Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Sofri mais por ser mulher
do que pela cor da pele"
Pioneira do futebol feminino, Sissi diz ter padecido até em casa
MARIANA BASTOS
DE SÃO PAULO
Hoje com 42 anos, Sissi foi
uma das desbravadoras do
futebol feminino no Brasil.
Antecessora da geração hoje
famosa de Marta e Cristiane,
fez parte da primeira safra de
jogadoras que levou a seleção brasileira feminina a ter
respeito internacional.
Foi para os EUA em 2001 e,
no ano passado, disputou a
temporada pelo FC Gold Pride, equipe da WPS (liga americana e a mais importante
do futebol feminino).
Meia habilidosa, Sissi participou de três Copas do
Mundo (1991, 1995 e 1999) e
duas Olimpíadas (1996 e
2000). Em 1999, ganhou a
Chuteira de Ouro como artilheira da competição e a Bola
de Prata por sua performance geral.
O Brasil terminou a competição em quarto lugar.
Hoje, ela mora em Convord (Califórnia) e treina
equipes de base. Ainda joga
pelo Califórnia Storm na
WPSL, liga semiprofissional,
e pretende se aposentar ao final da temporada.
Folha - Você se considera
uma jogadora negra?
Sissi - Eu me considero. Em
Salvador, a maioria da população é negra. Eu cresci justamente em um ambiente dos
negros. Meus melhores amigos são negros. De onde vim,
nunca tive problema nenhum com preconceito.
Já sofreu algum tipo de preconceito dentro de campo?
Nunca presenciei nenhum
caso em relação a isso. Teve
uma época em que fui com a
seleção disputar o Sul-Americano na Argentina, em 1995
ou 96, e a gente notou que na
rua faziam comentários e davam risadas.
Quais são as diferenças entre
as formas com que o americano e o brasileiro lidam com a
questão racial?
Quando cheguei aqui, notei que aqui tinha uma certa
divisão [entre brancos e negros]. Mas as coisas mudaram desde então.
Mudaram como exatamente?
Depois que elegeram um
presidente negro, dá para ver
que a mentalidade mudou.
Aqui esse tipo de xingamento é bem mais sério.
Além disso, o tratamento
entre as jogadoras no futebol
feminino é muito diferente
do masculino. A gente não
xinga a mãe da jogadora.
As ligas nos EUA têm um
lado muito profissional. Você
tem que seguir as normas,
porque sua imagem é muito
importante.
Antes do início do campeonato, há reuniões que
mostram que você tem que
respeitar o adversário e o público. Eles [organizadores do
campeonato] não gostam de
escândalo. São rigorosos em
relação a isso. O público vai
pagar ingresso para ir a um
jogo ver briga?
Enfrentou outros tipos de
preconceito em sua carreira?
O preconceito que mais
enfrentei foi por ser jogadora
de futebol. Falavam que futebol não era para mulher, que
quem jogava futebol era sapatão. Nunca deixei que isso
mudasse o que eu queria fazer. Sofri mais preconceito
por ser uma mulher que optou por jogar futebol do que
por racismo. Até mesmo dentro da própria família.
Você sofreu esse tipo de preconceito dentro de campo?
Não do adversário, mas escutei comentários do público. Isso chegava a chatear.
Por que você acha que nos
EUA já há uma aceitação
maior da mulher no futebol?
Porque a gente não quer
ser comparada com o masculino. Aqui eles separam muito bem: não comparam a
MLS (liga masculina) com a
WPS. Cada liga tem o seu espaço. A valorização que a
Marta tem nos EUA...
Aqui eles não entendem
por que a gente é mais valorizada nos EUA do que no nosso próprio país.
E você tem algum palpite que
explique essa diferença de
valorização?
É a questão do machismo.
Começa por aí. No Brasil, não
aceitam que uma mulher tenha atenção, reconhecimento no futebol. Há ciúme.
Você acha que sua geração
quebrou barreiras no Brasil?
A minha geração -da Fanta, da Pelé, da Elaine. Sofremos pra caramba quando estávamos no Brasil. Brigamos
com a CBF, e as coisas estão
hoje mais fáceis. Fico satisfeita quando vejo a Marta fazendo um sucesso desse.
Porque a gente teve a mesma
história. Viemos de família
pobre, e quem joga futebol
no Brasil normalmente tem
essa mesma história.
Texto Anterior: Treinador é coisa de branco Próximo Texto: Arquibancadas do ódio Índice
|