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Reis e vassalos
Bahia, Estado com o maior número de negros, e Santa Catarina, Estado com o maior número de brancos, embaralham relação entre etnias ; para pesquisador
da UFRJ, situação esconde "racismo à brasileira"
Lalo de Almeida/Folhapress
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Espectador acompanha São Paulo x
Palmeiras, no
Morumbi, na última 4ª
PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
E FLORIANÓPOLIS
Um dirigente negro foi punido por ofender um juiz negro, chamando-o de "negro
preto". A ofensa redundante
causou multa de R$ 10 mil e
cassação do mando de campo do Fluminense de Feira de
Santana, na Bahia, em punições da Justiça Desportiva,
mas não originou um processo judicial.
"Achei que não devia levar
adiante", afirma o juiz Jaílson Macedo de Freitas, 39.
Em atividade no Campeonato Brasileiro deste ano, Jaílson reconhece que na Bahia
é comum ouvir e falar expressões como "Qualé, negão?"
para cumprimentar ou se referir carinhosamente a alguém como "pretinho" ou
"neguinho". Mas não teve
dúvidas em relatar na súmula que o dirigente do Fluminense de Feira de Santana,
negro como grande parte da
Bahia, chamou-o de "negro
preto" ao reclamar de sua arbitragem em partida de 2008.
"Ele teve intenção de ofender", diz Jaílson. Sobre o porquê de não ir à Justiça, é seco:
"Preferi me preservar. Podia
ficar marcado".
Somente 1 em cada 5 baianos se declara branco, fazendo da Bahia o Estado com o
maior contingente de autodeclarados negros do país. É
a terra natal de Gleidionor Figueiredo Pinto Junior, 23, conhecido como Junior Negrão,
atacante que joga hoje no Figueirense, o clube mais tradicional de Santa Catarina, Estado em que, em cada 10 habitantes, somente 1 se declara não branco.
"Posso falar pouco disso.
Nunca sofri nenhum tipo de
preconceito racial. Isso é coisa do passado para quem tem
a cabeça muito pequena em
pleno século 21. Na Bahia, é
maior o costume de ver negros. Mas aqui nunca vi nenhum tipo de racismo. Santa
Catarina é o Estado que mais
tem branco, mas recebe bem
os negros", declara Junior.
"O EMOCIONAL"
Na obra clássica "O Negro
no Futebol Brasileiro" (ed.
Mauad), cuja primeira edição
é de 1941, o jornalista Mario
Filho (1908-66) relata uma
frase que ouviu de Róbson,
então jogador do Fluminense, para demonstrar um processo de embranqueci mento
na ascensão social dos atletas: "Eu já fui preto e sei o que
é isso".
Quase 70 anos depois do
lançamento do livro de Mario
Filho, jogadores de futebol
relatam uma suposta paz racial em campo, limitando às
arquibancadas as expressões
racistas.
"O torcedor às vezes xinga.
Atrapalha, temos nossa vida
pessoal. Chamar de preto, de
macaco acaba atingindo o
emocional da pessoa", declara Edson Santos Reis, 20, atacante do Vitória da Bahia.
Mas o dia a dia do esporte
ainda acolhe queixas graves.
No mês passado, em jogo pela Copa do Brasil entre Palmeiras e Atlético-PR, o zagueiro Manoel, do time paranaense, acusou o também
zagueiro Danilo, do clube
paulista, de chamá-lo de
"macaco" em partida disputada no Parque Antarctica.
"O Danilo cuspiu em mim
e me chamou de macaco. Ser
chamado de macaco é a pior
coisa que tem", disse o jogador do Atlético, que pisou no
rival durante o segundo tempo da partida como forma de
revidar. "Realmente pisei nele, porque estava muito chateado, e faria novamente.
Confesso que pisei porque
ele me chamou de macaco."
Manoel prestou queixa em
uma delegacia da capital
paulista.
Em jogo de 2005 entre Juventude e Internacional pelo
Campeonato Brasileiro, a cada vez que o volante Tinga,
então no time colorado, pegava na bola, a torcida imitava um macaco.
