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Desenvolvimentistas tentam pautar economia
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Grita a capa de outubro da revista da Abinee (Associação
Brasileira da Indústria Elétrica
e Eletrônica): "Precisamos de
um presidente desenvolvimentista". É só o mais recente grito
com o mesmo apelo partido de
setores empresariais, sindicais,
acadêmicos e políticos -um
coro virtualmente unânime.
O grito foi ouvido, a julgar pelas promessas tanto do presidente reeleito, Luiz Inácio Lula
da Silva, como de seus auxiliares mais próximos, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O segundo mandato de
Lula significará a troca da ortodoxia que marcou o reinado de
Antonio Palocci Filho na Fazenda pelo "desenvolvimentismo", como sinônimo de crescimento bem mais acelerado.
Na Fazenda, a Folha ouviu
até um número para o crescimento anual médio no período
2007/2010: 5%. É o número
que está na cabeça do presidente da Abinee, Ruy de Salles Cunha. Em editorial para a revista
da associação, Salles Cunha
lembra: "Precisamos colocar, a
cada ano, 1,7 milhão de trabalhadores, e isso só será possível
com um crescimento de 5%".
Um número ainda mais gordo -e por um período mais
longo- aparece no documento
mais recente (agosto) emitido
pelo CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social), concebido para ser um
abrangente plenário de membros do governo, empresários,
sindicalistas e acadêmicos, mas
relegado ao ostracismo pelo
controle absoluto que Palocci
exerceu sobre a economia até
cair em desgraça.
O CDES anuncia "ter como
meta uma taxa de crescimento
média do PIB real em torno de
6% ao ano até 2022, resultando
na duplicação do PIB per capita". O texto explicita a troca da
ortodoxia pelo desenvolvimentismo, ao dizer: "O foco nas
prioridades econômicas -ajustamento macroeconômico e diminuição da vulnerabilidade
externa- pode, a partir de agora, deslocar-se para a aceleração dos processos de distribuição das riquezas como imperativo para o crescimento sustentado do país".
A chave para o desenvolvimentismo, na visão do governo, é a redução dos juros, não a
conta-gotas, como o Banco
Central vem fazendo, mas aceleradamente. Mantega quer
que, ao fim de 2007, o juro real
(descontada a inflação) esteja
em 5% ao ano, o que daria 9%
em termos nominais, dado que
a inflação prevista para o ano
que vem é de 4% (hoje, os juros
nominais, a 13,75%, são 50%
superiores ao desejado).
O documento do CDES é menos contundente no capítulo
juro: fala em reduzi-lo a 8%
reais, ou 12% nominais.
Mas é explícito na necessidade de trocar a ortodoxia pelo
que chama de ajuste. Diz: "Os
instrumentos fiscais (receitas e
gastos públicos) e os monetários (crédito e juros) devem ser
ajustados para permitir a combinação de baixa inflação e alto
crescimento econômico, como
demonstram ser possíveis os
momentos históricos vividos
por países hoje desenvolvidos,
como EUA, Alemanha, Japão,
Canadá, Espanha".
O problema, para acreditar
que a adoção do desenvolvimentismo não é mera retórica
de campanha eleitoral, está dado pela baixa credibilidade do
próprio presidente em anúncios do gênero. Afinal, com só
cinco meses de gestão, e juros
ainda mais estratosféricos que
os atuais, Lula anunciou, em
maio de 2003, o iminente "espetáculo do crescimento". Não
aconteceu até agora.
Da mesma forma, discussões
ou textos anteriores do CDES
estavam impregnados de desenvolvimentismo, que, no entanto, não se materializou.
Desta vez, no entanto, há
uma combinação política que
torna menos etérea a expectativa do CDES (e dos desenvolvimentistas em geral): o núcleo
duro do governo Lula, com
boas chances de ser mantido, é
todo formado por adversários
notórios da ortodoxia que marcou o primeiro período: Guido
Mantega, Dilma Rousseff (Casa
Civil) e Tarso Genro (Relações
Institucionais) nunca esconderam as críticas à dupla Palocci/Henrique Meirelles.
Quando assumiu, interinamente, a presidência do PT,
ainda em 2005, Tarso defendeu publicamente a transição
para um novo modelo, "que gere distribuição de renda e combate maior à desigualdade".
"Defendo, sempre defendi e
vou continuar defendendo",
enfatizou, em Paris, durante visita de Lula à França.
Além da combinação política, há o fato de que a estabilidade econômica, essencialmente
representada pelo controle da
inflação, goza de boa saúde. Logo, sempre como dizia Tarso no
ano passado, "nem dentro nem
fora do governo se defende a
idéia de que a estabilidade é um
fim em si mesmo".
A frase continua valendo
quase ecumenicamente, mas
não para o BC, inexpugnável
bastião da ortodoxia.
Mantega tem, entretanto,
um cálculo capaz de convencer
o presidente: o Brasil teria perdido três pontos percentuais
do PIB como conseqüência do
que a Fazenda considera "overdose" de juros na era Lula.
Convertido em moeda sonante, daria R$ 60 bilhões.
Que presidente não seria fanático do desenvolvimentismo
a partir de um argumento desse calibre?
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