialismo
petista nunca foi a ditadura do
proletariado idealizada por Lênin
(líder da Revolução Russa de
1917). Não é mais a "socialização
dos meios de produção" do 4º
ENPT, de 1986. A rigor, ignora-se
o que é -o PT não definiu.
O núcleo diretivo do partido,
que já condenou por escrito a social-democracia, não se sente
mais incomodado ao ser comparado com ela. Só descarta a Terceira Via de Tony Blair. Quando
Lula diz que mudou, expressa a
análise petista: o país nunca viveu
"período democrático", neste caso conceito para eleições com
participação plena de partidos de
esquerda, longo como o atual.
O PT mudou e cresceu. Já não é
o caso de insinuar revoluções,
mas de conferir ao Estado cunho
"social e público". O novo governo, conforme o 12º ENPT, será
"democrático e popular".
A corrente moderada de Lula,
coordenada por José Dirceu, controla pelo menos 69 das 108 cadeiras do Diretório Nacional. Este
grupo bancou o acordo com o PL
e prepara coalizão mais ampla.
Isso apesar de formalmente o
PT manter seu viés "anticapitalista" e a esquerda petista, nos movimentos sociais e no partido, se
preparar para fazer barulho.
O governo PT deve nascer mais
conservador mesmo do que na
campanha eleitoral, mas ninguém sabe para onde vai evoluir.
Aos militares, por exemplo, Lula calou sobre esforços para encontrar os corpos dos desaparecidos na era dos generais. Mas num
e-mail distribuído a famílias de
desaparecidos, José Dirceu prometeu: "Quando formos subir a
rampa do Planalto, eles [os desaparecidos] estarão conosco". Vale
o silêncio ou a promessa? Como
em muita coisa sobre o governo
Lula, é cedo para dizer.
Texto Anterior: Funcionalismo: Base petista, servidores cobram oito anos sem reajustes Próximo Texto: Frase Índice
|