São Paulo, domingo, 30 de maio de 2010

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"Sofri mais por ser mulher do que pela cor da pele"

Pioneira do futebol feminino, Sissi diz ter padecido até em casa

MARIANA BASTOS
DE SÃO PAULO

Hoje com 42 anos, Sissi foi uma das desbravadoras do futebol feminino no Brasil.
Antecessora da geração hoje famosa de Marta e Cristiane, fez parte da primeira safra de jogadoras que levou a seleção brasileira feminina a ter respeito internacional.
Foi para os EUA em 2001 e, no ano passado, disputou a temporada pelo FC Gold Pride, equipe da WPS (liga americana e a mais importante do futebol feminino).
Meia habilidosa, Sissi participou de três Copas do Mundo (1991, 1995 e 1999) e duas Olimpíadas (1996 e 2000). Em 1999, ganhou a Chuteira de Ouro como artilheira da competição e a Bola de Prata por sua performance geral.
O Brasil terminou a competição em quarto lugar.
Hoje, ela mora em Convord (Califórnia) e treina equipes de base. Ainda joga pelo Califórnia Storm na WPSL, liga semiprofissional, e pretende se aposentar ao final da temporada.

Folha - Você se considera uma jogadora negra?
Sissi -
Eu me considero. Em Salvador, a maioria da população é negra. Eu cresci justamente em um ambiente dos negros. Meus melhores amigos são negros. De onde vim, nunca tive problema nenhum com preconceito.

Já sofreu algum tipo de preconceito dentro de campo?
Nunca presenciei nenhum caso em relação a isso. Teve uma época em que fui com a seleção disputar o Sul-Americano na Argentina, em 1995 ou 96, e a gente notou que na rua faziam comentários e davam risadas.

Quais são as diferenças entre as formas com que o americano e o brasileiro lidam com a questão racial?
Quando cheguei aqui, notei que aqui tinha uma certa divisão [entre brancos e negros]. Mas as coisas mudaram desde então.

Mudaram como exatamente?
Depois que elegeram um presidente negro, dá para ver que a mentalidade mudou. Aqui esse tipo de xingamento é bem mais sério.
Além disso, o tratamento entre as jogadoras no futebol feminino é muito diferente do masculino. A gente não xinga a mãe da jogadora.
As ligas nos EUA têm um lado muito profissional. Você tem que seguir as normas, porque sua imagem é muito importante.
Antes do início do campeonato, há reuniões que mostram que você tem que respeitar o adversário e o público. Eles [organizadores do campeonato] não gostam de escândalo. São rigorosos em relação a isso. O público vai pagar ingresso para ir a um jogo ver briga?

Enfrentou outros tipos de preconceito em sua carreira?
O preconceito que mais enfrentei foi por ser jogadora de futebol. Falavam que futebol não era para mulher, que quem jogava futebol era sapatão. Nunca deixei que isso mudasse o que eu queria fazer. Sofri mais preconceito por ser uma mulher que optou por jogar futebol do que por racismo. Até mesmo dentro da própria família.

Você sofreu esse tipo de preconceito dentro de campo?
Não do adversário, mas escutei comentários do público. Isso chegava a chatear.

Por que você acha que nos EUA já há uma aceitação maior da mulher no futebol?
Porque a gente não quer ser comparada com o masculino. Aqui eles separam muito bem: não comparam a MLS (liga masculina) com a WPS. Cada liga tem o seu espaço. A valorização que a Marta tem nos EUA...
Aqui eles não entendem por que a gente é mais valorizada nos EUA do que no nosso próprio país.

E você tem algum palpite que explique essa diferença de valorização?
É a questão do machismo. Começa por aí. No Brasil, não aceitam que uma mulher tenha atenção, reconhecimento no futebol. Há ciúme.

Você acha que sua geração quebrou barreiras no Brasil?
A minha geração -da Fanta, da Pelé, da Elaine. Sofremos pra caramba quando estávamos no Brasil. Brigamos com a CBF, e as coisas estão hoje mais fáceis. Fico satisfeita quando vejo a Marta fazendo um sucesso desse. Porque a gente teve a mesma história. Viemos de família pobre, e quem joga futebol no Brasil normalmente tem essa mesma história.


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