A ação racista foi tão estridente que o jogo chegou a ser
paralisado para que dirigentes do Juventude (Caxias do
Sul) pedissem respeito à torcida. O clube foi multado em
R$ 200 mil e perdeu o mando
de campo por dois jogos.
O atacante Grafite, da seleção brasileira, protagonizou
outro episódio de racismo em
joga da Libertadores.
Desábato, então jogador
do argentino Quilmes, foi
preso sob acusação de chamar Grafite de "macaco".
Em um jogo da seleção
brasileira em São Paulo, o
atacante voltou a ser alvo de
preconceito. Torcedores brasileiros jogaram uma banana
em campo com a inscrição:
"Grafite macaco".
No ano passado, em partida entre Cruzeiro e Grêmio,
outra vez pela Libertadores,
Elicarlos acusou o argentino
Maxi López , que também foi
levado para a delegacia, de
tê-lo chamado de macaco.
"Uma coisa é a revolta da
torcida, outra é a ofensa vir
de algum outro jogador adversário. Nunca senti nenhum tipo de preconceito,
mas a lei diz que é crime inafiançável. Sou a favor de ir à
polícia", diz Júnior Negrão.
O jogador conta que jogava em Manaus, em time que
contava com outros dois jogadores chamados de Júnior.
"Como eu era o mais escuro,
virei Negrão. Mas, na Bahia,
sou mais para moreno do que
para negro", relativiza ele.
"Mas não me incomodo
não."
Entre os 70 jogadores
atuais dos dois principais
clubes baianos, Vitória e Bahia, a grande maioria é de
morenos, mulatos e negros.
O único loiro, o centroavante
Júnior, do Vitória, pinta os
cabelos.
No elenco dos dois principais clubes catarinenses,
Avaí e Figueirense, aparecem brancos, louros, mas
muitos morenos, mulatos e
negros -apesar de a maioria
destes últimos terem como
origem outros Estados, em
razão da peregrinação profissional própria da categoria.
DIFÍCIL DE COMBATER
Ex-jogador do Belenenses
de Portugal, Júnior afirma
que brasileiros em geral
-não especificamente só negros- enfrentam mais problemas de discriminação em
território europeu. "Se falar
que é brasileiro no supermercado ou no banco, o tratamento não é igual não."
O juiz Jaílson Macedo de
Freitas afirma que, de modo
geral, os "boleiros" o respeitam. "Em campo, jogador me
chama de "professor", "mestre", "chefe". Não me sinto discriminado não."
Pelo último censo da Fifa,
o Brasil tem 13,2 milhões de
praticantes de futebol, sendo
2,14 milhões de atletas registrados. Não há uma contabilização por cor da pele. A CBF
estima que o futebol movimente R$ 32 bilhões e alarga
para 30 milhões o total de
praticantes do esporte.
Entre os mais de 15 mil profissionais, 60% ganham até
um salário mínimo e apenas
4% ganham mais de 20 salários mínimos.
Para o pesquisador Victor
Andrade de Melo, coordenador do Laboratório de História do Esporte e Lazer da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, o esporte é uma forma de ascensão social.
"Assim, os negros ascendem socialmente pelo esporte. O futebol não está além da
sociedade, não está imune ao
preconceito racial. Pode ser
obliterado pelo racismo à
brasileira, uma crença de
que a miscigenação impede o
racismo, o que na realidade
só o deixa mais difícil de ser
combatido", declara.
O pesquisador questiona
por que são raros os dirigentes negros no futebol. "Não é
uma coincidência", aponta,
lembrando que os cartolas
têm sua origem nas elites sociais e econômicas. "Todo
torcedor xinga o juiz. Mas será que o torcedor xinga o juiz
negro da mesma forma que o
juiz branco?", questiona.
Alguém já ouviu no estádio um torcedor gritar: "Juiz
branco filho da puta" ou
"Seu branco safado"?
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